Conversamos com o diretor do terror baseado na obra de Stephen King pouco depois do filme ser finalizado e, ao lado da irmã, produtora do filme, ele falou sobre palhaços, sua infância e sobre o ator escolhido pra ser o Pennywise
No final do ano passado, os psicólogos Francis T. McAndrew e Sara S. Koehnke publicaram um estudo na revista New Ideas in Psychology cujo título é autoexplicativo: “Sobre a natureza do que apavora”. Foram entrevistadas 1.341 pessoas, de 18 a 77 anos e de diferentes partes do planeta, a respeito do que elas enxergam como sendo ou não assustador. E além da imprevisibilidade ter sido um componente fundamental identificado como algo que apavora as pessoas, algumas profissões estão naturalmente mais ligadas ao terror do que outras.
Quando você descobre qual ocupação ficou em primeira posição, com laaaarga vantagem sobre as outras, vai entender que, não, você não está sozinho e, sim, os dois itens estão conectados de alguma forma: os palhaços lideram o ranking. Por quê? Justamente porque eles são naturalmente imprevisíveis. A maquiagem que inspira alegria na real não permite saber se eles estão tristes ou alegres, calmos ou putos da vida, se vão enfiar uma torta na sua cara ou uma faca no seu estômago. Não dá pra prever seus próximos movimentos. “Eles parecem estar felizes, mas será que estão de verdade?”, provoca o Dr. McAndrew, em artigo no Science Alert. “As características físicas do palhaço, a peruca colorida, o enorme nariz vermelho, as roupas estranhas e excessivamente coloridas, só aumentam a nossa incerteza do que pode vir a seguir”.
Assim, portanto, é de esperar que uma criatura sobrenatural e maligna, que tem o objetivo de devorar crianças e faz questão de explorar os medos e fobias de suas presas, escolha como uma de suas principais formas justamente um diacho de um palhaço. No caso, o Pennywise, antagonista de It: A Coisa, que acaba de chegar aos cinemas brasileiros. Mas o diretor e roteirista da película, o argentino Andy Muschietti (Mamá), que assumiu o cargo em 2015 depois que Cary Fukunaga abandonou o posto, não tinha medo de palhaços. Ele tinha era medo da aprovação do próprio Stephen King.
Há cinco meses, assim que terminaram o filme, sentei ao lado do diretor e roteirista e de sua irmã, a produtora Barbara Muschietti, nos estúdios da Warner Bros. em Los Angeles, para assistir a partes do longa ao lado dos dois e, claro, uma conversa sobre o que tínhamos acabado de ver.
Eles não conseguiam conter suas reações.
Andy e Barbara eram crianças como eu: apaixonadas por filmes de terror, organizavam noites de terror semanais, em que assistiam e idolatravam filmes. Stephen King, inevitavelmente, sempre esteve entre os preferidos.
| Stephen King twittou que o filme de vocês havia excedido qualquer expectativa. A aprovação dele deve ter sido muito importante pra vocês, né?
Andy ~ Sim, é mais ou menos como se você passasse por um teste. Queira ou não, você fica esperando para saber o que o Stephen King vai dizer, afinal é a obra dele. Eu tinha reprimido esse medo do que ele ia achar, mas uma semana antes de mostrarem o filme pra ele, comecei a ficar bem preocupado.
Barbara ~ Mas na verdade, depois que o Stephen assistiu, ele mandou um e-mail para o Andy. Ele não esperava muito do filme, e se sentiu muito emocionado.
| Como vocês se sentiram quando leram pela primeira vez?
Andy ~ Eu sempre fui fã do Stephen King. Uma das minhas experiências mais poderosas foi assistindo O Cemitério Maldito. Tudo começou com filmes de terror. Nós somos irmãos e fomos expostos desde cedo. Todo sábado à noite nós assistíamos. Algumas pessoas nunca se apaixonam por filmes de terror mas, para outras, é como uma droga. Você ama desde o início, é como um vício e você quer sentir a sensação de novo e de novo. Quando eu não estava assistindo a um filme, eu ia atrás de literatura. Esses caras me definiram como artista. Eu nunca tive medo de palhaços, mas a ideia dele mudar de forma me assustava. Quando a oportunidade de fazer esse filme surgiu, pra mim foi sobre me manter fiel a experiência intensa que tive com o livro.
Barbara ~ Nós dois íamos para o drive-in e assistíamos aos filmes que queríamos. Tínhamos essa liberdade. Uma coisa muito importante na nossa infância foi uma antologia de terror que passava na Argentina semanalmente. Era o nosso evento preferido da semana.
| Antes de vocês entrarem no projeto, muitos nomes foram mencionados para o ator que interpretaria Pennywise, incluindo Johnny Depp. O que chamou atenção no Bill Skarsgård, o ator sueco que foi escolhido para o papel?
Andy ~ Eu vi o teste dele e ele me impressionou muito. Me senti bastante atraído pela energia que ele tem para interpretar um monstro, pela linguagem corporal. Eu falei para ele que talvez ele tivesse que usar lentes de contato, mas que não sabíamos exatamente como faríamos os olhos de Pennywise, se seria em pós produção ou não, e ele simplesmente disse: “eu consigo fazer!”. E fez. Então em todas as cenas em que vemos os olhos do Pennywise, são os olhos do Bill mesmo.
| Muitas crianças dos anos 90 cresceram com pavor ou fobia de palhaços por causa de A Coisa. Eu perguntei nas minhas redes sociais se essas pessoas tinham medo de palhaços quando eram crianças, e muitas responsabilizaram It por isso. Vocês sentem a responsabilidade de apavorar as crianças dessa geração?
Andy ~ Nós amamos essa responsabilidade! Na verdade, nós recebemos ligações de sindicatos de palhaços, que são contra essa visão negativa dos palhaços, de dizer que eles são algo assustador. Mas a figura do palhaço assustador é algo que faz parte da nossa cultura. Muito antes de Stephen King, havia John Wayne Gacy.
| O Stephen King disse que sempre que estava em festas infantis, notava que as crianças tinham medo de palhaços. E foi daí que veio a ideia de It: A Coisa, né...
Andy ~ Exato, ele só deixou mais claro algo que já estava lá.
Barbara ~ Os gestos dos palhaços são sempre grotescos, não há nada delicado em um palhaço. Eu não acho que nós estamos arruinando a cultura dos palhaços; as pessoas sempre viram palhaços dessa forma, como algo medonho e grotesco.
| O filme é bastante fiel ao livro, focado nas crianças que formam o Clube dos Otários, e você ainda manteve cenas pesadas do livro, uma delas com a personagem Beverly...
Andy ~ Sim, o filme é sobre o Clube dos Otários e só conta a primeira parte da história. Foi parte do trato que fiz quando eu entrei no projeto. Eu queria focar na inocência do mundo das crianças, mas vamos fazer uma segunda parte.
O filme tem censura (de 18 anos), então nós tivemos liberdade para abordar assuntos de adulto sem ter essa preocupação. Cada membro do Clube dos Otários passa por situações pesadas e desesperadoras, cada um tem sua história.
| Em todo filme de terror há um conflito sobre quanto o monstro deve aparecer. Com o Pennywise, ele não é somente Pennywise, essa é uma de suas formas. Como foi a decisão de mostrar muito ou pouco dele?
Andy ~ Você não vai sentir falta do Pennywise, ele tem muitas aparições, mas a forma dele de operar é através do medo. Ele quer que você sinta medo. Basicamente, depois de te assustar, ele aparece para te devorar.
It: A Coisa já está nos cinemas.