Kevin Feige estaria começando a nova fase do estúdio ao acabar com o Comitê Criativo da Marvel
Não demorou muito para surgir o rumor daquela que seria a primeira grande decisão de Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, sob o comando de Alan Horn, o chairman da Walt Disney Studios: o encerramento do Comitê Criativo da Marvel. Informações sobre mudanças no tal comitê surgiram primeiro pelo El Mayimbe, do Heroic Hollywood, via Periscope, e depois o fim do comitê (ao menos em sua atual encarnação) foi informado pelo Devin Faraci, do Birth. Movies. Death. – ambos jornalistas com muitos contatos no estúdio.
De acordo com o Hollywood Reporter, a notícia do fim do Comitê Criativo foi um pouco exagerada. O grupo vai sim continuar, mas com pouca (ou quase nenhuma) influência nas decisões da Marvel Studios. Porém, o time de executivos irá ainda supervisionar as produções para a televisão (que ainda estão sob o guarda-chuva de Ike Perlmutter, CEO da Marvel Entertainment), além de garantir continuidade e colaboração entre as divisões de cinema, TV, quadrinhos e produtos.
Além disso, o site garante que a gota d´água pra relação entre Feige, Ike e o comitê terem azedado de vez foi o orçamento de Capitão América: Guerra Civil, um filme com um elenco enorme (e um investimento do mesmo tamanho). A ideia do pessoal de Nova York era reduzir esses custos, enquanto a galera do estúdio não queria.
Mas... O que isso tudo quer dizer?
Pra começar, é bom relembrar que o comitê remonta ao início da Casa das Ideias como estúdio de cinema. O que se diz é que ele começou durante a produção do primeiro Homem de Ferro, quando foi reunido um time para servir de consultoria para o diretor Jon Favreau. Integraram, além do próprio Feige, Louis D’Eposito (co-presidente da Marvel Studios), Dan Buckley (Publisher da Marvel Comics), Joe Quesada (CCO da Marvel e ex-editor-chefe da editora), Brian Michael Bendis (roteirista) e Alan Fine (presidente da Marvel Entertainment), sendo que esse último funcionava como o líder.
Teoricamente, o grupo serviria para dar sugestões, ideias e observações nos filmes – afinal, vamos combinar, o cinema era algo muito caro para que Ike deixasse alguém tomar decisões totalmente sozinho. Uma das primeiras iniciativas do comitê é, hoje, histórica: trazer Samuel L. Jackson para participar da cena pós-créditos do primeiro filme do estúdio, encarnando pela primeira vez o Nick Fury e citando a “Iniciativa Vingadores”. Tanto é que foi o próprio Bendis – e não os roteiristas de Homem de Ferro – quem escreveu aquela cena, meio que na pressa, após a confirmação de que ela rolaria.
Pelo comitê, surgiram então as bases do Universo Marvel Cinematográfico, alinhando quais filmes seriam feitos, como se interligariam, o que aconteceria depois, enfim. Não à toa, as cenas pós-créditos se tornaram comuns, muitas vezes interligando os enredos.
A presença mais próxima de gente da editora também teve outras vantagens. Por um lado, ajudou a garantir que os filmes, mesmo com histórias diferentes, fossem fieis ao espírito dos personagens originais, algo que nem sempre acontece em adaptações de outros estúdios. Além disso, a Marvel Comics aproveitou para estar integrada ao que saia na tela grande, seja com especiais que completavam ou antecipavam os filmes, ou ainda canalizando as boas ideias do pessoal de cinema pros gibis.
De certa forma, a Marvel Studios deve muito do que é hoje ao Comitê Criativo, que foi personagem de várias matérias na imprensa sobre o crescimento vertiginoso da empresa. Sem falar que também serviu de inspiração para a Fox (que contratou Mark Millar como consultor) e até para a Warner (que tem em Zack Snyder um “comitê criativo”, opinando e ditando o que vai rolar nos outros longas com heróis da DC).
Só que, sabe como é, a grama é sempre mais verde quando você olha de fora.
Nos bastidores sempre surgiram algumas histórias aqui e outras ali sobre interferências feitas pelo comitê – algumas vezes sem citá-lo diretamente, mas sim como sendo “decisões da Marvel”. Faraci, por exemplo, lembra que escutou em diversas oportunidades que os integrantes desse time acabavam deixando os filmes mais simplistas e podando a criatividade. Ou ainda se pegando em detalhes menores, sem dar a atenção devida para todo o enredo.
Uma das vítimas do comitê, inclusive, teria sido Edgar Wright, o diretor de Homem-Formiga que acabou sendo trocado depois de anos e anos liderando o projeto. Se você se lembrar bem, Wright queria (entre outras coisas) manter o seu filme mais distante do resto do Universo Marvel, algo que acabou sendo completamente mudado com a chegada do diretor Peyton Reed – e que casa com as próprias decisões do Comitê Criativo.
Essa era uma frustração compartilhada por todos no estúdio. Tanto é que Joss Whedon, o diretor dos dois primeiros filmes dos Vingadores, foi à público justamente demonstrar apoio pro Wright. “Eu não sei onde as coisas deram errado. Mas eu fiquei muito triste”, disse Whedon ao BuzzFeed tempos depois – além, claro, de ter postado aquela foto dele segurando um Cornetto, em referência (e homenagem) à trilogia Cornetto do amigo.
De certa forma, era de se esperar que Feige fosse aproveitar o fim da influência de Ike para tirar aquelas pessoas de confiança do antigo chefe e que, de alguma forma, o atrapalhavam. O fim do Comitê Criativo é parte disso – mas há sempre o lado ruim da história, também.
Feige terá que, agora, decidir tudo sozinho ao lado de D’Eposito e da VP executiva Victoria Alonso. Os outros não estarão lá pra barrar boas ideias ou fazer imposições, mas eles também não estarão lá para dar boas ideias. Será que se esses três tivessem escolhido todos os rumos desde o começo, a Marvel Studios teria construído tudo o que construiu? É para se pensar.
Ou, por outro lado, poderia ter acontecido tudo da mesma forma, sem tirar, nem por. Voltando ao caso de Edgar Wright: Peyton Reed é um homem de confiança de Wright e, pelos mesmos ou outros motivos, poderia ter acabado em Homem-Formiga. “Eles estava envolvido com Quarteto Fantástico há dez anos”, comentou o próprio Feige em entrevista ao IGN, lembrando que ele próprio foi produtor executivo do filme da Fox. “Nós passamos muito tempo juntos... E me dei muito, muito bem com Peyton e tivemos incríveis ideias e uma incrível visão para o filme, e por várias razões, ele acabou saindo daquela produção...”. Ele ainda completou: “esse é o cara certo para levar o projeto em frente”.
Mas, falando do futuro, já dá pra apostar em várias mudanças. Ike, como já falamos, não era muito fã da ideia de filmes de super-heroínas e a queda do velho comitê deve ser o fim do último impeditivo pra isso. Até agora, o primeiro longa estrelado por uma heroína feito pelo estúdio sai em novembro de 2018 e será o da Capitã Marvel. Se outras personagens vão ter o mesmo destaque na Fase 4, bom, agora parece que depende apenas de Feige.
O próprio Birth. Movie. Death. acredita que a falta de brinquedos da Viúva Negra acontece justamente porque Ike acredita que esse tipo de produto para o público feminino não vende bem. Vamos lembrar que ele veio desse mercado, já que era dono da ToyBiz ao lado do Arad.
A partir de agora, Kevin Feige e a Marvel Studios possuem menos amarras. Não que Alan Horn vá dar liberdade total pros caras, acredite. Não devemos ver, por exemplo, uma adaptação mais literal do arco Demônio na Garrafa para os cinemas, com Tony Stark enfiando a cara na cachaça. Isso ainda é parte da Disney e a própria pegada da Marvel Studios é ser mais direcionada pra toda a família. Só que Feige terá mais a chance de ser um presidente de fato, e não alguém que também tem que fazer parte de um comitê pra tomar decisões.
Ainda assim, o impacto disso tudo deve demorar. O filme do Doutor Estranho já está em pré-produção com os pitacos alheios. Será Guardiões da Galáxia Vol.2 que terá a primazia do primeiro voo solo.
É uma responsabilidade das grandes. Talvez por isso seria o caso de Feige criar uma nova versão desse mesmo Comitê Criativo, quem sabe sob o nome de Conselho Consultivo Criativo, com pessoas de confiança, inclusive dos quadrinhos — p que pode acabar acontecendo agora, com essa nova versão do time informada pelo THR. Não é porque a versão original trouxe diversas frustrações que dê pra dizer que esta é, no final das contas, uma má ideia.
Os US$ 8,9 bilhões de bilheteria conquistados até agora tão aí pra não me deixar mentir.