Estão rolando negociações com grandes estúdios para viabilizar a jogada, que já acontece com alguns filmes independentes
Você sabe, você leu no JUDÃO: a indústria do cinema possui diversas das chamadas janelas, que são aqueles períodos nos quais o filme é exclusivo de uma cada mídia ou plataforma. Esse modelo passou por algumas mudanças recentemente, mas a base continua a mesma – e coloca um longa-metragem como excluso do cinema por uns 90 dias, normalmente, MESMO que as grandes redes só o exibam por tipo umas três semanas.
O Netflix já está trabalhando pra DESCONTRUIR esse modelo de distribuição, o que não só está mudando o comportamento das pessoas, mas pressionando todo o resto da cadeia a se movimentar; agora é a vez da Apple dar a sua grande cartada, que pode mudar muita coisa nessa indústria nos próximos anos (ou até meses).
De acordo com a Bloomberg, a empresa de Cupertino tá negociando com os grandes grupos do entretenimento para ter acesso aos filmes mais cedo. Atualmente, rolam conversas com 21st Century Fox, Time Warner e a Comcast (essa última é a dona da Universal) para poder disponibilizar filmes para aluguel no iTunes pelo menos duas semanas após a abertura na tela grande – e, por isso mesmo, cobrando valores mais altos do consumidor final.
Um blockbuster estreia com toda a pompa e investimento de marketing no cinema, tudo com o objetivo de levar muita gente para curtir a produção na sala escura, afinal, uma grande abertura, que movimente muito dinheiro, traz um retorno rápido para o estúdio e exibidores, garantindo mais semanas em cartaz e, claro, mais público. Tipo Efeito Tostines, sabe?
Exemplo prático: Rogue One estreou mundialmente no último fim de semana trazendo uma receita mundial de US$ 290 milhões, segundo os números do Box Office Mojo. Foi a terceira maior estreia de 2016, o que é um grande feito se você levar em consideração que em Rogue One há pouca coisa “conhecida” pra vender o filme.
Tudo lindo? Hm, não. Nem sempre um grande filme desses dá lucro assim, tão fácil, mesmo movimentando tanto dinheiro logo de cara. Na real, boa parte dessa grana da bilheteria é para pagar distribuidores, investidores, estúdios, marketing e uma porrada de coisas – isso dentro de um mercado que está estagnado. O lucro de produtores e desse pessoal, que investiu tempo e suor no projeto desde o começo, fica pro final – e, na maioria das vezes, virá das janelas APÓS a do cinema. E é aí que a coisa pega.
O mercado de DVDs e Blu-rays, que é aquele que vem depois do cinema, é hoje um fantasma. As vendas são infinitamente menores do que há alguns anos não só por causa da pirataria, mas também porque o comportamento das pessoas está mudando, ligando menos para o físico, para o POSSUIR. Ou seja, na hora de pegar a sua fatia do lucro, o cara que mais se fode, o que REALIZA o filme, fica contando moedinhas.
“Ah, mas tem Netflix”. Tem, sim. Mas a empresa de Los Gatos não é, necessariamente, a solução para esse problema. A distribuidora vende o filme para eles por um preço fixo, que não é tão alto assim, e, depois, não há mais feedback sobre o desempenho na plataforma, que é bem fechada. Quando acabar o contrato (que é, no mínimo, de um ano), eles podem simplesmente não renovar mais e você fica sem aquela receita.
Além disso, por ser um serviço que o cara paga R$ 22,90 por mês pra ter tudo que tá lá, o Netflix praticamente destrói as vendas em outras mídias e plataformas. Afinal, por que gastar R$40 num DVD se esse valor paga quase dois meses de assinatura do streaming, que tem o mesmo filme?
Por isso a aposta da Apple é a venda digital. É possível botar qualquer filme pra vender ou alugar por um custo relativamente baixo, sem precisar copiar e distribuir milhares de discos. Assim, o VOD ocupa o espaço que ainda é do DVD e do BD, mas com um custo e riscos infinitamente menores.
Aproveitando o hype iTunes já está pré-vendendo Rogue One por US$14.99, com grande destaque na loja
Só que as grandes distribuidoras ainda não perceberam isso. Com a pouca grana que eles têm pra marketing, ainda batem muito na tecla do produto físico, relegando o VOD a um segundo (ou terceiro) plano. No Brasil há algumas exceções, com um esforço de lançamento da versão digital semanas antes da física, mas normalmente os releases que recebemos aqui no JUDÃO nem sequer citam tal versão.
Junte isso com o fato de que a Apple precisa esperar pelo menos 90 dias depois da estreia do filme para começar a faturar, quando já passou o hype e tá todo mundo preocupado com o próximo lançamento dos cinemas, e você tem um cenário de subaproveitamento, com as vendas sendo menores do que poderiam ser. Frustrada e cansada, a distribuidora simplesmente repassa logo o conteúdo pra um Netflix da vida e ele morre nas outras plataformas.
Pensando pelo ponto de vista do consumidor, esse último cenário nem parece tão ruim assim. Mas é. Afinal, se quem faz o filme ganha menos dinheiro do que gostaria ou tem prejuízo, ele vai acabar fazendo menos filmes — ou investindo no que dá dinheiro, independente de qualidade. É preciso rolar um equilíbrio. Ninguém quer ver a indústria do cinema passando pela mesma crise que rolou a partir do finalzinho dos anos 1940, quando o modelo de negócio na época ruiu e jogou Hollywood em um período sombrio que durou até meados dos anos 1960 (mas que, na real, só foi se recuperar a partir da década seguinte).
Ninguém quer ver a indústria do cinema passando pela mesma crise que rolou a partir do finalzinho dos anos 1940, quando o modelo de negócio na época ruiu e jogou Hollywood em um período sombrio
Lançando no iTunes 15 dias após o cinema, o cenário é outro. O hype da franquia ainda tá lá em cima, as pessoas estão comentando e tudo mais. Quem não liga tanto pra experiência da tela grande ou não pode ir ao cinema (gente que tem criança pequena, família grande, pouca grana, whatever) pode topar pagar um aluguel mais caro pra assistir em casa, tranquilamente. Na visão dos seguidores de Steve Jobs, a galera concordaria pagar algo como US$ 25 a US$ 50 por esse tipo de aluguel.
Pra você ter uma ideia, um ingresso de cinema nos EUA custa por volta de US$ 15, enquanto um lançamento em VOD – 90 dias após a estreia – tá em US$ 19,90.
A Apple não tá nessa por achismo, claro, já que esse modelo vem sendo testado com filmes independentes. Tanto lá quanto em outras plataformas (como o NOW, da América Móvil, dona das operadoras NET e Claro TV) estão rolando alguns lançamentos simultâneos com o cinema, sem nem esperar as tais duas semanas e, de forma geral, uma mídia acaba ajudando a outra na divulgação, mesmo quando o preço do VOD está mais caro que o normal.
O que muda o cenário, quando comparamos os ARRASA-QUARTEIRÕES com os filmes menores, é que os estúdios possuem muito em jogo pra perder na pirataria. O iTunes tem uma boa criptografia, mas a preocupação dos executivos é que alguém simplesmente ligue a câmera na frente da TV e grave tudo pra depois jogar nos torrents da vida, algo ABSOLUTAMENTE inédito nessa indústria. ;D
Tem mais gente de olho nessa jogada, obviamente. Um deles é Sean Parker, que você talvez conheça como o criador do Naspter ou como o Justin Timberlake de A Rede Social. O projeto dele, sobre o qual comentamos em março, é lançar o Screening Room, um set-top box tipo o das operadoras de TV paga, por US$ 150 e, a partir daí, permitir alugar filmes que estão nos cinemas por US$ 50. Na época, foi dito que Steven Spielberg, Peter Jackson, J.J. Abrams, Brian Grazer e Ron Howard estavam apoiando a iniciativa – todos, CLARO, pensando na grana a mais que poderiam receber com essa mudança nas janelas.
Na ideia de Parker, os exibidores também receberiam uma fatia do bolo, amenizando um pouco as reclamações dessa galera, que ainda tem um peso muito grande na indústria e fatalmente se sentirá lesada ao perder a exclusividade dos lançamentos assim tão cedo. A Apple dificilmente deverá fazer algum acordo do tipo mas, por outro lado, tem uma vantagem pra convencer os estúdios: os longas poderão ser vistos em qualquer computador com iTunes ou ainda smartphones e tablets com o iOS, o que facilitaria a vida do usuário final e aumentaria as vendas. Claro, você pode comprar uma Apple TV, que custa US$ 150, mas ela não é obrigatória – como é o caso do Screening Room.
O fato é que quem não se reinventar será atropelado. Se Apple, Google e as distribuidoras de home video não entenderem isso, essas últimas se tornarão simples “repassadoras” de conteúdo para o Netflix (e, QUIÇÁ, Amazon) que, sem competição, poderá jogar os valores lá pra baixo. E se o plano de Cupertino der certo, a batata quente cairá nas mãos das redes exibidoras.
Não é à toa que o IMAX tá apostando numa série de TV da Marvel e o Cinemark dos EUA já disse que tá topando negociar algo que seja bom pros dois lados...