A bossa argentina de Liniers desembarca em SP | JUDAO.com.br

Extensa exposição com a obra do quadrinista chega à capital paulista e de cara já mostra o quanto ele se tornou popular por aqui

“Eu gostaria de ter crescido lendo Rê Bordosa, li só adulto (risos), mas gosto muito”. A confissão é de ninguém menos do que Ricardo Siri, cartunista de 43 anos natural da cidade de Buenos Aires e conhecido principalmente pelo pseudônimo famoso: Liniers. Frequentador de Ubatuba durante as férias com a família (é onde mora o cunhado), o desenhista diz, em entrevista ao Opera Mundi, ter uma relação muito direta com o nosso país.

“Então, eu aceito qualquer desculpa pra ir ao Brasil, porque me divirto muito”, confessa, brincando (mas não muito).

Que Liniers tenha plena noção de que seu amor pelo Brasil é recíproco e verdadeiro – como revela a procura do público paulistano pela exposição Macanudismo: Quadrinhos, Desenhos e Pinturas por Liniers, sobre sua obra, que chegou neste final de semana à capital paulista.

Uma busca simples pela hashtag #Macanudismo no Instagram mostra dezenas de fotos entusiasmadas. Algumas, inclusive, com a imagem do próprio autor, que fez questão de pintar aqui para a inauguração.

Depois de passar por Recife, Rio de Janeiro e Brasília, reunindo públicos que ultrapassaram a marca das 90 mil pessoas, a mostra com mais de 650 obras, sendo 500 delas totalmente originais – incluindo não apenas tirinhas, mas também ilustrações e pinturas – desembarcou em São Paulo, no Centro Cultural Correios, onde fica até o mês de setembro.

Um dos principais destaques é uma entrevista com outro argentino célebre, o ator Ricardo Darín, queridinho do circuito de arte por aqui – e que acabou sendo transformada em HQ, com Liniers assumindo a alcunha do coelho de óculos que é sempre a representação do próprio autor.

A exposição carrega, obviamente, um nome derivado de Macanudo (algo similar a “muito legal”, na gíria dos pampas), a tirinha que Liniers publica no jornal argentino La Nación desde 2002 – e que, aqui no Brasil, sai na Folha de S.Paulo. Além disso, elas já foram publicadas por aqui também em OITO diferentes edições compiladas pela Editora Zarabatana.

Povoada pela menina Enriqueta e seu gato Fellini, pelo urso de pelúcia Madariaga, por pinguins (principalmente) e por uma série de outros animais, a tira Macanudo retrata de maneira fantástica algumas situações do cotidiano, com traço simples, delicado e bastante colorido, alternando um humor sutil e um pitada de melancolia.

1435940942_633543_1435945782_sumario_grande“Liniers integra o seleto grupo de autores argentinos de humor gráfico que caiu nas graças do gosto brasileiro. Quino e Maitena são as outras duas exceções”, explica Paulo Ramos, estudioso de HQs e escritor, responsável pelo livro Bienvenido – Um Passeio pelos Quadrinhos Argentinos, sobre a obra em quadrinhos dos nossos hermanos, num papo com o JUDÃO.

“Tendo a creditar a repercussão dele à qualidade das tiras, a uma linguagem mais universal das histórias e ao impacto acentuado pela internet e pelas redes sociais. Foi por conta disso que as tiras dele começaram a ser discutidas por aqui antes mesmo de serem publicadas em papel”.

O autor, no entanto, não acredita que o “desconhecimento” de outros autores argentinos se deva àquela tal da resistência a tudo que vem do nosso país vizinho, esta rivalidade futebolística com os hermanos que alguns insistem em trazer para a vida real. “Estranhava o fato de conhecermos tanto e em detalhes as produções norte-americanas, europeias e, mais recentemente, japonesas e quase nada a respeito de um país vizinho. Se os argentinos não tivessem uma produção na área ampla, ainda justificaria o desconhecimento. Mas ocorre justamente o contrário”.

Ramos acredita que o Brasil, culturalmente, sempre priorizou nos Estados Unidos e em alguns países europeus, nessa ordem, a preferência editorial pelo que deveria ser publicado por aqui. “Basta observar o volume de tiras e de revistas em quadrinhos com conteúdo norte-americano editado ao longo de todo o século XX. Na Argentina, essa influência foi menor. Não é de estranhar que lá a produção local, inclusive com histórias adultas e mais longas, tenha sido fomentada desde a década de 1950”.

Embora afirme que a extensa produção quadrinística na Argentina tenha resultado, ao longo dos anos, em muitos diferentes perfis de autores, Ramos consegue enxergar algumas tendências comuns. Um primeiro “bloco” de autores seriam aqueles como Liniers, que fazem uso do humor gráfico, em particular das charges e das tiras, para circular ideias que dialoguem de alguma forma com a realidade argentina.

“O segundo [bloco] seria o das histórias mais sérias, sejam elas longas ou não, pautadas nos trabalhos de Hector Gérmán Oesterheld, morto pela ditadura argentina na segunda metade da década de 1970. Ele cavou no país um espaço para roteiros de quadrinhos, seguido por outras gerações de escritores”, explica. “É algo que está no DNA do autor argentino e que só recentemente passa a ser trabalhado – e bem trabalhado, diga-se – pelos brasileiros”.

Liniers

Liniers

Além de Liniers, o escritor recomenda alguns nomes argentinos interessantes para que os leitores tupiniquins se aprofundem. Como Sendra, que produz uma série chamada Yo, Matías, que segundo ele se parece muito com Armandinho, de Alexandre Beck, publicada aqui no Brasil e um fenômeno de compartilhamentos em redes sociais.

“Os trabalhos de Fontanarrosa mereciam ser mais conhecidos no Brasil – alguns poucos chegaram a ser traduzidos. Gosto muito das tiras de Max Aguirre, intituladas Jim, Jam y el Otro. Gustavo Sala teve algumas de suas tiras publicadas na Fierro Brasil, mas há muito mais. Caloi, falecido há pouco tempo, desenhou por décadas o personagem Clemente, inédito no Brasil. Há uma sequência delas com recursos de metalinguagem que, por si só, já justificaria a busca por esse material”, conta.

“E há muito mais. Basta o leitor brasileiro querer descobrir”, fecha. O próprio Liniers acharia, aliás, macanudo. ;)

Macanudismo

Onde?
Centro Cultural Correios
Avenida São João, s/n
Centro – São Paulo/SP

Quando?
Até o dia 01/09
Terças, Quartas, Quintas, Sextas, Sábados e Domingos das 11h às 17h

Quanto?
Grátis