Muito antes da Entrevista, havia Team America | JUDAO.com.br

Porque muito antes de um ditador prestes a ser morto por uma dupla de repórteres vivida por James Franco e Seth Rogen, existiu um bando de bonequinhos desbocados que enfrentavam um outro ditador bastante familiar…

A-Arca JUDÔNICA tem como INTUITO resgatar algumas das melhores publicações dos mais de 14 anos de existência do Judão... e d’A-Arca. Toda semana republicaremos por aqui algum artigo, entrevista, podcast ou qualquer coisa que tenhamos feito na nossa vida que faça algum sentido nos dias de hoje. Gotta get back in time!

Você tem acompanhado de perto aqui no JUDÃO toda a história envolvendo o ataque dos hackers à Sony Pictures e, depois, as ameaças terroristas seguidas do cancelamento do filme A Entrevista, o grande calcanhar de Aquiles do governo norte-coreano de Kim Jong-un.

Engraçado lembrar que, em 2004, seu pai foi alvo de uma sátira ainda maior, mais ácida e mais escrota. Em Team America: Detonando o Mundo, Kim Jong-il (pai do atual ditador sul-coreano) é um vilão na melhor tradição South Park. Quem conhece a obra profana de Matt Stone e Trey Parker, sabe exatamente o que isso significa. Fui buscar o texto sobre Team America que escrevi para A-Arca para relembrar quem já viu...e apresentar esta obra de puro humor infame e non-sense para quem ainda não teve a oportunidade de conferir.

O ano era 1999. Eu e mais uma enorme turba de nerds invadimos um cinema da folclórica cidade de Santos/SP, sede d’A ARCA, para assistir ao pervertido longa-metragem da série animada South Park, de Matt Stone e Trey Parker. Lembro de ter rido como um alucinado; de ter comemorado, junto com o cinema lotado, a morte do Bill Gates. Minha barriga doía, quase desloquei meu maxilar. E passei semanas a fio cantando as canções do filme – especialmente Kyle’s Mom Is a Bitch.

Assim sendo, era de se esperar que eu estivesse roendo as unhas em antecipação para assistir ao novo apronto da dupla, Team America: Detonando o Mundo (Team America: World Police), no qual a (des) animação era substituída por marionetes cabeçudos e feiosos na linha do seriado sessentista Thunderbirds, sacolejando desajeitadamente pra lá e pra cá enquanto as cordinhas eram manipuladas. Demais! :-)

Mas a película acabou ficando de fora das nossas telonas, sendo lançada diretamente para vídeo pela Paramount Pictures. E os motivos pelos quais Team America foi descartado dos cinemas são obscuros. Teria sido a violência? O caráter político? Ou talvez o humor pouco “popular” e “americano demais” (como já ouvi bastante em alguns casos deste nosso mercado de cinema)?

Acompanhe o meu raciocínio.

Sim, sim, Team America é tão obsceno quanto South Park. Os palavrões estão lá, em profusão, assim como as inevitáveis piadas de conteúdo sexual ou sobre os mais diversos fluidos do corpo. Ok. Mas o grande mérito desta produção, no entanto, são as ácidas piadas de conteúdo político, muitas vezes nas entrelinhas, satirizando a atual situação mundial. Talvez este tipo de humor não esteja exatamente ao alcance do espectador médio – ou, pelo menos, deve ser o que os marketeiros pensam, afogados em pesquisas sobre o público que frequenta os cinemas. No entanto, sou obrigado a admitir: nem todo mundo entenderia, por exemplo, que Kim Jong-il, o vilão do filme, existe de verdade, e é o atual ditador da Coreia do Norte, inimigo declarado dos Estados Unidos e um inveterado apaixonado por cinema. Só de posse destas informações é que certas citações ficam ainda mais divertidas.

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Não pense você, no entanto, que dizer que se trata de um filme com conteúdo “político” faz de Team America uma história chata ou, quiçá, partidária. Nops. Parker e Stone continuam dois grandes filhos-da-puta e disparam seus petardos para todos os lados, sem distinção. Eles batem nos Estados Unidos, nos muçulmanos, nos chechenos, nos coreanos e até na classe artística que é contra a guerra, como os atores Tim Robbins, Susan Sarandon, Sean Penn e o cineasta Michael Moore – que não tem um destino dos mais simpáticos na história, aliás. Eles continuam brutais, cruéis, sádicos até. Politicamente incorretos até a medula. E nós agradecemos.

A trama é a seguinte: o maníaco Kim Jong-il anda distribuindo armas de destruição em massa para todo e qualquer grupinho terrorista em atividade no planeta. Para impedir os seus planos malignos – que, é claro, serão revelados mais tarde – entra em ação um grupo militar norte-americano nada sutil, conhecido como Team America. Com base estabelecida dentro do Monte Rushmore e contando com armamento pesado e veículos de última geração (pintados alegremente com as cores e estrelas da bandeira americana), o Team America é formado pelos estereótipos básicos de filmes de ação: a loira gostosona e sensível; o líder destemido em batalha, mas tímido em suas relações pessoais; o especialista em armas mal-educado e desconfiado; a oriental com poderes mentais e, para completar, um patrono velho e misterioso sempre com um copo de uísque na mão. Perfeito!

Mas faltava o clichê supremo: um novato relutante é trazido para o grupo. Inicialmente, suas ações colocam a trupe em risco e eles acaba abandonando o time, mas é claro que, mais tarde, ele se transforma em sua única salvação. Junte a isso o ódio do especialista em armas graças a uma mancha no seu passado e a paixão da loira que acaba de perder o seu grande amor e… voilá! É ou não uma perfeita sinopse de trama daquelas películas de ação desenfreada produzidas pelo Jerry Bruckheimer? Pois é. E a sensação de “já vi isso antes, só que com o Chuck Norris ou com o Steven Seagal” persiste por toda a história, seja nas tomadas típicas, nos tiroteios, nas perseguições ou mesmo nos diálogos – que, propositalmente, configuram uma das piores reuniões de falas da história do cinema. Graças a Deus.

Só para constar: o novato em questão é Gary Johnston, um festejado ator da Broadway (!) com o qual o Team America conta para interpretar um terrorista (!!), se infiltrando no meio dos criminosos e descobrindo quem é o fornecedor de armas de destruição em massa (!!!).

TeamAmerica_01

A partir de então, começa aquele festival de loucuras típico dos dois criadores de South Park: os bonecos transam (em uma cena explícita com posições para deixar qualquer ator pornô envergonhado), os bonecos enchem a cara e, é claro, os bonecos vomitam – naquela que é considerada uma das cenas mais hilariantemente nojentas da fita.

Não poderiam faltar, é claro, as piadas com os astros de Hollywood, e estão lá as caricaturas de Penn, Robbins, Sarandon e ainda Helen Hunt, Matt Damon (completamente idiotizado e repetindo sempre o próprio nome), George Clooney, Danny Glover, Ethan Hawke, Samuel L. Jackson, Liv Tyler, Janeane Garofalo, Martin Sheen e, é claro, Alec Baldwin, saudado como o “maior ator de todos os tempos” (!!!!) e líder da Film Actors Guild – cuja sigla resulta em FAG, expressão popular em inglês para “gay”.

E… SIM! CANÇÕES! Várias delas! Absolutamente deliciosas e com a mesma ferocidade das letras das pérolas do filme anterior. Destaque para a música-tema da equipe (“America, fuck yeah! Comin’ again to save the motherfucking day, yeah!”), para a canção que ilustra uma “montagem” (só vendo para entender) e, é claro, a sensacional canção romântica cuja letra desanca Ben Affleck e Michael Bay, e cuja letra faço questão de reproduzir aqui.

“I miss you more than Michael Bay missed the mark, When he made Pearl Harbor. / I miss you more than that movie missed the point, And that’s an awful lot, girl. / And now, now you’ve gone away, And all I’m trying to say, is: Pearl Harbor sucked and I miss you. / I need you like Ben Affleck needs acting school, He was terrible in that film. / I need you like Cuba Gooding needed a bigger part, He’s way better than Ben Affleck. / And now, all I can think about is your smile, and that shitty movie, too! Pearl Harbor sucked and I miss you. / Why does Michael Bay get to keep on making movies? / I guess Pearl Harbor sucked, just a little bit more than I miss you”

Team America

O grande vilão de Team America

O único defeito de Team America foi não ter ido parar nos cinemas. De verdade. Há quem diga que o filme funciona muito melhor em telas pequenas. Discordo. As grandiosas cenas de ação com bonecos ficariam ainda mais surreais e absurdas num formato enorme e com dolby stereo. Mas tudo bem. Ainda assim, entrou automaticamente na lista dos cinco melhores filmes que vi no ano, ao lado de Sin City e Jogos Mortais. Tomara que, até dezembro, eu consiga completar meu Top 5. E viva estes Comandos em Ação do inferno.

Curiosidades

• A ideia para o filme surgiu em 2003, quando Matt Stone e Trey Parker estavam vendo televisão e se depararam com algumas reprises de Thunderbirds, que Parker nunca tinha visto. Imediatamente, os dois decidiram que um filme de marionetes seria a forma ideal de tirar sarro da cara das produções do Jerry Bruckheimer, como Con Air, A Rocha e Armageddon;

• Antes da dupla fechar o roteiro final, uma de suas idéias era fazer uma versão, toda com bonecos, de O Dia Depois de Amanhã. Eles já tinham até uma cópia do script, mas a idéia nunca foi pra frente por conta, é claro, de problemas legais com o estúdio que detém os direitos sobre a produção de Rolland Emmerich;

• Graças à cena de sexo entre os bonecos, Team America ganhou a classificação NC-17 – proibido para menores de 17 anos. A sequência chegou a ser editada cerca de 12 vezes antes de finalmente ganhar a classificação R – crianças menores de 16 anos, só acompanhadas pelos pais. Mais tarde, Parker admitiria que a cena foi colocada apenas para distrair a MPAA, órgão censor dos Estados Unidos, a respeito do restante dos assunto do filme;

• Gary é visto pela primeira vez em atuação na peça Lease, uma paródia óbvia do musical da Broadway Rent, no qual diversos personagens estão lutando contra a AIDS;

• Todos os marionetes do filme usam os mesmos dois modelos de corpo, um para homens e outro para mulheres, apenas trocando as cabeças. A exceção é Kim Jong-il, feito para parecer muito mais baixinho;

• O vestido usado por Lisa na sequência final é uma réplica quase exata daquele que Kate Capshaw traja na abertura de Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984);

• A cena da taverna é uma homenagem óbvia a sequência da cantina de Mos Eisley no primeiro (ou quarto?) Star Wars. Os ângulos de câmera e mesmo as posições dos personagens foram replicados. A banda, aliás, está usando os mesmos instrumentos dos aliens da obra de George Lucas;

• Exatamente como em Thunderbirds, os closes das mãos mostram mãos de verdade, maquiadas para se parecerem com mãos de bonecos;

• Quando a Film Actors Guild decide ir para a Coréia do Norte, os membros gritam Qapla’!, que é a palavra klingon para “sucesso”. Sim, isso é MUITO nerd;

• Quando a câmera mostra pela primeira vez o palácio da Coréia do Norte, muitos dos prédios menores são caixinhas de comida chinesa reaproveitadas;

• Originalmente, Matt Damon seria retratado como alguém inteligente e articulado. Mas, quando eles viram o boneco, eles notaram que ele parecia um “retardado”, e decidiram fazê-lo desta forma;

• George Clooney foi um dos maiores apoiadores do South Park de Matt Stone e Trey Parker. Sabe-se, nos bastidores, que tanto ele quanto Matt Damon disseram que ficariam “ofendidos” se não estivessem em Team America.