E até um dos próprios integrantes da banda concorda com isso, veja só, depois de uma DAQUELAS enxurradas de ROCKISTAS mais uma vez falando um caminhão de bosta
Apesar do tremendo sucesso comercial que hoje carrega em suas costas, é sempre importante lembrar que Billie Eilish é oficialmente a PRIMEIRA pessoa nascida nos anos 2000 a liderar as paradas de sucesso dos EUA na história. Digamos, portanto, que é mais do que preciso admitir que se trata de um BAITA feito para alguém com apenas 17 anos.
A maturidade artística da garota, que tá longe de entrar naquela estereotipada visão da lolita sexualizada de outrora, da jovem menina pura e inocente que fala com os cristãos ianques, faz dela uma espécie de anti-Britney Spears, marrenta, largadona, com uma cara de saco cheio eterna. E também faz as pessoas se esquecerem que ela nasceu em 2001. Mas disso o apresentador Jimmy Kimmel se lembrou muito bem quando a jovem esteve em seu programa de entrevistas, na semana passada.
A graça começou quando ele resolveu conversar com a cantora sobre coisas que eram hits na cultura pop quando ELE tinha 17 anos, lá em 1984. “Talvez o maior ano da história americana. Os especialistas concordam”, defendeu ele, brincando. “Quem nesta sala nasceu depois disso?”, provocou Billie, fazendo a plateia ir ao delírio. “Você consegue dizer o nome de um dos Caça-Fantasmas originais?”, questionou Kimmel. “Eu acho que nunca vi o filme”, retrucou ela.
E aí ele foi falando os nomes de alguns músicos de renome naquele ano, como Madonna e Cindy Lauper, que ela imediatamente reconheceu. “Preencha a lacuna: Run DM_”, mandou o host, sendo que a Billie não fazia ideia do que ele estava falando e tampouco entendeu que se tratava de um grupo de rap. O nome de Huey Lewis, o homem por trás de The Power of Love, icônica canção do filme De Volta para o Futuro, também sequer foi lembrado. Mas o que era graça virou, mais tarde, uma daquelas tretas nas redes sociais quando Kimmel perguntou se ela conseguiria dizer o nome de um integrante do Van Halen e Billie respondeu, na lata: “QUEM?”.
Esperamos, de verdade, que você não seja um daqueles que imediatamente reagem a esta notícia com algo do tipo “como assim ela não sabe quem é o Van Halen?”. E entendo, veja, que em alguns casos de pessoas acima dos 30 anos de idade esta reação quase espontânea nem seja por maldade. Mas imagine só o tipo de escrotidão que os ROCKISTAS velhacos, aqueles cujo estereótipo você sabe direitinho qual é, saíram dizendo por aí assim que descobriram que UAU, o mais novo ídolo da molecada dos dias de hoje não fazia ideia de quem diabos é a tal banda de hard rock indispensável.
Tá bom, 1984, o ano consagrado por Jimmy Kimmel, é igualmente o ano em que o Van Halen lançou o seu disco também batizado de 1984 (ou, no caso, MCMLXXXIV), última participação do vocalista David Lee Roth à frente da banda, um de seus maiores sucessos comerciais, que reúne hits como Panama, Hot for Teacher e o arrasa-quarteirão Jump. Muito legal. Mas sabe quanto tempo faz isso? 35 anos. Sem exagero. Pensa aí.
Aí, como tinha gente tentando justificar, “pô, ela não conhece nem Jump? Toca na rádio direto”. Então... rádio? Sério? Quem é que ainda ouve rádio, ainda mais tendo a idade dela? No Spotify, enquanto Jump tem cerca de 300.000 streams, bad guy, single campeão da cantora, tem quase 1 milhão. “Ah, mas o elenco de Glee fez uma versão de Jump super jovem, pop, moderninha”. Sabe quando foi isso? Em dezembro de 2009. Faz a porra de UMA DÉCADA, gente. A Billie Eilish tinha meros 7 aninhos, cacete.
O Van Halen é uma banda clássica incrível. Não tem nem o que dizer. Os riffs inesquecíveis de guitarra do Eddie influenciaram toda uma geração de músicos depois dele. Mas sabe o que a gente TAMBÉM não pode esquecer? É que o rock não é o umbigo do mundo musical. Nem tudo gira ao redor de guitarra, baixo e bateria. Mais do que isso, até: se você gosta de rock, mas assim, rock de verdade mesmo, já deve saber há muito tempo que tem MUITA coisa foda sendo feita HOJE dentro do próprio gênero, que não morreu nos anos 1960/1970/1980 como uma fatia dos ouvintes da Kiss FM parece acreditar. Agora imagina a quantidade de coisa foda que tem surgido também FORA do rock, numa boa? Ouça fora da caixa.
Nem todo mundo precisa conhecer os clássicos de trás pra frente, seja da música, do cinema ou da literatura. Ou, pelo menos, TODOS os clássicos. Nem todo mundo precisa gostar de rock clássico (o que é um conceito bastante elástico, sejamos sinceros, já que dependendo da sua idade, o Green Day, que explodiu com Dookie uma década depois deste disco do Van Halen sobre o qual falamos acima, é uma banda de rock clássico...).
Nem todo mundo precisa gostar DE ROCK, em primeiríssimo lugar.
Minha filha tem 16 anos e não faz ideia de quem diabos é o Van Halen. Ou o Metallica. Ou o AC/DC. Ela conheceu brevemente o Iron Maiden porque me ouviu falando muito do grupo, enquanto foi lá ouvir o Slipknot por conta de colegas de escola e curtiu. Mas o lance dela são mesmo bandas de pop/rock orientais, coreanas e japonesas, que cantam músicas de abertura de animes e cujos nomes eu simplesmente desconheço. Mas aí, olha só, minha mãe tem 67 anos. E também não faz a mínima de quem é o Van Halen. Ou o Metallica. Ou o AC/DC. Ela só sabe que são umas bandas “de caveira” que o filho adora. Porque bom pra ela é samba.
E Ray Conniff.
Não tem nada mais INSUPORTÁVEL na postura roqueira do que esta coisa de se posicionar como uma espécie de representante supremo da alta cultura, o herdeiro direto da música clássica, algo que você precisaria entender e apreciar caso queira entender o que é boa música — acima do pop, do funk, do sertanejo, do rap, de tudo que é “sub-música”. Mas vai se FODER um bocado.
Sabe quem saiu em defesa da Billie Eilish nesta situação? Vou te contar. Um cara chamado Wolfgang Van Halen. sabe quem é? Filho de Eddie Van Halen e sobrinho do baterista Alex Van Halen. E sim, atual baixista da banda que leva seu sobrenome. “Se você nunca ouviu falar da Billie Eilish, vá conferir. Ela é legal. E se você nunca ouviu falar do Van Halen, vá atrás deles. Eles também são legais”.
Do alto de seus 28 anos, o músico ainda disse uma frase maravilhosa em seu breve tweet a respeito do caso: “a música deveria nos unir, não nos dividir. Escute o que você quiser e não envergonhe os outros por não conhecerem aquilo que você gosta”. NA MOSCA, jovem padawan.
“Minhas filhas estão ouvindo Billie Eilish e se tornando elas mesmas por meio da música da cantora. Ela se conecta com as meninas. É o mesmo tipo de conexão que acontecia com o Nirvana em 1991. (...) Não me importa que instrumentos você use. Quando eu olho pra alguém como Billie Eilish, fico pensando, cara, o rock não está nem um pouco perto de estar morto”. A declaração aí é de ninguém menos do que Dave Grohl, o homem do Nirvana e do Foo Fighters, o sujeito que tem um zilhão de projetos e toca ao lado de músicos das mais diversas faixas etárias.
Se algum dia for lá descobrir o Van Halen, Billie Eilish pode gostar. Mas também pode odiar. Normal. Faz parte. Pro inferno com esta reverência automática — ainda que ela não saiba quem caralhos são os Beatles ou o Elvis Presley, tá tudo bem.
Desde já torcendo para ela fazer uma versão bem eletrônica e sussurrada de Ain’t Talkin”Bout Love. Do tipo que deixaria espumando um bando de tiozões que mal fazem ideia de quem é a Beyoncé.