Passado mais de um ano do seu lançamento, o serviço de streaming comandado por Jay-Z e um monte de músicos engajados contra o Spotify ainda não mostrou a que veio. E, se bobear, pode ser comprado pela Apple.
Em março de 2015, quando o rapper Jay-Z lançou o serviço de streaming musical batizado de Tidal, o fez com toda a pompa e circunstância. Numa coletiva de imprensa, colocou lado a lado nomes como Coldplay, Rihanna, Kanye West, Daft Punk, Alicia Keys, Calvin Harris, Jack White, Madonna, Usher, Nicki Minaj, Arcade Fire, Deadmau5 e a patroa Beyoncé para dizer “basta!”. Os artistas não estavam satisfeitos com o modelo de remuneração das plataformas de streaming e os valores considerados ínfimos recebidos por execução de cada faixa. E resolveram revidar – no que a gente, aqui no JUDÃO, chamou até de “cruzado de esquerda” na briga pelo novo mercado de música digital.
Pois é. Porém, 16 meses depois do lançamento da iniciativa, o tão prometido revide comandado pelo manda-chuva do rap americano soa muito mais como uma BRAVATA vazia, talvez um singelo peteleco no traseiro de um elefante. “Você vai curtir a música do jeito que os artistas queriam que ela fosse curtida”, era a promessa, com som de “alta fidelidade”, podendo chegar até “impressionantes” 1411 Kbps. Mas o que aconteceu? Atualmente, o Tidal celebra a marca de 4,2 milhões de inscritos, considerando que o serviço funciona apenas com o módulo pago. Comparemos isso com os mais de 30 milhões de usuários pagantes do Spotify — isso sem levar em conta os 70 milhões de ouvintes que ainda preferem ficar só no gratuito mesmo — ou mesmo com os mais de 15 milhões de usuários do Apple Music.
A conta, definitivamente, não fecha para o Big Z, que em 2015 comprou o Tidal da empresa sueca Aspiro por algo em torno de US$ 56 milhões. E justamente por isso faz sentido a notícia, apurada pelo Wall Street Journal, de que a Apple estaria em negociações para comprar o Tidal. Isso depois de, no final do ano passado, também ter sentado para bater um papo “preliminar” a respeito com a galera Rhapsody, que hoje atende pelo outrora nada popular nome de Napster. Isso sim seria a ironia suprema, preciso dizer. Duvido que Lars Ulrich, nem em seus piores pesadelos, pudesse imaginar uma manchete como “Napster anuncia compra de serviço de música comandado pelos maiores artistas do mercado fonográfico”. Certeza que ele acordaria gritando.
Mas que interesse a Apple ou mesmo o Napster poderiam ter no Tidal? Simples. Além do ótimo relacionamento com alguns dos artistas mais hypados do mercado (vale lembrar que Lemonade da Beyoncé, ANTI da Rihanna e The Life of Pablo do Kanye West foram lançados antes, com exclusividade, no Tidal, demorando um bom tempo para dar as caras no Spotify e no Deezer, por exemplo), estamos falando de um catálogo de mais de 40 milhões de músicas. É o único lugar no qual dá pra ouvir o catálogo completo de músicas do Prince, por exemplo, que tinha bronca destes serviços por streaming mas era amigo do Jay-Z. O mesmo vale para o acesso às canções da princesinha da música pop americana, Taylor Swift.
“Artist-friendly” é o atributo que pode tornar o Tidal valioso numa negociação. Artistas estão mais dispostos a negociar com artistas. E para os serviços de streaming, quanto mais artistas, mais músicas. E quanto mais músicas, mais gente e mais dinheiro. A matemática é bem simples.
Obviamente que a equação pode se tornar um pouquinho mais complexa pela questão da liberdade que o Tidal dá aos artistas, bem diferente do que rola nos outros serviços — eles têm o poder de mexer/modificar sua música mesmo depois do lançamento, por exemplo. A Apple vem, no entanto, trabalhando duro para mexer suas peças nos corredores das gravadoras, oferecendo até auxílio de marketing para músicos e bandas, como colocar uma grana na gravação de videoclipes em troca da garantia de um período de exclusividade no Apple Music.
Jay-Z é um puta músico. Mas, mais do que isso, é um homem de negócios inteligente que percebeu que, bom, a água bateu na bunda. E aí ele vai ter que tomar uma atitude. Agir como um cantor e representante da classe artística, subir no caixote e manter o discurso ou se deixar tomar pelo lado empresário e evitar que o barco afunde? Apesar de representantes do Tidal negarem VEEMENTEMENTE que a empresa esteja fazendo qualquer tipo de negociação com a Apple, creio que a gente já sacou quem vai ser obrigado a falar mais alto.
Entendo (e concordo) que os artistas tenham que ser dignamente remunerados por seu trabalho. Mas é importante que estes grandes medalhões também entendam, como as bandas de garagem e artistas indie já sacaram faz tempo, que o comportamento de consumo de música mudou. O lance de “comprar o CD” não virou automaticamente “comprar a assinatura”. O papo agora é outro. A gente vive falando que o mercado vai ter que se adaptar a isso, encontrar soluções mistas, mais criativas. O lance é que não apenas os executivos engravatados, mas também os próprios artistas, terão que se adaptar a isso.
Jay-Z queria fazer um barulhão com seu Tidal. Ao invés de um berro pra todo mundo ouvir, conseguiu no máximo soltar um peidinho. É bom que ele corra para fazer algo com isso antes que se cague por completo.
E tome Z fazendo uma ligação para outro milionário do hip hop, Dr.Dre, para talvez conseguir uma ponte com a Apple. Vale lembrar que a base para a Apple Music foi a aquisição da marca Beats, de propriedade do Dre. Aliás, cabe um parênteses aqui: um acordo entre o serviço de música da Apple e o Tidal colocaria, lado a lado, dois dos maiores nomes do rap nos EUA. Costa Leste e Costa Oeste, eternamente rivais, trabalhando juntas.
2Pac e Biggie ficariam orgulhosos.