O diretor de Jurassic World levantou a discussão sobre as chances das mulheres em Hollywood… mas infelizmente pelo lado errado.
Tudo começou numa matéria do jornal Los Angeles Times a respeito de um movimento crescente em Hollywood nos últimos anos: a contratação de diretores relativamente desconhecidos, com um histórico de um ou dois pequenos filmes independentes, para cuidar de gigantescos blockbusters com orçamentos milionários.
O texto menciona Marc Webb (catapultado de 500 Dias com Ela para O Espetacular Homem-Aranha), Jon Watts (de Cop Car para o novo Homem-Aranha da Sony/Marvel) e, claro, Josh Trank (de Poder Sem Limites para o fracassado Quarteto Fantástico de 2015).
Um dos principais focos da matéria foi Colin Trevorrow – que, depois de alguns curtas e do pequeno Sem Segurança Nenhuma, foi convocado por Steven Spielberg para a cadeira de diretor de Jurassic World, fez um dinheiro absurdo (a maior bilheteria de estreia da história do cinema nos EUA, aliás) e já está até confirmado como diretor do Episódio IX de Star Wars. Uma verdadeira história de Cinderella no mundo da cultura pop, não é mesmo?
Então... aí, inspirado no conteúdo da matéria do LA Times, um seguidor de Trevorrow perguntou para o cineasta, no Twitter: “você acredita que, se fosse uma mulher, teria tido a mesma chance de dirigir Jurassic World?”. E eis que, na resposta, o sujeito se embanana um bocado, levando a discussão para um lado que não faz lá muito sentido...
“Eu sou empregado de duas empresas controladas por mulheres brilhantes”, disse, talvez se referindo à Kathleen Kennedy, presidente da Lucasfilm, e à Donna Langley, chairman da Universal Pictures. O grande ponto da fala de Trevorrow, no entanto, é quando ele diz que “muitas das melhores diretoras do mercado não estão interessadas em fazer estes filmes mais comerciais. Elas têm visões artísticas muito claras e não estão muito no barato de fazer filmes com super-heróis, espaçonaves ou dinossauros”.
É basicamente uma evolução do que ele já tinha comentado para o LA Times, pouco antes: “Acho que isso faz parecer que elas são vítimas, que não estão recebendo as oportunidades – e não artistas que claramente sabem o tipo de histórias que querem contar e que tipo de filmes querem fazer. Isso é a realidade para mim”.
Opa opa epa upa, amigão. Calma aí. Pisa no freio que a parada não é bem esta.
Isso pode ser verdade, por exemplo, para Ava DuVernay, de Selma, que conversou com a Marvel para dirigir o filme do Pantera Negra e não chegou a um acordo justamente por causa da questão do controle criativo. Mas, vejam só, ela é uma diretora de filme indicado ao Oscar, gente. E isso é um baita trunfo para quem quer negociar qualquer coisa nos corredores de Hollywood. Ela é uma exceção, assim como são Kathryn Bigelow e Angelina Jolie.
Vamos comparar, então, laranjas com laranjas. Pensemos numa diretora independente que esteja na mesma situação que estavam Trevorrow, Webb e Trank antes de serem convidados pelos grandes estúdios. Alguém, por acaso, ouviu Jennifer Kent, do hypado terror indie The Babadook, entrar na lista de diretores considerados para o próximo grande blockbuster da vez? Ou Maya Forbes, do lindo Sentimentos Que Curam, com Mark Ruffalo? E que tal a Marielle Heller, de The Diary of a Teenage Girl, cujo ex-marido entrou com pedido de pensão apostando no fato de ela ter se tornado milionária só porque conseguiu estrear um filme?
Elas são apenas três exemplos. De muitos que a gente poderia citar por aqui.
Claro que Trevorrow mereceu a sua chance, ele ralou bastante para chegar lá. Mas o ponto é que outras pessoas tão talentosas quanto não estejam sequer sendo lembradas apenas por serem de um sexo diferente. Óbvio, pode ter acontecido às escuras e a coisa toda não ter vazado para a imprensa. Mas estamos falando de uma indústria na qual dentre os 100 filmes de maior faturamento em 2014, apenas DOIS foram dirigidos por mulheres. As probabilidades são BEEEEEEM menores, Trevorrow precisaria admitir. E, em determinado momento, admitiu.
A ficha de que ele tinha falado uma bobagem começou a cair quando a atriz Jaime King, uma fanática por Star Wars – casada, inclusive, com Kyle Newman, diretor do nerdíssimo Fanboys – também recorreu ao Twitter para dizer que, por se tratar do responsável pelo próximo filme Jedi, ela ficava desapontada por ver que ele pensava desta forma. “Acredito que exista um desequilíbrio na indústria que precisa mudar – e vai. Se não deixei este ponto muito claro, peço desculpas”, respondeu ele.
Não demoraria até que o diretor enviasse uma mensagem para o /Film, tentando esclarecer o que quis dizer. “Eu jamais quis dar a impressão de não sei que este problema existe. Ele é óbvio. E enquanto me sinto desconfortável por ser tratado como um exemplo de tudo que está errado, este é um importante diálogo a se ter”.
Ele afirma não ter ideia se teria sido escolhido para dirigir Jurassic World se fosse uma mulher. Mas gosta de pensar que foi selecionado pelo tipo de história que contou antes. “Mas, é claro, não é tão simples assim. Existem séculos de preconceitos que funcionam em diferentes níveis dentro de cada um de nós. E sim, me faz sentir um merdinha por ser percebido como parte do problema, porque é algo que me importa pra caramba. Eu nem estaria falando sobre isso se não me importasse. Algum dia, eu darei a uma cineasta a mesma chance que Steven Spielberg me deu? Esperamos que, quando eu fizer, não seja algo digno de nota. Seja apenas natural”.
E, bom, talvez ESTA devesse que ter sido a resposta inicial ao camarada do Twitter, não? :)
Pra completar, ele conta que, depois que as críticas surgiram nas redes sociais, voltou para a sua casa em Nova York. E encontrou a filhinha, de 3 anos de idade. “Eu pensei muito sobre como é importante empoderá-la desde já. Encorajá-la a sair e fazer o que quiser na vida, para começar. (…) Tudo que eu posso fazer é criar esta garota com este tipo de coragem, para que ela escolha o próprio caminho. Esta é a minha contribuição. O resto é com ela”.
Sim, sim, Sr. Trevorrow. Agora estamos conversando. Mas sabe qual é uma boa outra contribuição? Entender que, sim, o fato de você ser homem e branco, o torna parte do problema. Não porque você quer, mas sim porque o universo fez com que fosse. E, aí, cabe a você ajudar a mudar, e não reclamar de quem quer mudanças. :)