Halloween: a noite em que ele voltou (full pistola) para casa | JUDAO.com.br

O retorno do Michael Myers raíz contra a Scream Queen mor, Jamie Lee Curtis, em uma ode ao original de John Carpenter

Credo, que delícia ver o bom e velho Michael Myers de volta! Isso e, claro, a deusa-viva Jamie Lee Curtis retornar como Laurie Strode, é o que sustenta de fato o novo Halloween de David Gordon Green, abençoado pelo Criador, John Carpenter, na produção executiva e na trilha sonora, atualizada junto de seu filho Cody, todos sob a batuta do midas Jason Blum.

Halloween nada mais é que uma ode, com um tremendo respeito e afinco, à Halloween – A Noite do Terror, o original, raiz, aquele mesmo de 1978, cujo impacto no cinema de terror independente norte-americano foi tamanho que inspirou todo um exército de assassinos mascarados, estabeleceu as diretrizes e regras dos slasher movies e criou a figura definitiva da Final Girl (já disse que te venero, Jamie Lee Curtis?).

Mais que isso, diferente dos demais slashers, principalmente pós-Sexta-Feira 13, Halloween – A Noite do Terror é um filme minimalista, pontuado brilhantemente pela sua trilha sonora, com uma alta dose de tensão e suspense crescente, sem apelações, e a figura de Myers surgindo por entre as alamedas do subúrbio de Haddonfield, Illinois, como um voyeur que espreita meticulosamente Laurie pelas ruas quase desertas, dotado de uma maldade inata, inerente, inumana, completamente frio, calculista e prático em seus ataques. Chega até a ser um vilão meio blasé e, definitivamente, o mais classudo desse panteão dos movie maniacs.

É esse Michael Myers, só que uma versão 2.0, que encontramos no Halloween de 2018, ressuscitado pelo roteiro de Green e Danny McBride — que foi o motivo da minha torção de nariz, a dupla de Segurando as Pontas, trutas de Judd Apatow e Seth Rogen, ser anunciada como responsáveis pelo longa. Passados 40 anos do lançamento do primeiro filme (e consequentemente, da fuga de Myers de Smith’s Grove para perseguir sua irmã), a ideia dos envolvidos era ignorar todos os outros filmes lançados (inclusive o segundo, que é ótimo, quase um back 2 back do original) e tratá-lo como uma sequência direta do clássico setentista.

Então sim, é exatamente AQUELE Michael Myers que fora alvejado pelo Dr. Sam Loomis seis vezes e desabou da sacada da casa de sua irmã que está ali preso no manicômio quatro décadas depois, enquanto Laurie mal conseguiu levar sua vida adiante: casamentos arruinados, perda da guarda da filha, isolada numa casa na floresta, tomada pelo medo, paranoia, tornando-se uma sobrevivencialista e esperando o dia do acerto de contas, que ela sabe que vai chegar

(Por aqueles motivos toscos de roteiro e de coincidências tacanhas do cinema de terror, o tal dia acaba sendo justamente na noite do Dia das Bruxas, sendo que há outros 364 dias no ano para que o serial killer fosse transferido para outra instituição psiquiátrica de segurança máxima. Mas, segue o baile...)

A diferença entre esse Michael e aquele soturno lá de 1978, é que o sujeito está FULL PISTOLA após passar todo esse tempo preso e remoendo sua maldade pulsante interior (contagiante, diga-se de passagem, como descobriremos com o andar da carruagem). Emputecido da vida, ao escapar de um suposto “acidente” (as aspas também se explicarão com o andar da carruagem) o maníaco extravasa toda sua raiva em assassinatos violentamente gráficos: pancadas, pisadas, facadas e marteladas cheias de maldade e ódio, com uma motivação real oficial, não apenas pelo simples shock value (SIM, ESTOU FALANDO DE VOCÊ, MICHAEL MYERS DO ROB ZOMBIE).

Green captou vossa mensagem, ó sábio guru Carpenter, e mete o sujeito na máscara branca inexpressiva e macacão de mecânico novamente nas sombras, se esgueirando pelos feixes de luz, caminhando por esquinas, ruas, por entre as árvores de Haddonfield, invadindo casas de forma silenciosa e mortal, se embrenhando em guarda-roupas, relembrando aquele seu tesão voyeurístico, pontuado pela monocórdia música tema clássica rearranjada e belos planos e contraplanos, jogos de luz e sombra, e sequências tensas que se desenrolam até o golpe final. Eu sentia saudades desse Michael Myers!

Isso tudo com um nível de violência que se adapta aos dias de hoje. Algumas mortes são de soltar uma arfada de esgar durante a projeção, enquanto outras, são filmadas de forma sublime. O equilíbrio necessário. E, o mais importante, Myers continua implacável em sua relação predador-presa — a única relação que conhece por toda sua vida. Porém, agora não há mais uma adolescente virginal em seu caminho, e sim uma Laurie casca grossa, e mais legal ainda, você irá testemunhar ele enfrentando TRÊS gerações das Strode mostrando que aqui, agora em pleno 2018, quem manda são elas, apesar da truculência assassina masculina querer sempre ganhar no braço.

Acertando as contas com o passado

É por esse conjunto da obra que sinto ojeriza pelo que Rob Zombie cometeu em Halloween – O Início, deixando um gosto ruim na boca, devidamente aliviado aqui. O diretor-músico transformou o filme em um slasher apelativo qualquer, pegando todos os elementos que transformaram o longa de John Carpenter em uma obra prima — e são devidamente homenageados nesta nova roupagem — e destruindo-os um por um, apenas para satisfazer seu fetiche hillbilly.

O Michael Myers white trash brucutu passivo-agressivo de Tyler Mane destoa, feito sob medida apenas para louvar a brutalidade, a testosterona em excesso e a sujeira, elementos recorrentes da visão cinematográfica de Zombie. E, o principal, destruiu a aura de choque de ver uma criança normal ter se tornado um psicopata infantil por conta de um mal intrínseco (eu gosto de comparar o pequeno Michael com o garoto de Precisamos Falar sobre Kevin) por uma clichêzaça infância problemática de uma manjadíssima família disfuncional, onde a mãe é stripper, o padrasto é abusivo, a irmã é promíscua, sofre bullying na escola, e blá blá blá, tudo sob aquela capa redneck de Zombie.

Assistir ao novo Halloween foi como uma lavada na alma trevosa, ao ter o Mike velho de guerra ali de volta, mesmo que repaginado para os novos tempos. Sem perder o respeito, assim como a Laurie Strode como sua contraparte fodona, sem precisar de nenhum Dr. Loomis para salvar o rolê. Mas importante: é bom dar aquela segurada na expectativa para se contentar com um filme que, no frigir dos ovos é apenas honesto e tem lá seus belos deslizes de roteiro.

Halloween é claramente uma produção de fã para fã, com muita gente envolvida querendo fazer funcionar — o que tá acontecendo, com os $77,5 milhões de dólares conquistados no mercado doméstico até agora — e varrer para debaixo do tapete os últimos e seguidos erros crassos da franquia. Talvez não faça lá grande sentido para a nova audiência, ou caso você não seja fã da obra original de Carpenter, mas...