SeaWorld anuncia o fim dos shows com Orcas | JUDAO.com.br

Anúncio veio junto com o do fim do programa de reprodução em cativeiro, o que significa que as atuais fazem parte de última geração de Orcas dos parques

Orlando, 24 de Fevereiro de 2010. Logo depois de um show em que pessoas almoçam vendo uma Orca fazendo alguns malabarismos, Tilikum puxa sua treinadora, a experiente Dawn Brancheau pra baixo d’água e a mata. Inicialmente, o SeaWorld disse que a moça tinha escorregado e caído dentro do tanque. Depois, que Tili — um macho de 27 anos com histórico de mortes — havia pegado seu RABO DE CAVALO e a puxado pra baixo.

Em qualquer uma das versões, a culpa era de Dawn Brancheau. Mesmo que não existam relatos de ataques de Orcas a humanos na natureza.

“Eu me lembro de fragmentos: algo sobre rabo de cavalo, algo sobre ela escorregar e cair, algo sobre isso quase nunca acontecer porque, nesses parques, os animais são felizes e seus treinadores estão seguros”, afirma Gabriela Cowperthwaite no site oficial do documentário Blackfish, que ela dirigiu e produziu. “Mas algo não estava certo. Por que um animal tão inteligente atacaria sua treinadora — em outras palavras, morderia a mão que o alimenta? Resolvi entender esse incidente não como uma ativista, mas como uma mãe (que tinha acabado de levar seus filhos ao SeaWorld) e como uma documentarista (que não pode deixar esses assuntos pra lá)”.

Gabriela montou sua equipe — incluindo Tim Zimmermann, autor deste artigo da revista Outside, que a inspirou a contar essa história — mas, no fim das contas, não sabia exatamente qual história contaria. “Foi aí que começou minha jornada de descoberta e choque”, conta. “Por dois anos nós fomos bombardeados com fatos terríveis, relatórios de autópsias, entrevistados chorando e animais infelizes — um lugar diametralmente oposto à sua tão cuidadosa e refinada imagem. Mas enquanto eu seguia, eu sabia que nós tínhamos a chance de arrumar algumas das coisas que descobrimos no meio do caminho. E tudo o que eu precisava dizer era a verdade.”

Blackfish teve sua primeira exibição no Festival de Sundance de 2013, chegando a 99 salas de cinema dos EUA em Julho daquele ano e, depois, sendo lançado em Blu-ray e DVD e exibido na CNN e na BBC. Em Dezembro, o SeaWorld mostrou uma queda de 5% nas visitas e, um ano depois, uma outra de 17%. Em Julho de 2014 uma parceria de 26 anos com a Southwest Airlines foi encerrada. Em Dezembro as ações do SeaWorld já tinham perdido 51% do valor e uma lei, em Novembro de 2015, foi proposta para o fim da reprodução e manutenção de orcas em cativeiro — além de os lucros terem despencado 84% de 2014 até então.

E ainda dizem que cultura pop não tem nada a ver com política... ;)

Inicialmente, é óbvio, o SeaWorld tentou desacreditar o filme, através de notas oficiais e um site que tentava provar que Blackfish era propaganda, e não um documentário — exatamente como gamergaters e outros conservadores tipo fãs de uma ou outra editora de quadrinhos acreditam na tal da imparcialidade jornalística ou de crítica, que não só não existe como nem sequer deveria existir.

Aliás, sabe como a NFL lidou com o TCE? Não existe coincidência no fato de grandes corporações quererem negar algo que mostra o quanto seu RAMO DE ATUAÇÃO faz mal a outros.

O documentário, por exemplo, tem uma frase que chama atenção: bem no fim, um dos entrevistados afirma que são falsas as alegações de que um animal criado em cativeiro pode ter problemas mentais. Sabe quem é um animal? Eu e você. No trailer do filme ali em cima você viu alguém dizendo “vai lá viver sua vida toda numa banheira sem enlouquecer”, mas talvez faça mais sentido assistir a O Quarto de Jack, o filme que deu o Oscar de melhor atriz à Brie Larson em 2016.

De qualquer maneira, JUST IN CASE, logo depois do incidente o SeaWorld mudou os shows com as Orcas, acabando com a interação direta dos treinadores com os bichos e, no fim do ano passado, anunciou o fim dos shows TEATRAIS com os animais, ainda que não tenham dito o que fariam.

Então, nessa quinta (17) o SeaWorld anunciou o fim IMEDIATO do programa de reprodução das Orcas, transformando a atual geração de 23 animais nos seus parques dos EUA (sendo que uma está grávida e outra muito próxima da morte — justamente a Tilikum, que tem cerca de 35 anos e foi capturada na costa da Islândia em 1983) na última de sua história.

Embora organizações como o Peta tenham elogiado a decisão e exigido que os atuais animais sejam soltos pra “saber um pouco do que é ter uma vida”, o parque alega (com razão) que a adaptação seria extremamente complicada, mesmo pros animais que, como o Tilikum, nasceram no oceano. ASSIM SENDO, a partir do ano que vem, o SeaWorld vai introduzir “novos, inspiradores e naturais encontros ao invés dos shows teatrais como parte do nosso comprometimento com educação, pesquisa científica marinha e o resgate de animais”, de acordo com o comunicado oficial. “Esses programas vão focar no enriquecimento, exercício e saúde das Orcas e os tanques e demais áreas serão redesenhados pra ficar mais parecidos com a natureza”. Tudo começando em San Diego no ano que vem, San Antonio na sequência e Orlando em 2019.

O comunicado ainda ALERTA que uma das grandes reclamações dos ativistas, os horários marcados e uma plateia, continuarão. Mas o simples fato de não rolar mais MALABARISMOS e quaisquer coisas do tipo...

O ~show das Orcas no SeaWorld a partir de 2017

Uma ideia do ‘show’ das Orcas no SeaWorld a partir de 2017

Eu já estive no SeaWorld de Orlando e San Diego, antes e depois do incidente. Nas primeiras vezes, em 1997 e 1998, eu era um adolescente me divertindo com aquele bicho gigante fazendo malabarismos, jogando os treinadores pra cima e pra baixo. Em 2011 assisti ao show sem a interação direta com humanos e me pareceu fazer mais sentido. Em 2012 acabei vendo também o show dos golfinhos e, em CONTRASTE com o da “Shamu”, em que os treinadores eram carregados no bico dos animais, entre outras coisas, passei a questionar seriamente a necessidade disso tudo.

Blackfish veio só pra ser aquele soco direto no estômago que, além de doer, faz você querer devolver tudo o que já comeu em toda a sua vida. “Eu aplaudo o público por recalibrar como eles se sentem eticamente sobre Orcas em cativeiro”, disse Gabriela Cowperthwaite à AP. “Eu não imaginava necessariamente que o documentário iria causar tantas mudanças. Eu meio que só fui contando a história”.

Falei um pouco sobre isso, quando comentei a ideia do Peta de alterar o final do Dumbo de Tim Burton, em que ele e a mamãe ficam felizes em estar num trailer passeando com um circo. Há tantos tipos de diversão, por que catzo a gente ainda acha legal ver bichos fazendo coisas completamente não-naturais, em ambientes não-naturais e, na enorme maioria dos casos, sendo maltratados?

(Apenas pra constar: a representação de um parque marinho em Procurando Dory foi alterada depois que John Lasseter e Andrew Stanton assistiram a Blackfish e conversaram com Gabriela Cowperthwaite — e as cenas de Cidades de Papel filmadas no SeaWorld acabaram cortadas)

Se uma orca vive cerca de 35 anos e existe um bebê a caminho, podemos esperar mais ou menos esse mesmo tempo de SeaWorld e Orcas juntos — e sabe-se lá mais quanto tempo de Golfinhos e Leões Marinhos. Mas um passo muito importante foi dado nesse dia 17 de Março de 2016. Que a história seja refeita. :)