Se você ainda duvida, os números comprovam: diversidade dá certo | JUDAO.com.br

Com mais diversidade de protagonistas, enredos e motivações, o mercado de HQs dos EUA bateu um recorde de quase VINTE ANOS em Junho

Em Dezembro de 2015 dissemos aqui no JUDÃO: fazia muito muito tempo não se vendia tantas HQs no mercado dos EUA como naquele momento. Esse ano estamos longe de chamar o primeiro semestre de “fraco”, mas as vendas vinham caindo um pouco mês a mês quando comparados com os dados do ano passado. O mercado INTEIRO (incluindo gibis mensais e encadernados) foi 9% menor em Maio último, quando comparado com o mesmo mês de 2015. No geral, 2016 acumulava uma queda de 5% quando considerados os cinco primeiros meses. Os números, sempre, são do ComiChron.

Obviamente, surgiram os profetas do apocalipse. Não, não do vilão dos X-Men ou do monstrengo que matou o Superman, mas aqueles caras que aproveitam qualquer resultado negativo pra embasar suas opiniões – por mais INEQUIVOCAS que elas sejam. No caso, os tais profetas começaram a alardear que a queda estava acontecendo porque DC e, principalmente, a Marvel passaram a “privilegiar” os “justiceiros sociais” – e fazendo com que o leitor mais tradicional abandonasse o barco.

E aí vieram os resultados de Junho: o mês com as maiores vendas desde DEZEMBRO DE 1997. Ou, em outras palavras, o mês com mais vendas em quase VINTE ANOS.

Claro, esse crescimento todo tem inúmeras justificativas. E começa uns anos atrás.

A década de 2000 não foi particularmente boa para o mercado de HQs nos EUA. Marvel, DC, Image, Dark Horse e independentes começaram a sofrer em dobro pela inundação dos mangás no mercado norte-americano, além de problemas mais específicos, como cronologias intrincadas e personagens que pareciam não tocar os leitores mais novos – parecendo que ia condenar os “comics” a se tornar algo destinado a trintões.

As coisas começaram a mudar após a entrada da Marvel Studios na jogada dos cinemas, que ajudou a popularizar personagens que, antes, eram de nicho, como Homem de Ferro, Thor e Capitão América. Isso atraiu a atenção da Disney, que comprou a Casa das Ideias. Um movimento que fez com que a Warner não só apostasse mais nos heróis da DC no cinema, como também reorganizasse a editora. Nascia a DC Entertainment, que passou a pressionar a DC Comics a realmente dar lucro com suas próprias revistas e não mais ficar esperando o dinheiro do licenciamento cair do céu.

Isso tudo aí estimulou a DC a promover um grande reboot da cronologia, em 2011. Goste ou não do resultado, Os Novos 52 injetaram uma nova força no mercado de HQs, levaram mais gente para as comic shops e colocaram a editora no topo. Essa liderança da Distinta Concorrência obrigou a Marvel a inovar ainda mais, promovendo relançamentos quase que anuais da linha de gibis e introduzindo mais diversidade. No final, todo mundo passou a não só falar com os trintões de antes, mas também a prestar atenção na galera mais jovem, com outros perfis, gente que estava comprando mangás – ou comprando nada, mas que curtiu os filmes no cinema.

DC Universe Rebirth

É aí que chegamos em 2015. A Marvel provou uma capacidade maior de inovar de forma mais constante e continuou a crescer para além de uma eventual bolha, que falavam existir entre 2012 e 2013. Já a DC perdeu o bonde e a liderança, caindo cada vez mais no market share. Veio, então, o relançamento chamado DC You, que foi apostar em ideias novas e criativas para os personagens tradicionais da editora. Não deu certo e o market share deles caiu ainda mais.

Quando são vistos os números do começo de 2016, isso tudo fica bem claro. Não dá pra dizer que o mercado encolheu. Na verdade, a Marvel Comics continuou vendendo tão bem quanto, ou até melhor. Em abril deste ano, por exemplo, a Casa das Ideias vendeu quase que o dobro de unidades da Distinta Concorrência. É muita coisa.

O comparativo com o ano anterior também deixou de ser tão real assim. Maio, por exemplo, foi 9% pior que maio de 2015, sim, mas 43% melhor que maio de 2011 – e 18% acima dos resultados de maio de 2006. Ou seja: a estratégia dos últimos anos continua dando certo, por mais que tenha tido queda no meio do caminho.

Agora, o que explica o tombo da DC? Simples: ao reinventar seus principais heróis, a editora não agradou os leitores das antigas e também não conseguiu achar o tom certo para encantar os novatinhos. O Superman de calça jeans e com menos poderes era, por exemplo, até que interessante, mas não parecia ser o Superman. O Batman do Jim Gordon era legal e fazia sentido dentro da história que Scott Snyder queria contar, mas não era necessariamente o que um cara imagina ao pensar no Homem-Morcego. Hal Jordan sem a Tropa dos Lanternas Verdes e uma manopla? Interessante, mas cadê o herói que todo mundo conhecia?

A lição, desta vez, veio da Marvel. Na busca por maior diversidade (e aqui não é só de gênero e etnia, mas também em histórias e contextos), a editora teve uma sacada genial: não mais subtrair, mas sim somar. É legal ter o Sam Wilson, ex-Falcão, como o Capitão América? É, sim. Mas nada impede de ter Steve Rogers de volta, e foi o que eles fizeram. O mesmo aconteceu com o Homem-Aranha: temos Miles Morales e Peter Parker dentro do Universo Marvel mais famoso. Em breve, Thor Odinson terá um gibi próprio, dando oportunidade de escolha pra quem não quiser o gibi da Thor com a Jane Foster. O novo relaunch da editora, chamado mais uma vez de Marvel NOW!, terá também dois Homens de Ferro – um sendo a jovem Riri Williams, o outro ninguém menos que o INFAME Victor Von Doom.

Foi isso que inspirou o chamado Rebirth, o mais novo relançamento da editora. O Superman do reboot de 2011 – que não agradou tanto, apesar de terem chamado Grant Morrison pra criar todos os conceitos – morreu e colocaram Lex Luthor como um novo Superman, além de uma versão chinesa chamada Super-Man. Agora existem três Coringas diferentes, cada um ligado diretamente à uma versão famosa do vilão nas HQs. Jessica Cruz e Simon Baz, uma latina e um muçulmano, se tornaram Lanternas Verdes de destaque. E por aí vai.

Ao mesmo tempo, a DC acenou para os leitores mais tradicionais – que, vamos combinar, é o mesmo perfil dos donos das comic shops, por isso eles são importantes. O Superman pré-reboot, casado com a Lois Lane e com um filho, também voltou. Bruce Wayne voltou a ser o Batman, enquanto Diana Prince passou a usar um uniforme que lembra mais o visual clássico da Mulher-Maravilha – e, ainda assim, deixaram o passado dela mais “diverso”.

A DC e a Marvel deixaram de excluir. Seja o perfil mais conservador, seja aquele cara que tradicionalmente não lê gibis. Afinal, diversidade é sempre sobre SOMAR.

Titans: Rebirth

chegamos aos resultados de Junho, os do tal recorde. No mês houve um crescimento de 20% em relação a Junho do ano anterior, quando considerado TUDO (gibis mensais, encadernados, revistas...). Comparado com 2011, o resultado é de 60% a mais. 2006? OITENTA E TRÊS PORCENTO de aumento. Quando olhamos os 300 gibis mais vendidos, os números só perdem, na série histórica (que vem desde os anos 1990), pra Dezembro de 1997, quando Darkness #11, da Image, alcançou um pedido de 357 mil exemplares.

Civil War II #1 foi a revista mais vendida, com 381 mil exemplares – vendas turbinadas não só porque estamos falando de uma guerra entre heróis, algo que sempre vende, mas pelo fato da Marvel divulgar a saga como algo próximo do nosso dia a dia. Batman #1, parte do Rebirth, veio em seguida, com 280 mil. Batman: Rebirth, Star Wars: Han Solo e Civil War II #2 vieram na sequência.

Só que ao falar de diversidade, precisamos ir além da tradicional lista de 300 gibis mais vendidos. Se tem algo que deu certo de 2011 pra cá foram os títulos mais de nicho, inúmeras revistas com público bem específico que sozinhas vendem pouco, mas que juntas trazem uma galera para essa brincadeira de HQs. Tanto é que quando você compara o top 300 de junho de 2016 contra o de Junho de 2015, o crescimento é de “apenas” 14%, contra os 20% do global.

Quando falamos de diversidade, a regra é NUNCA olhar só lá pra cima, mas sim para todo o cenário.

Resta saber, agora, como será o resto de 2016. Por mais que tenha recuperado terreno, a DC conseguiu “apenas” 31% das unidades vendidas, contra 44% da Marvel. Com o Rebirth crescendo em número de títulos e na atenção das pessoas, é possível imaginar que os números fiquem mais equilibrados nos próximos meses – por mais que a Casa das Ideias esteja chutando bundas com a sua segunda Guerra Civil e eles tenham Star Wars para dar uma bela força. É provável também que, até o final do ano, o mercado de HQs dos EUA saia do vermelho – até o momento, nos seis primeiros meses, a queda está em 1%.

Botando tudo isso no MIX, dá pra dizer que 2016 tem tudo pra ser ainda mais mágico que 2015. No último ano, de acordo com dados do Comichron e do ICv2, o mercado geral de HQs dos EUA movimentou nada menos que US$ 1,03 bilhão, um crescimento de 10% em relação à 2014. O ano foi o segundo melhor da HISTÓRIA, perdendo só para 1993, quando movimentaram US$ 1,4 bilhão (já com a inflação). Sem essa “ajudinha”, 93 (que viu O Retorno do Superman, por exemplo) ficou em US$ 850 milhões.

Esse número do ano passado leva em consideração não só o mercado de comic shops (que movimentou US$ 570 milhões, considerando gibis e graphic novels), livrarias (US$ 350 milhões, crescimento de 23%), bancas (US$ 20 milhões) e o digital (US$ 90 milhões). Aliás, a parte do digital é que trouxe o único resultado negativo, uma queda de 10%. Porém, há diversas explicações pra isso, inclusive a queda nas vendas de tablets e o fato de não ser possível mais comprar diretamente pelo app do ComiXology.

O mercado de HQs continua vendendo pra CARALHO. As editoras estão aprendendo umas com as outras e com o próprio mercado – além de uma ajudinha do cinema. Quando alguém mandar pra você dizendo que tá tudo na merda, ou que o que tá segurando a brincadeira é “apenas” a Guerra Civil II, ria.

Afinal, é o que DC e Marvel estão fazendo neste exato momento: rindo à toa. ;)