Representante canadense do acabado power metal injeta força no gênero e aposta numa vocalista de pegada BEM diferente
Nos últimos anos, os apaixonados por heavy metal têm um discurso pronto na ponta da língua a respeito daquele que um dia foi um dos seus desdobramentos mais populares: “o power metal morreu”. Queira chamar você de metal melódico, tanto faz, é fato que este é um subgênero, surgido essencialmente a partir do DNA do Helloween da década de 1990, que tem andado mesmo mais pra lá do que pra cá. A crise de criatividade dos grandes medalhões (incluindo a própria banda do cabeça de abóbora) é nítida, sempre repetindo as mesmas fórmulas que já não dão certo há muito tempo.
Mas, cê sabe, a molecada que toca nas garagens hoje consegue usar uns apps aê pra gravar seus primeiros demos com uma boa dose de profissionalismo e jogar nas interwebs da vida — Spotify, Deezer, Bandcamp, Soundcloud, Lastfm, Reverbnation, opção não falta! — pra galera ouvir sem precisar depender daquele esquemão das grandes gravadoras. Dee Snider explicou direitinho pro Gene Simmons bem aqui.
Então. Numa garagem da cidade canadense de Victoria, pintou uma banda. Que, ao beber na fonte do metal tradicional do Iron Maiden e do Judas Priest, deu uma cara bastante interessante ao power metal – o suficiente para fazer a galera que diz que o gênero morreu pensar duas vezes. O nome do quinteto é Unleash The Archers. Por si só, um puta nome estiloso pra caramba. Mais power metal, impossível. ;)
“Bom, batizar a banda foi um parto que durou três meses, com diferentes opiniões vindas de cinco pessoas muito diferentes”, explica a vocalista Brittney Slayes, em entrevista ao The Metal Pit. “No fim, a gente tinha um documento do Word com dez páginas e cheio de nomes possíveis. Mas nenhum deles chamava a nossa atenção. Alguns viraram nomes de músicas. Aí alguém sugeriu Unleash The Archers e nós não odiamos, então ficou. Ele traz aquela coisa medieval e um senso de urgência que eu amo”.
Brittney conta que, embora sempre tenha gostado de cantar e tenha feito parte de um coral de música clássica na escola desde que teve idade suficiente, a relação com o metal só surgiria na época da universidade. Primeiro quando ela descobriu Countdown To Extinction, do Megadeth, seu primeiro disco de heavy metal e que definiria seus gostos nos anos que se seguiriam. E depois.. “Meu namorado estava numa banda de death metal e eu amava ir aos shows e ficar batendo cabeça. Já gostava de metal. Eu ainda não podia, mas meu desejo era estar no palco junto com ele”, explica. “Quando a banda se separou, eu falei com ele (no caso, o baterista Scott Buchanan) e com o guitarrista (Brayden Dyczkowski) para que a gente fizesse algo um pouco diferente. O resto é história, eu acho”. O ano era 2007. A primeiro demo, com o nome do grupo, sairia um ano depois – e o primeiro disco independente, Behold the Devastation, chegaria em 2009.
Falando com o Echoes and Dust, a cantora revela que só depois de ouvir a coletânea Best of The Beast, do Iron Maiden, é que descobriu a inspiração para o tipo de vocal que gostaria de fazer numa banda de metal. “Foi o primeiro disco do Iron Maiden que ouvi e não podia acreditar que nunca tinha ouvido eles antes. Não fazia ideia do que estava perdendo”. Além, obviamente, de Brice Dickinson, ela cita como suas principais influências nomes como Dio, Rob Halford, Geoff Tate e Matt Barlow (ex-Iced Earth). Percebeu um padrão aqui? “Antes, eu tinha tentado umas outras bandas, mas nada muito sério. Não era meu tipo de som – era uma coisa mais metal sinfônico, e eu não estava interessada nisso, por mais que a minha voz coubesse ali”.
Uma das grandes graças do Unleash The Archers é justamente o fato de que o power metal da banda não flerta com esta coisa mais sinfônica e operística, como acaba sendo o caso de uma série de outros grupos com mulheres nos vocais como Nightwish, Epica e Within Temptation. Apesar da voz limpa, Brittney tem uma postura muito mais forte e agressiva, que lembra bem mais nomes como Angela Gossow e Alissa White-Gluz, respectivamente antiga e nova vocalista do Arch Enemy. A última coisa que ela lembra, na verdade, é uma diva do metal de cabelos esvoaçantes.
Quando questionada sobre outras bandas com mulheres cantando, aliás, ela mostra certo cansaço. “Odeio dizer isso mas a cena está saturada. Algumas coisas eu gosto, outras me irritam. Me mostre uma cantora que tenha talento de verdade e não seja só um rostinho bonito e eu vou ouvir com certeza”.
Aliás, Brittney é do tipo que acha que o termo “female fronted metal band” está longe de ser um rótulo adequado. “Desde que não se pense nisso como um gênero, tudo bem. Mas se uma pessoa deixa de ouvir a gente só porque temos uma mulher cantando, acho isso estúpido. Tem tanta música boa por aí, por que se limitar deste jeito? É isso que me frustra neste rótulo. Porque tem muita gente que pode nem dar uma chance para o som porque o termo female fronted é usado numa resenha, por exemplo”, opina ela ao Magna Femina.
Este ano, o Unleash The Archers lançou Time Stands Still, seu terceiro disco de estúdio – o primeiro por uma gravadora (a Napalm Records, de bandas como Edenbridge, Grave Digger, Candlemass e Powerwolf, entre outros) e o primeiro sem o guitarrista Brayden Dyczkowski, que saiu em 2013. “Bray saiu porque este é um negócio que toma muito do nosso tempo e muito esforço – e você tem que estar focado, porque é bastante exaustivo. Bom, ele era nosso principal compositor e boa parte de como o Unleash The Archers soa nós devemos a ele. E a primeira música que escrevemos para este disco foi Dreamcrusher, que é justamente sobre encontrar a força para continuar a perseguir os seus sonhos mesmo quando tudo te coloca pra baixo. Isso foi no começo do processo e acho que crescemos com ele”.
A cantora explica que Time Stands Still é uma espécie de disco conceitual que acaba prestando homenagem às raízes do grupo, prestando uma homenagem à vida no Canadá como uma banda independente. “Cada música é sobre diferentes aspectos de ser uma banda canadense, se estabelecendo diante de outras bandas maiores e bem-sucedidas. Colocamos muito coração e alma neste disco e esperamos que as pessoas sintam isso. Me sinto pessoal e emocionalmente envolvida com estas músicas e com a mensagem por trás delas”.
O resultado agradou fãs e críticos – o Metal Injection, por exemplo, afirma que o álbum é praticamente perfeito, sem reclamações. “Time Stands Still tem algo para todo mundo curtir, mesmo que você não goste de power metal. Ele vai libertar você do calabouço de solidão no qual as bandas de death metal tentaram te prender”. Este crítico do JUDÃO que vos escreve teve rigorosamente a mesma sensação e coloca, lado a lado, este álbum ao lado do disco do Kamelot (igualmente power metal, igualmente único e diferente) como um dos melhores do ano.
Brittney — fanática por games, filmes de ficção científica e literatura de fantasia — se orgulha bastante do resultado do clipe do single de Tonight We Ride, mais uma no que vem se tornando uma tradição de vídeos épicos do grupo (basta ver o da faixa General of The Dark Army para entender o que quero dizer).
Aqui, no entanto, a Idade Média fica pra trás e a vibe é totalmente Mad Max clássico, justamente no ano em que um novo Mad Max com uma personagem como Imperator Furiosa onquistou o mundo.
“Gravamos no meio do deserto de Nevada, nos EUA, onde acontece o festival porralouca de contracultura Burning Man”, explica ela ao The Metalist. “Na verdade, trabalhamos junto com um grupo chamado Death Guild Thunderdome, que todos os anos param seus carros por ali e trabalham por horas para encenar a Cúpula do Trovão, como no terceiro filme. Eles foram incríveis de nos deixar usar seus carros – e Nathan Cox, o diretor do clipe, também faz parte do grupo. Foi muito legal”.