Invocação do Mal 2 e a fórmula mágica do cinemão de terror | JUDAO.com.br

Filme traz a volta do casal de investigadores paranormais Ed e Lorraine Warren e aposta nos clichês infalíveis de James Wan

O caso conhecido como Poltergeist de Enfield é uma das mais famosas, importantes e documentadas ocorrências de atividade sobrenatural de todos os tempos, que de 1977 a 1979 recaiu sobre a família Hodgson, moradora de Brimsdown, Enfield, na Inglaterra. Eles foram vítimas de acontecimentos paranormais envolvendo duas irmãs, Janet e Margareth, respectivamente de 11 e 14 anos, com direito a objetos se movendo sozinhos, camas tremendo, levitação, o pacote completo.

Essa é a história que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira como um novo CAUSO da dupla de investigadores paranormais Ed e Lorraine Warren em Invocação do Mal 2, dirigido por James Wan, que já carrega toda a pinta de ser o blockbuster de terror do ano, repetindo o sucesso do primeiro filme de 2013.

Wan é dono de uma exímia competência técnica na direção, e sabe como poucos misturar precisamente o terror, drama familiar e aquela pegada pop do cinemão hollywoodiano, agradando tanto o público pipoca quanto os fanáticos mais exigentes. Só que o cineasta malaio tornou-se refém de suas próprias fórmulas, que não são exatamente novidades no gênero e, para o bem ou para mal, já sabemos exatamente TUDO o que esperar de seus filmes: um começo já climático, situações arrastadas de suspense com um aumento exponencial nas atividades sobrenaturais, uma cacetada de PULOS DE SUSTO com imagens abruptas saltando na tela junto de um baque sonoro no último volume, uso de efeitos especiais — em certos casos, de qualidade questionável — para representar as manifestações sobrenaturais e um terceiro ato surtado com muita ação e algum tipo de exorcismo ou confronto contra uma terrível entidade das trevas.

Toda essa marca registrada de Wan está lá em Invocação do Mal 2, mas isso faz dele um filme ruim? Não, muito pelo contrário, mas é só mais um FORMULAICO longa de terror. E por incrível que pareça, contrariando as expectativas e até o que já fora denunciado nos trailers, ele é muito menos afetado que o primeiro, com menor quantidade de jump scares, mais contido, atmosférico, carregado e bem desenvolvido – e, principalmente, sem aquela exagerada panfletagem católica careta.

E verdade seja dita, o longa é tecnicamente perfeito e Wan prova que é sim um dos melhores diretores do gênero na atualidade, tanto na forma como domina a câmera quanto na construção das cenas de susto e de tensão – a sequência em que a garotinha está assistindo à TV na sala e a conversa entre ela já possuída e Ed, em um plano sequência, são sensacionais. Além disso, Wan manja da direção de atores. Vera Farmiga e Patrick Wilson estão muito bons, toda a família e seu drama sobrenatural causam empatia no público e a jovem Janet Hodgson, interpretada por Madison Wolfe, está incrível, roubando o filme, principalmente nas cenas de possessão.

A ambientação da residência de Enfiled, principalmente por conta de todo o material disponível pelas dezenas de fotos, reportagens e documentários sobre o caso, é 100% FIDEDIGNA, e a direção de arte e fotografia estão impecáveis. Tudo é redondo, feito caprichosamente nos seus mínimos detalhes, como manda a cartilha.

Invocação do Mal 2

Só que tudo isso não basta e Invocação do Mal 2 também não consegue ser um filme bom. Nem bom e nem ruim? É no máximo mediano, sem trazer nenhum ARROUBO de originalidade para o gênero, sem nenhuma cena efetivamente marcante. Um filme... NHÉ. O que o faz entrar naquele perigoso campo de não acrescentar absolutamente NADA na sua vida, no final das contas.

Fora isso, seus maiores pecados residem na confusão com relação ao verdadeiro mal por trás do Poltergeist de Enfield, optando por uma explicação muito mais espetaculosa do que a história original, que vinha sendo construída até então, tentando correlacionar a ameaça com outras ocorrências atendidas pelos Warren, incluindo aí o prólogo que se passa durante o infame caso de Amityville.

Vale também o puxão de orelha pelo final maniqueísta e frenético que sai completamente da atmosfera bem construída que permeia o longa ao apelar para aquela fatídica batalha final aventureira entre luz e trevas. Para tanto, Wan acaba abusando das três palavrinhas que incomodam MUITO no atual cinema hollywoodiano de terror: IMAGENS GERADAS POR COMPUTADOR, ou CGI para os mais íntimos.

Quando sobem os créditos de Invocação do Mal 2, naquela sempre interessantíssima ideia de misturar fotos reais com os atores e colocar o áudio das gravações originais da pequena Janet – vale a pena conferir o documentário realizado pela BBC, aliás – fica aquela sensação de mais do mesmo: um filme correto, PROSAICO, feito sob medida sem correr riscos, com Wan mais uma vez perdendo a chance de propor alguma coisa diferente a um gênero que o superestima tanto, e entregando somente um resultado apenas OK, ainda que inferior ao primeiro.

Um imbróglio dos infernos


É de conhecimento público que, apesar do alardeado “baseado em fatos reais”, Invocação do Mal 2 é uma livre adaptação com uma liberdade poética imensa e até sorrateira, uma vez que Ed e Lorraine tiveram um contato mínimo com o caso e nenhuma importância durante as investigações dos fenômenos paranormais sofridos pelos Hodgson.

Quando a imprensa britânica se interessou pela casa mal-assombrada de Enfield e passou a publicar os estranhos acontecimentos em seus tabloides, o investigador paranormal Maurice Grosse (no longa, interpretado por Simon McBurney), membro da Sociedade de Pesquisa Psíquica, assumiu o caso ao lado do parapsicólogo Guy Lyon Playfair, e ambos passaram anos documentando e estudando.

O fato é que, segundo o próprio Playfair, os Warren sequer foram convidados para dar seu parecer no caso, chegando lá por conta própria, hospedando-se apenas uma noite da residência dos Hodgson e aproveitando a oportunidade para tentar fazer dinheiro com isso. Não há registro da participação de ambos, exceto por uma passagem descrita no livro O Demonologista (1980), de Gerald Brittle, uma espécie de biografia do casal (não confundir com o livro de Andrew Pyper, por favor).

Então por que raios resolveram levar justamente ESSA história para os cinemas, como sequência de um dos maiores sucessos do cinema de terror da atualidade, sendo que há mais de OITO MIL casos documentados pelos “caça-fantasmas de verdade”?

Invocação do Mal

Porque a Warner Bros. NÃO possui os direitos de seus casos reais, como fora relatado pelo THR. Os direitos de filmagem destas “aventuras” pertencem a Tony DeRosa-Grund, da Evergreen Media Group, sujeito responsável por mover uma ação judicial tentando impedir que qualquer sequência fosse realizada.

Para entender o imbróglio: segundo os acordos feitos com a Evergreen, a Warner possui somente direito a 25 casos dos Warren (o que seria equivalente a apenas 1% deles), incluindo aí a casa da fazenda dos Perron do primeiro Invocação do Mal. Para levar novas histórias ao cinemas, deveria desembolsar uma grana para cada uma delas, ou então, claro, colocar o Sr. DeRosa-Grund como produtor. Além disso, a Evergreen vendeu esses direitos para a Lionsgate produzir uma série de televisão, que está devidamente parada no sinal vermelho por conta dessa pendenga jurídica.

Qual foi a saída dos engravatados do estúdio da Caixa D’água? Alegar que tanto o caso de Annabelle, o spinoff da boneca do Capiroto, quanto do Poltergeist de Enfield, são vagamente baseados em passagens do livro O Demonologista, que possui direitos de publicação limitados, já que a Warner tem um acordo de colaboração com o escritor Gerald Brittle para sua adaptação, enquanto DeRosa-Grund mantém autoridade sobre os direitos dos tais “arquivos de casos reais de Ed e Lorraine Warren”.

Com o lançamento de Annabelle e Invocação do Mal 2, veio um segundo processo, uma vez que de acordo com a Evergreen, Brittle havia lhes garantido de forma prévia uma opção de adquirir os direitos futuros para explorar O Demonologista. Só que, nesse balaio de gato, Tony Spera, genro dos Warren, “tomou posse” desses direitos e vendeu para a editora Graymalkin, fazendo com que o processo respingasse até na família, acusada de não honrar os contratos do livro. ALTAS TRETAS!

Segundo os advogados do demandantes, existe a possibilidade muito real dos réus perderem todos os direitos que tenham conexão com a franquia Invocação do Mal. Enquanto isso, para a Warner, Inês é morta e ela segue assustando um monte de gente por aí, levando os causos baseados em histórias reais dos Warren (mesmo que pero no mucho) para as telas e enchendo os bolsos com as gordas bilheterias dos filmes.

As forças das trevas agradecem.