Esporte Interativo vai dividir os direitos de exibição do Campeonato Brasil na TV paga com o SporTV – e isso pode mudar um pouco esse rígido futebol brasileiro, mas há ainda um longo caminho pela frente
Não foi Record. Não foi RedeTV!. Elas até que tentaram, mas quem realmente vai acabar com o monopólio da Rede Globo no futebol brasileiro — se tudo der certo e nada der errado — é o Esporte Interativo, que fechou os direitos de exibição de 14 clubes do Campeonato Brasileiro na TV paga no período entre 2019 e 2024. O anúncio do acordo com Atlético Paranaense, Bahia, Ceará, Coritiba, Paraná, Paysandu, Criciúma, Fortaleza, Internacional, Joinville, Ponte Preta, Santa Cruz, Santos e Sampaio Corrêa foi feito ontem (19). O canal já contava com acordos diretamente com a CBF para transmitir torneio regionais como a Copa Verde e Copa do Nordeste.
O EI, que foi comprado pela Turner no começo do ano passado, está investindo pesado no futebol. Primeiro, compraram os direitos da Champions League e usaram esse fato pra finalmente conseguir ADENTRAR na grade da NET (apesar de ainda continuar fora da Sky). Depois, foi atrás dos participantes do Campeonato Brasileiro, aproveitando uma BRECHA criada pela própria Globo.
Pra entender, vamos voltar no tempo: desde 1987, com a criação do Clube dos 13, os times da Série A do Brasileirão negociavam os direitos de transmissão em bloco. Por muitos anos, a Globo simplesmente pagava, o C13 dividia o bolo entre os participantes do torneio e os jogos eram exibidos da forma como a emissora queria. Só que, em 2011, a Record chegou babando, prometendo muita grana para ter o Brasileirão entre 2012 e 2014.
Ao mesmo tempo, uma disputa interna RACHOU o Clube dos 13 – parte dos integrantes ajudou a eleger um presidente, enquanto o resto queria o candidato da CBF. Vendo que estava tudo ruindo, a Globo passou a negociar diretamente com esses clubes, deixando de lado o C13. Vendo aí uma INSTABILIDADE JURÍDICA, a Record desistiu da compra e quem venceu o leilão com o único lance foi a RedeTV!.
Todo mundo deu de ombros pra esse acordo e assinou com a Globo. O Clube dos 13 acabou.
E foi justamente esse artifício, de negociar individualmente, usado agora pelo Esporte Interativo pra fechar com esses 14 clubes. Se você olhar bem, dá pra dividir eles em dois BLOCÕES: um daqueles grandes, com expressão nacional, mas que sempre reclamam do valor que recebem da Globo e do número de jogos exibidos na TV; e aqueles que estão fora da Série A ou, quando estão nela, não ficam muito tempo – e, por isso, nunca conseguem bons contratos com a rede carioca. E aí tem o Sampaio Corrêa.
Os valores do acordo não foram divulgados, mas, de acordo com o UOL, o canal da Turner teria oferecido um total de R$ 500 milhões caso fechasse TODOS os clubes da Série A (divididos proporcionalmente), enquanto a Globo teria ficado nos R$ 100 milhões. Tudo isso falando SÓ de TV fechada, até porque o Cade proibiu que sejam feitas ofertas únicas que englobe tudo (como TV aberta, pay-per-view...).
Não foi só a grana, também: o canal da Turner ofereceu um acordo ao estilo que é feito na Inglaterra. Do montante distribuído entre os clubes, 50% seria igual pra todo mundo, 25% por posição no campeonato e 25% por audiência. Ou seja, o desempenho do time em campo e o empenho do torcedor vai ser levado em conta.
Porém, cê viu aí que Corinthians e Flamengo não fecharam com o EI, certo? Afinal, são clubes que sempre estão em horário nobre, TV aberta, todo mundo vendo – e que recebem a maior fatia do bolo. Não há interesse deles em mudar isso. Clubes como o São Paulo, Grêmio e Vasco, mesmo sem ter exatamente os mesmos benefícios, preferiram ser conservadores e deixaram como está. Já Palmeiras e Figueirense ainda estão em cima do muro, sem ter fechado como ninguém.
Restou pra Turner fechar com “notórios reclamões” do sistema vigente, como Santos e Inter, e clubes menores — uns que flertam com o rebaixamento, outros que estão na Série B e sonham subir de divisão. Pra esses caras, o que se diz no mercado é que Esporte Interativo jogou um argumento ainda mais interessante: pagar, agora, luvas de R$ 5 milhões. É bem menos que os R$ 40 milhões pagos de luva pros grandes, mas é um dinheiro que entra no caixa hoje pra ajudar o clube a pagar dívidas, contratar, se estruturar e, quem sabe, estar na Série A em 2019.
Ainda assim, fica aquela dúvida: por mais que tenha fechado com 14 clubes, o Esporte Interativo corre o risco de chegar em 2019 com apenas três ou quatro times na Série A. E, se o time estiver da B pra baixo, o acordo simplesmente não é mais válido – e o torneio é transmitido pelo SporTV, que tem acordo com a empresa que organiza o campeonato. “Esse é um cenário apocalíptico, que poderia acontecer com a Globo também. Nem cogitamos essa possibilidade. Nosso plano é ter oito equipes na Série A em 2019”, disse Bernardo Ramalho, diretor do Esporte Interativo, pra Máquina do Esporte.
Isso tudo fora o fato de que, de acordo com a Folha, o Santa Cruz tem apenas um pré-contrato com a Turner e que o time pretende romper o acordo pra fechar com a Globo.
Acha que tá ruim pra Turner? Fica pior: se não rolar um “número mínimo” de jogos para o canal, o acordo com TODOS é desfeito – e os clubes NÃO devolvem o valor das luvas, apesar de terem que ir pro SporTV com o rabo entre as pernas...
O problema não acaba aí. O EI só pode transmitir os jogos ENTRE os 14 clubes que assinou. Ou seja, se rolar um Santos x Bahia, tudo certo. Um Joinville contra Sampaio Corrêa, idem. Agora, se for um GreNal, FODEU. Ele é de ninguém – ao menos na TV fechada.
O que o EI diz é que quer entrar em acordo com o SporTV, tornando possível a transmissão dos jogos de times de diferentes canais em um deles, ou em ambos. Se não rolar isso, o GreNal ou um Corinthians vs. Santos vai ser visto apenas no pay-per-view ou na TV aberta, que continuam com o canal carioca. Isso se rolar TV aberta, né.
O modelo é diferente da legislação de outros países. Nos EUA, por exemplo, o Los Angeles Galaxy tem acordo com a Time Warner Cable para a transmissão regional de todos os jogos que é mandante – além do acordo de transmissão nacional e internacional, acertado pela MLS. Isso se repete com todos os times da liga, que podem vender os jogos que são mandantes para emissoras locais. Não é necessário ter um acordo com o time visitante.
A entrada do Esporte Interativo está mexendo com a transmissão do futebol brasileiro e, quem sabe, redistribuindo parte do dinheiro e dando uma equilibrada nas forças. Só que não resolverá outros problemas importantes, como o os jogos às 21h45 (que acontecem por causa da TV aberta). Também pode gerar boicotes, com a Globo exibindo ainda menos as partidas dos times que tem acordo com o Esporte Interativo, por exemplo.
Porém, pros jogos que serão exclusivos do EI, o canal já avisou, em entrevista pra Folha, que quer decidir os horários das partidas em conjunto com os clubes — mas que deve ficar entre 19h30 e 21h, um horário mais viável em cidades como Rio e São Paulo. “Vamos alterar nossa grade para ajeitar esses jogos. Acredito que hoje não existam muitas críticas quanto aos horários nos finais de semana, então a ideia é mudar os jogos de semana para um horário em que o torcedor consiga sair do trabalho, ver o jogo e dormir o suficiente”, disse o vice-presidente de conteúdo esportivo da Turner, Edgar Diniz.
Outro problema que pode surgir é que, como o canal da Turner promete uma “transmissão igualitária” de partidas, fatalmente mais jogos desses times estarão na TV paga, o que diminuiria a venda do pay-per-view — que é outra fonte de renda dos clubes. Por outro lado, melhores horários de partidas podem representar mais gente no estádio e o Esporte Interativo já garantiu que dará todo o suporte aos naming rights vendidos dos clubes, sem aquela história de Allianz Parque virar “Arena Palmeiras”. Isso abre novas possibilidades de fonte de renda.
O que talvez resolvesse realmente (quase) todos os problemas seria a criação de uma liga – que cuidasse desde a organização do campeonato em si até a venda dos direitos. Algo no estilo da Premier League, que foi fundada justamente por conta da disputa dos direitos de TV e que é, na prática, uma empresa da qual seus 20 clubes são sócios – ou seja, uma união que não é apenas política e que não pode ser desfeita, como o Clube dos 13.
Obviamente o modelo precisou de ajustes – no começo dos anos 2000, Arsenal, Chelsea e Liverpool e Manchester United dominaram o campeonato. Só que mais recentemente houve um crescimento estratosférico na grana paga, alcançando um MONTANTE TOTAL de £5,136 bilhões (R$ 26 bilhões, na cotação atual) para as três temporadas a partir de 2018-19. Uns recebem mais, outros menos, mas todo mundo tá ficando com uma bela grana no bolso.
O resultado dá pra ver na tabela: o Leicester City — que foi campeão da segunda divisão em 2013-2014 e quase rebaixado em 2014-2015 — lidera o atual campeonato, 5 pontos na frente do Tottenham, outro clube que sempre ficou mais no meio da tabela. Em terceiro está o Manchester City, que conta com MUITO dinheiro árabe, e aí sim seguido por um do chamado “Big Four”, o Arsenal.
Há ainda um longo caminho para acabar com o futebol do 7 a 1, mas ao menos já estamos dando algum passo pra frente.