O nome do protagonista, 100% ficcional, é bastante conhecido pelos fãs da banda: Boddah
“Para Boddah”. É assim que começa a carta encontrada, em 1994, ao lado de Kurt Cobain, vocalista do Nirvana, que se matou aos 27 anos com um tiro de espingarda na cabeça.
“Falo como um homem simplório, com experiência, que obviamente preferia ser uma criança castrada e reclamona”, continua o músico. Boddah surgiu em sua vida aos 2 anos de idade, quando ainda era uma criança que morava em Hoquiam, Washington. O amigo imaginário era tão forte em sua vida que quando um tio foi convocado para o Vietnã, os pais de Kurt resolveram dizer que Boddah também tinha atendido ao chamado do exército americano, para tentar tirar o “sujeito” de circulação. Não adiantou muito, no fim.
Boddah acabou se tornando uma espécie de válvula de escape para Kurt, sendo o culpado por quase tudo de errado que ele fazia. Suspeito de torturar o gato do vizinho? “Não fui eu, foi o Boddah”. Não dá pra negar, portanto, a importância do personagem – que será, vejam vocês, o narrador da graphic novel Who Killed Kurt Cobain?, escrita e ilustrada por Nicolas Otero.
O título é provocativo e EVOCA as boas (?) e velhas teorias da conspiração, que dizem que o bilhete de suicídio é falso, que o vocalista teria de fato sido assassinado e por ordem (ou pelas próprias mãos, segundo alguns) de ninguém menos do que sua própria esposa, Courtney Love. O anúncio oficial do lançamento foi feito pela editora IDW na última semana, durante a edição 2016 da Emerald City Comic Con, realizada na mesma Seattle na qual FLORESCEU o movimento grunge.
Obra que não tem a intenção de ser biográfica, o gibi – baseado em Le Roman de Boddah (O Romance de Boddah), livro da escritora francesa Heloise Guay de Bellissen publicado em 2014 – reconta os eventos reais da vida cheia de altos e baixos de Cobain pelos olhos de Boddah, das casas de show mais obscuras nos cantos mais sujos da cidade aos imensos e iluminados estádios em diversos cantos do mundo.
“Eu tinha 17 anos quando o Nirvana, liderado pelo Kurt, veio tocar em Paris em 1992”, relembra Otero, roteirista e desenhista francês, em comunicado oficial. “Eu os vi ao vivo um dia antes da minha formatura e foi explosivo, poderoso. Quando Kurt se matou, em 1994, foi a primeira vez que ouvi o nome de Boddah sendo mencionado. E pensei que seria um jeito fantástico de contar a história de Kurt, com Boddah como narrador. Vinte anos depois, meu cabelo já não é mais tão comprido e nem tão sujo, sou pai de três crianças e a vida me dá um presente destes. Finalmente posso desenhar e explorar o que imaginei que seria a mente de Kurt. Me sinto com 17 anos de novo”.
Boddah já tinha ajudado a contar a história de Kurt Cobain na peça de teatro Aberdeen – Um Possível Kurt Cobain, encenada em São Paulo no ano de 2012 e na qual o ator Nicolas Trevijano faz um monólogo de Kurt conversando (e falando sobre momentos importantes de sua vida) com o amigo imaginário.
Vale lembrar, no entanto, que o gibi já foi publicado ano passado, em francês. Só que, numa entrevista para o Washington Post, ele garante que a versão em inglês é algo MUITO diferente do que saiu na terra do croissant. “Eu reescrevi muitas coisas, quebrei a estrutura narrativa, fiz algumas escolhas mais corajosas e coloquei muito de mim mesmo nisso”.
Para o quadrinista, desenhar uma história tão amplamente baseada em música foi algo bem difícil – artisticamente, ele poderia cair em um daqueles clichês básicos como colocar notas musicais ao longo da página. “O poder do som deles, uma violência e uma raiva que ficavam no ar durante os shows, me inspiraram. Eu tentei transformar este caos em imagens, corpos suados, cabelos balançando”. Mas Otero admite que, apesar de curtir o som, nunca foi exatamente um entusiasta do Nirvana (“Kurt nunca foi um ícone ou modelo de comportamento para mim”) e que isso ajudou a manter o distanciamento necessário para contar a história.
“Por isso eu não tive medo de quebrar certas barreiras, mostrando-o até mesmo em seu lado mais baixo, sob a influência das drogas – algumas vezes patético e manipulado, sempre no limite de suas próprias emoções”, explica. “Não ser um fanático me permitiu ir mais fundo, seguir meus instintos e arrancar o sangue e as entranhas de uma história triste mas lindíssima”.
Who Killed Kurt Cobain? sai em Outubro.