Novo lançamento da Editora Draco, coletânea é a sucessora de O Rei Amarelo em Quadrinhos e deve ser lançada oficialmente esta semana, durante a 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo
Tudo começou com o amarelo. Depois de assistirem à série True Detective, os responsáveis pela Editora Draco foram atrás das obras que inspiraram aquela série. Entre elas, os contos de Robert W. Chambers, que criou a mitologia de uma peça de teatro que enlouquece quem a lê. “Quando li as histórias originais, percebi duas coisas: elas não eram tão assustadoras quanto poderiam ser e não haviam sido exploradas exaustivamente pela cultura pop. Havia muito espaço para criar dentro desse universo”, conta o editor Raphael Fernandes, a respeito de O Rei Amarelo em Quadrinhos.
“Daí, colocamos a ideia em prática e gostamos MUITO do resultado, ainda mais quando pensamos em brincar com a impressão duotone”, explica. Depois de se tornar um sucesso de vendas em eventos como o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) e a Comic Con de São Paulo no ano passado, rapidamente O Rei Amarelo se tornaria o maior sucesso da Draco. “A primeira tiragem esgotou em menos de seis meses e as vendas simplesmente não param de crescer. Ainda mais agora que levou um Troféu HQMix. Nos últimos dias, o livro esteve no top 100 livros mais vendidos da Amazon”. Logo, não demoraria a surgir uma continuação. “No meio do processo de edição, surgiram as ideias para criar novas coletâneas de horror usando esse recurso das cores”.
E aí, o amarelo se tornou verde — e Chambers deu lugar à HP Lovecraft. A coletânea O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos, com 164 páginas e 8 histórias apenas em preto, branco e verde, será lançada oficialmente esta semana durante a 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Com uma pegada inspirada em nomes como Clive Barker, John Carpenter, David Cronenberg e Stephen King, com um pé em seriados como Stranger Things.
O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos será lançado durante a Bienal do Livro e traz histórias originais inspiradas em sua mitologia dos grandes seres antigos escritas e ilustradas por brasileiros
Mas não se engane: não são adaptações das obras de Lovecraft, mas sim histórias originais inspiradas em sua mitologia dos grandes seres antigos, o PANTEÃO de criaturas monstruosas e fantásticas que habitam a literatura do escritor americano. “Não temos interesse de trabalhar com adaptações de contos e, inclusive, esse foi um dos critérios na hora de selecionar os roteiros. Queríamos histórias que se apropriassem do universo macabro do Lovecraft e trouxessem ideias novas para trabalhar esses mitos”, conta Raphael, em entrevista ao JUDÃO.
“Mas era importante que, ao mesmo tempo, o livro tivesse certa unidade. A presença dos Grandes Antigos é devastadora e costuma resultar na destruição total da mente de quem tem contato com ela. Porém, muitas dessas histórias envolvem ingestão de líquidos, problemas cotidianos e questões humanas”.
O editor explica que, exatamente como aconteceu com O Rei Amarelo, o processo de seleção das histórias foi aberto para que novos colaboradores, roteiristas e desenhistas, enviassem seus trabalhos. “Ao mesmo tempo, também convido autores da casa para fazer parte do projeto. Misturamos todo mundo com base no que queremos do resultado final do livro. Buscamos sempre autores que tenham um trabalho com bastante personalidade, não tenham medo de ousar, metem o dedo na ferida e, acima de tudo, saibam contar uma história. O processo é bastante trabalhoso, mas o resultado é a formação de uma equipe realmente coerente e interessante”. Juntando tudo, foram mais de 100 roteiros lidos e avaliados pela equipe da Draco.
As histórias escolhidas foram Os Tambores de Azathoth (Roteiro: Antonio Tadeu Ferreira / Arte: LuCas Chewie), O Salmo do Sangue Antigo (Roteiro e Arte: Dudu Torres), Macio (Roteiro: Airton Marinho / Arte: Fabrício Bohrer), Sob a Insana Luz (Roteiro: Caiuã Araújo / Arte: Marcio de Castro), O Caso da Truta Salmonada (Roteiro: Jun Sugiyama / Arte: Daniel Bretas e Hilton P. Rocha), A Língua da Fé (Roteiro: Raphael Fernandes / Arte: Samuel Bono), Projeto Clhithmaek’ Tyivh (Roteiro e Arte: Lucas Pereira) e O Que Dorme (Roteiro: Bárbara Garcia / Arte: Elias Aquino).
Raphael recorda que, apesar do Brasil ter carregado uma PUTA tradição de quadrinhos de horror, isso acabou sendo “eclipsado” pelas produções infantis, de humor, de super-heróis. “Os quadrinhos de terror publicados no Brasil sempre tiveram um aspecto subversivo e eram considerados malditos. Por essas e outras, os gêneros citados conquistaram maior espaço. Porém, os fãs do horror são extremamente fiéis e gostam muito de incentivar iniciativas que botem lenha na fogueira daquilo que mais gostam”, aposta ele. “Acredito que o mercado atual permite que qualquer tipo de quadrinho tenha espaço e as HQs de horror certamente merecem um pedaço”.
Uma das mais emblemáticas e singulares obras da literatura fantástica, por muito tempo os trabalhos de Lovecraft eram raros por aqui e disputados a tapa por fissurados no macabro. Mas com a popularização do Cthulhu através da internet (o maior monstrão lovecraftiano virou uma porrada de memes), editoras como L&PM, Hedra e Iluminuras passaram a publicar este material no Brasil. “Muitos RPGs passaram a ser lançados por editoras independentes, como a RetroPunk (Rastros de Cthulhu) e a Terra Incógnita (O Chamado de Cthulhu), além dos diversos jogos de tabuleiro da Galápagos Jogos”, relembra Raphael. “Acredito que este é o melhor ambiente possível para lançar uma publicação recheada de histórias originais inspiradas nos mitos do Lovecraft”.
Na primeira coletânea, o amarelo foi escolhido por ser a cor da loucura, usada nas capas dos livros de antigamente para indicar que continham conteúdo proibido: os eróticos, pornográficos e subversivos. “Também é uma cor ligada à avareza e ao ouro, que corrompe a alma dos homens”. Já para este segundo volume, o verde foi escolhido não apenas por ser a cor que melhor representa a criatura mais popular de Lovecraft, o famigerado Deus adormecido Cthulhu, mas também se tratar de uma cor ligada à doença, à putrefação, à deterioração do alimento e também à predadores que causam horror, como cobras e crocodilos. “Além disso, tem o fato do verde representar a natureza, que é regida pela lei da sobrevivência: apenas os mais aptos serão capazes de perpetuar seus genes”.
O editor ainda conta que o objetivo da Draco é produzir três livros de horror cósmico duotone. Portanto, uma nova continuação já está programada. “A única coisa que posso dizer sobre o terceiro é que ele vai mostrar a corrupção humana em preto, branco e vermelho”.
Alguém aí aposta qual vai ser o autor homenageado da vez?