Captain America: Steve Rogers #2 traz todos os detalhes da traição do herói — e é aquilo que você provavelmente já estava imaginando
SPOILER! Em um primeiro momento, essa história de Steve Rogers, o primeiro (e não mais o único) Capitão América, ser um integrante da Hydra pareceu-me ter bastante potencial. Veja, estamos em um momento político polarizado, colocando frente a frente ideias completamente diferentes para os mesmos objetivos (pelo menos em teoria). Isso tanto no Brasil quanto nos EUA e até na Europa.
Steve como integrante da Hydra faria sentido se a organização abrandasse seu discurso e atitudes — como o próprio Donald Trump vem fazendo nas últimas semanas, por exemplo. Convencendo o Bandeiroso que, agora, eles estão em busca do caminho certo para corrigir as coisas, algo que o lado em que ele estava até então nunca resolveu. Também poderia rolar uma coerção, uma ameaça ou até o próprio Rogers poderia estar infiltrado na fileira dos caras, agindo como agente duplo.
Só que não foi isso que Captain America: Steve Rogers #2, publicado ontem (29), nos mostrou. A Marvel e o roteirista Nick Spencer escolheram o caminho fácil, num gibi que foi ladeira abaixo na qualidade quando comparado com a primeira edição.
O motivo: a real razão pro Steve Rogers ter sido sempre um agente da Hydra é a manipulação da realidade feita pelo Cubo Cósmico. E é pior do que parece.
A HQ começa alguns anos no passado, mais exatamente durante a fase de Mark Waid e Ron Garney no gibi Captain America. No famoso arco de 1995, o Capitão arranca um dos braços do Caveira Vermelha, que estava tentando usar o Cubo Cósmico para derrotar o herói, e o artefato é destruído em inúmeros pedaços. O que parecia ser o fim foi apenas o começo.
Os pedaços do Cubo foram para a SHIELD, que tentou utilizar o poder ali para outros fins. Deu merda, com os pedaços do Cubo explodindo e matando boa parte da equipe envolvida no projeto. Só que em meio à tragédia veio a vida: um dos pedaços do Cubo se tornou consciente, assumindo a forma de uma garotinha.
A SHIELD tentou manipular e estudar a menina, que foi batizada de Kobik, e até convenceram o Doutor Selvig a cuidar dela. O que ninguém sabia é que a garotinha não queria amizade com eles, mas sim com seu antigo mestre: o Caveira Vermelha.
Kobik vive então duas vidas: uma na SHIELD, com o Selvig, e outra com o Caveira Vermelha, que cria a garota como uma filha e ensinando que a Hydra é a melhor organização do universo. Isso faz com que a menina tenha um senso deturpado de certo e errado – e, quando o Selvig finalmente vai descobrir tudo, ela manipula a realidade no entorno do cientista. A partir daquele momento, todas as memórias e acontecimentos do Doutor são de que ele é (e sempre foi) um agente da Hydra infiltrado na SHIELD.
É aí que o Caveira liga aquela luzinha de ideia. Usando a garota, Selvig e seus poderes mentais, o vilão manipula a SHIELD para que a organização use Kobik para criar o projeto de Pleasant Hill, aquele feito para manipular as mentes de criminosos, transformando-os em pacatos cidadãos de uma cidadezinha que não existe.
A própria rebelião em Pleasant Hill é manipulada pelo Caveira Vermelha, mostrando que todos os acontecimentos do crossover Avengers: Standoff! nunca foram lá muito “reais”. No fim, o plano se revela: foi tudo feito para que Steve Rogers, ainda velho, encontrasse Kobik – que não só devolveu a juventude e a plenitude física para o Capitão, mas manipulou todas as memórias do herói.
Agora, pro próprio Steve Rogers, ele sempre foi um integrante da Hydra infiltrado na SHIELD. Isso aconteceu realmente no Universo Marvel? Não. Rolou um retcon? Muito menos. “Você acabou de dizer que é uma história falsa, então eu acho que isso é uma coisa importante que vamos ter que ficar falando um monte nas próximas semanas. Kobik reescreveu a realidade. Então não é realmente falso, né?”, disse, aos risos, o roteirista Nick Spencer em entrevista ao CBR News. “Pode parecer falso para nós no sentido de que somos leitores de uma outra continuidade. Então é outra coisa que vamos explorar, mas é importante entender que não houve lavagem cerebral no Steve. Ele não está lembrando de coisas que nunca aconteceram daquele jeito. Essa é a realidade do Steve. Como se manifesta e se desenvolve ainda será visto, mas o termo ‘falsas memórias’ não se aplica aqui”.
Ok, Spencer tem toda uma justificativa – mas, no final, parece apenas uma nova roupagem pra “memórias implantadas”. Até porque se a realidade é modificada pra uma pessoa, ela precisa mudar para todo mundo. Como o Caveira não soube, automaticamente, que o Selvig “sempre” foi da Hydra nessa nova realidade? Como a presença do Capitão América entre os vilões não alterou outros fatos, inclusive a história do próprio Johann Schmidt? Como o vilão não “esqueceu” que ele e Steve já foram inimigos?
O que foi feito tá mais próximo de uma lavagem cerebral do que qualquer outra coisa – e que pode ser desfeito com um estalar de dedos. Então, cara, pode ficar tranquilo. Ninguém estragou o passado do seu herói preferido.
Todo aquele mimimi mês passado foi REALMENTE sem motivo.
Ainda assim, não dá pra dizer que a saída seja das mais inteligentes. Herr Schmidt tem um Cubo Cósmico nas mãos e o céu é o limite. Ok, Spencer justifica no próprio roteiro que o Caveira Vermelha está entediado com os planos de sempre e que também não seria legal forçar muito a Kobik, por ser uma criança e tudo mais. Além disso, transformar Steve Rogers em um agente da organização que ele sempre combateu seria uma ótima vingança.
“O Caveira é um cara inteligente, e ele reconhece bem rapidamente que ele não estava numa posição de autoridade com a Kobik”, também disse o roteirista. “Ele entende a necessidade de tê-la do seu lado, e isso requer que ele faça coisas que nunca fez antes e que não são necessariamente fáceis pra ele, como ler histórias de ninar”.
Só que a saída da “lavagem cerebral” (ou “mudanças de realidade”, tanto faz) é extremamente batida, e até esperada. Captain America: Steve Rogers #1 tinha apresentado a oportunidade de debater muitos assuntos do mundo atual, mas o que a segunda edição fez foi jogar tudo isso por terra em nome de um recurso que é um lugar comum nas HQs. O que mudou foi só a embalagem.
Claro que a continuação do arco pode nos fazer engolir todas essas críticas, com a revista explorando esse novo passado do Steve Rogers de forma inteligente. Foi o que aconteceu na fase do Homem-Aranha Superior, com o corpo do Peter Parker recebendo a mente de Otto Octavius nas HQs. As coisas não começaram bem, o conceito é bem fraco, mas as histórias se desenvolveram de forma muito boa. Só que lá havia um senso de que Parker estava “morto” e que aquela era a nova realidade para o Escalador de Paredes. Aqui, soa mais como um artifício que será desfeito, descartado e esquecido na primeira oportunidade – como já aconteceu com o Capitão América lobisomem ou de armadura.
Se tem um lado bom nisso tudo, esse lado é a arte do Jesus Saiz. É incrível, detalhista, dinâmica, plástica e com direito a splash pages sensacionais. A página do Caveira Vermelha empunhando o Cubo Cósmico é um clássico instantâneo, daqueles que deve ilustrar notícias e mais notícias do personagem daqui pra frente.
Todo mundo tem alguém pra salvar o dia, Marvel. Já sabemos que JESUS salvou o de vocês. Só vamos torcer pro Steve Rogers ter a mesma sorte...