Tá bom que “pode ser” ainda é muito distante de “vai ter”. Já é um começo. Mas ficam no ar algumas questões…
Pois é, tradicional família marvete. Ficaí em pânico que é verdade. Ou, pelo menos, pode ser. Porque, segundo os irmãos Russo, diretores de Capitão América: Guerra Civil e dos próximos dois Vingadores, o universo cinematográfico da Marvel estaria “muito próximo” de ter um personagem LGBT. ;)
“Eu acho que as chances são bem fortes”, diz Joe Russo, em entrevista ao Collider. “Quero dizer, é nosso dever como contadores de histórias que fazem filmes para as massas que eles sejam os mais diversos possíveis. É triste que Hollywood esteja tão pra trás em comparação com outras indústrias, em especial porque tem tanta visibilidade e você sempre pensa que ela é bem progressista. Acho que é importante que, em todas as frentes, continuemos forçando a diversificação porque, desta forma, o trabalho de contar histórias se torna mais interessante, mais rico, mais verdadeiro”.
Russo continua, afirmando que esta é uma filosofia da Marvel – conforme eles vão sendo mais bem-sucedidos, vai ficando mais fácil correr riscos. “Tem um monte de ideias não-convencionais em Guerra Civil, pensando nas expectativas que as pessoas usualmente têm ao ver um filme de super-heróis, mas eu acho que conseguimos fazê-las porque o Soldado Invernal funcionou e a Marvel como um todo está funcionando”, explica. “Então, tem um monte de coragem no sentido das coisas que você pode tentar e onde pode seguir. Então, eu acho que estamos bastante esperançosos de que todos possamos seguir em frente fazendo escolhas cada vez mais corajosas”.
Olha só, vamos ser honestos aqui: depois da coisa toda do Ancião e da “justificativa” da Marvel para a escolha da Tilda Swinton (“ai, esta versão do personagem é celta, gente”), confesso que não dá muito pra engolir este papo de “conforme mais bem-sucedidos, mais fácil correr riscos”. Na teoria, funciona. Na prática, são outros quinhentos.
Se deixaram o Ancião tibetano de lado por medo do que isso poderia representar em termos de grana na bilheteria chinesa, o que dirá então de um personagem gay – lembremos da forma que os homossexuais são tratados não apenas na China, mas em regiões como a Rússia, por exemplo. Se colocarmos a lógica comercial acima de tudo, onde diabos entra mesmo a coisa do “correr riscos”? Acho que todos concordamos que ela acaba indo pra dentro da gaveta, não é mesmo?
E, sinceramente, gente... Até hoje não tivemos um filme protagonizado por uma mulher (o que só deve acontecer em 2019, já desconsiderando Ant-Man & Wasp). Chamar o simples fato de ter um personagem gay numa história de “risco” dói. É verdade, comercialmente falando... Mas dói.
Veja, nas séries de TV da Marvel, temos alguns exemplos interessantes, como a Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss) de Jessica Jones ou, mais recentemente, o Joey Gutierrez (Juan Pablo Raba) de Agents of SHIELD. E, mesmo aqui, estamos falando essencialmente de coadjuvantes, ainda que a Jeri tenha um papel importante na série e seu relacionamento seja retratado de forma inteligente e pouco óbvia. Mas, de qualquer jeito, isso está restrito ao universo de espectadores do Netflix. Um “universo controlado”, podemos dizer assim. Agora, imagina só o quão “corajosa” a Marvel teria que ser ao colocar um personagem LGBT em uma produção multimilionária e cujo objetivo final é render alguns bilhões de cifras?
E aí é que ficam algumas questões no ar. A primeira delas é: qual seria o tamanho deste personagem (ou, na melhor das hipóteses, “destes personagens”)? Apenas e tão somente um coadjuvante ou alguém com real importância para a história? Estamos falando de um personagem novo, um pai, filho, irmão, dono da lojinha da esquina, ou quem sabe alguma versão de um personagem gay que já existe no CÂNONE da Marvel nos quadrinhos, como o Estrela Polar?
Ou, e esta é a pergunta de 1 milhão de dólares, assim como vem sendo feito na escalação de atores com etnias diferentes em papéis notoriamente reservados a personagens brancos, simplesmente mudar a orientação sexual de um personagem e tudo bem? O Tocha Humana era branco nos gibis, virou negro nos cinemas e dane-se. Isso não muda em nada o CERNE do personagem. Vamos seguir a mesma lógica? Poderíamos definir, por exemplo, que o James “Máquina de Combate” Rhodes é gay? Ou talvez o Bucky, nosso querido Soldado Invernal? Ou, indo mais além, o próprio Doutor Estranho, o protagonista de seu filme? Por que não? O que impediria? NADA.
O mundo aqui fora já é imenso e diverso. Pois estamos falando de um universo cinematográfico prestes a desembocar em dois filmes gigantescos e para os quais os Russo estão analisando cerca de 67 personagens diferentes para serem efetivamente utilizados na trama de alguma forma. SESSENTA E SETE FUCKING PERSONAGENS. Impossível imaginar que dentro deste grupo tão grande não tenhamos negros, asiáticos, latinos, gays. Que esta tal de representatividade sirva para mandar uma mensagem, justamente via uma das franquias de filmes atualmente mais assistidas do planeta.
E uma mensagem que é bastante necessária, eu diria, se levarmos em consideração os comentários que esta mesma notícia, dos Russo comentando sobre um personagem LGBT, ganhou logo abaixo dos textos de sites especializados em todo o mundo. “Não é que eu seja preconceituoso. Mas que esta viadagem toda já tá enchendo o saco, sabe?”. Exemplo real. Um de muitos.
Claro que é legal pra caralho os Russo levantarem esta discussão – assim como é legal pra caralho termos a Vespa estrelando um filme em posição de protagonista com o Homem-Formiga, de igual pra igual, assim como é legal termos o Pantera Negra, assim como é legal a Capitã Marvel. Mas, no fim das contas, tudo é uma questão de execução. Não basta ter um personagem LGBT. Resta saber a execução disso no roteiro. Como ele será retratado na história, que peso vai ter. E só então veremos que tipo de “risco” (OUCH.) que a Marvel está mesmo disposta a correr.