Bom humor, esperança, amor e soco na cara de nazista | JUDAO.com.br

Pronto, enfim a história que conectou Arrow, The Flash, Supergirl e Legends of Tomorrow cumpriu a promessa e foi REALMENTE integrada, com a maior cara de um filme de 4 horas — e com uma mensagem BEM importante por trás

SPOILER! Tá legal, vamos admitir, a gente gostou daquele crossover das séries DC / CW do ano passado, ainda que tenhamos sacado nitidamente as suas muitas escorregadas, sendo a principal delas a tal da história integrada e coesa não sendo tãããããão integrada e coesa assim — no episódio da Supergirl, Barry e Cisco deram as caras nos dois minutos finais pra buscar a Kara e em The Flash, Arrow e Legends of Tomorrow o que basicamente disseram foi um “temos um monte de convidados especiais, tem um lance com uns alienígenas rolando aí, mas este é um episódio da MINHA série”.

O crossover desse ano, por sua vez, chegou a fazer uma abertura especial para a tal Crisis on Earth-X e deixar temporariamente de lado tanto as introduções quanto os monólogos iniciais de cada uma das séries. A ideia era REALMENTE mostrar que aquilo era uma coisa só e que tava todo mundo empenhando em fazer acontecer. O resultado é mais do que divertido, com boas doses de ação mas também com muito coração e, vejam só, uma mensagem política direta e claríssima.

Sabe aquela coisa das muitas Terras paralelas que existe desde sempre no Arrowverse? Então. A tal Terra-X é uma delas. Um lugar odioso onde, durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas desenvolveram a bomba atômica, usaram primeiro e ganharam o conflito, dominando o mundo. Agora, décadas depois, eles querem ampliar seus domínios e atravessam para outra realidade — no caso, a nossa, onde está acontecendo neste momento o casamento de Barry Allen com Iris West, que por acaso tem entre seus convidados os principais integrantes do elenco de cada uma das séries. É isso aí, bem The Man in the High Castle meets CW mesmo, esquece algo meio Crise nas Infinitas Terras que o título + logo poderiam sugerir. Pode não ser assim tão criativo mas, diabos, é bastante efetivo.

Se temas como machismo, racismo e demais escrotidões do ser humano sempre foram abordados nestas produções do CW, aqui a coisa ganha uma proporção ainda maior, um verdadeiro combo que traça uma linha na areia e coloca os vilões — que você claramente pode entender também como aqueles manos que a mídia convencionou chamar de alt-right — de um lado e todos os seus heróis, sem exceção, do outro. “Uma coisa que não muda, não importa em que realidade estejamos, é a habilidade do ser humano em odiar um ao outro”, faz questão de lembrar o Dr. Martin Stein. Fato. Aqui, os nazistas vieram de outra Terra. Mas fica claro que eles também estão, infelizmente, muito presentes na NOSSA Terra também, devidamente fantasiados de políticos, líderes religiosos, sapos verdes, celebridades e afins.

Esta mensagem e este posicionamento, que deveria ser óbvio mas algumas vezes parece ter que ser explicado de maneira didática, mostra também um tipo de coragem indispensável nos dias de hoje, em especial pra galerinha que acredita que cultura pop não tem a ver com política, que uma série é SÓ uma série, esse tipo de coisa. É nessa hora que a gente se sente forçado, MAIS UMA VEZ, a comparar o que vem fazendo de positivo esta DC da TV com o que a DC dos cinemas ainda tenta encontrar, de maneira bastante vacilante. Porque, é sempre bom lembrar, um super-herói, uma super-heroína, é mais do que uma pessoa fantasiada distribuindo porrada. Eles são símbolos de esperança. E vivemos num mundo em que este tipo de força é ainda mais necessária do que uma rajada de energia cósmica.

Chega a ser arrepiante quando os heróis são levados para um campo de concentração na Terra-X e, entre os prisioneiros, encontram alguns com um triângulo rosa no uniforme. “Eu amo o tipo errado de pessoa”, explica ninguém menos do que Ray, o novo super-herói do CW a se tornar protagonista de uma série animada, tal qual a Vixen, a razão de estar ali com aquele símbolo. Ele namora o saudoso Capitão Frio, aka Leonard Snart, daquela outra Terra — e os dois formam, sério, talvez aquele que seja um dos casais mais legais deste quarteto de séries. Logo depois, outro momento que é um verdadeiro soco na cara: “Você é loira, de olhos azuis, raça pura, ariana. Por que você está aqui, junto deste bando de perdedores?”, pergunta o capitão nazista que tem a cara do nosso bom e velho Quentin Lance, justamente para Sara Lance, a Canário Branco, aquela que seria sua filha em nossa realidade. “Porque eu amo homens. Mas também amo mulheres”. Um soco tão eficientemente bem dado quanto aqueles que, ao longo dos quatro episódios, vão derrubar este bando de soldados nazistas na marra. Socos dados por um elenco que desde sempre tem um monte de mulheres, gays, bissexuais, negros, latinos.

E por falar em soco, temos que ressaltar aqui uma parte extremamente satisfatória, que é ver os nossos heróis socarem, dessa vez fisicamente mesmo, sem dó um bando de nazistas. “Eu odeio nazistas”, repetem praticamente todos os principais personagens em algum momento da história. “Eu soquei uns nazistas e foi tão bom quanto imaginei que seria”, afirma Alex Danvers, a irmã da Supergirl, depois da primeira luta com a bandidagem.

Um dos principais segredos do sucesso deste crossover aqui tá no timing, que foi justamente um dos principais vacilos do crossover anterior. Aqui tudo flui direitinho, sem precisar apelar pra correrias desnecessárias. Tem espaço para desenvolver em paralelo as tramas que tão rolando em cada uma das séries — a separação do Nuclear, o retorno do casal Olicity, a crise existencial da Supergirl — sem precisar exagerar, pesar a mão, tirar o foco da história principal. Não tem personagem sobrando aqui. O foco está em alguns protagonistas e o restante participa do jeito certo e na hora adequada. Não fica herói batendo cabeça com herói, dando um tchauzinho na cena só pra constar que esteve ali. Até neste sentido, neste tipo de utilização econômica do elenco, a história como um todo funcionou com uma precisão cirúrgica.

Na real, o acerto aqui é que você, que não está necessariamente assistindo às temporadas atuais de qualquer uma das quatro séries, precisa saber apenas o básico para assistir a Crisis on Earth-X e entrar no clima.

Deixando o fã de gibi falar mais alto aqui, é legal demais ver todo mundo unindo seus poderes, raios de fogo, rajadas de frio, gritos supersônicos e os caralhos todos, pra derrubar o robô com coração de kryptonita chamado Metallo. E é incrível acompanhar Ray e Flash se ajudando para impedir que o Tornado Vermelho (é, sim, ele mesmo, com um visual MUITO legal) destrua o QG dos nazistas antes que o time consiga abrir a passagem de volta para o nosso mundo. E, sim, é simplesmente sensacional quando, ainda no começo, o Arqueiro Verde chega de moto à cena, depois da Supergirl e do Flash terem aportado faz tempo e ficarem assobiando na espera, dizendo que “gostaria de lembrar sempre que eu não tenho supervelocidade, ok?”. Aí os três se juntam e, usando cada um suas habilidades, salvam um bando de operários em uma construção que a versão maligna da Garota de Aço ameaçou derrubar para poder encontrar tempo pra fugir.

Sabe quanto tempo eles passam lutando ENTRE eles? ZERO segundos.

Outra grande graça do negócio todo, as interações entre os personagens, com ou sem uniformes super-heroicos, também rola de maneira magistral. O inesperado relacionamento entre Alex e Sara, por exemplo, é um dos pontos altos dessa brincadeira, justamente porque cria uma situação que, ao mesmo tempo em que é incômoda o suficiente para se tornar cômica e arranca sorrisos da gente, tem impacto direto no momento de ambas as personagens e vai obviamente fazê-las crescer e se desenvolver em suas próprias tramas lá na frente.

E, no final, mesmo depois de tudo isso, este crossover ainda consegue nos fazer aquecer o coração com um casamento — que, de alguma forma, acaba acontecendo — e também nos derruba de tristeza com uma perda. Não uma daquelas mortes óbvias e genéricas, de um coadjuvante X, só pra dizer “olha, a batalha foi tão foda que teve até gente que morreu”. Pois quando um personagem tão querido como Martin Stein morre, com um ator como o veteraníssimo Victor Garber entregando tudo de si em suas últimas cenas, não tem como não chorar. É de partir o coração ver sua contraparte, o jovem Jax, aquele de quem todo mundo queria ser amigo um dia, ajoelhado no chão enquanto se debulha em lágrimas para contar à esposa e à filha do cientista que ele está morto.

Quando Crisis on Earth-X acaba, está claro que os heróis são REALMENTE heróis. Que eles entendem perfeitamente o seu papel neste ou em qualquer outro mundo. E que está história, tão interessante e intensa, vai ter reflexos claros em tudo que deve acontecer nos próximos episódios de todas as quatro séries — não tamos falando só de um “junta todos os heróis, eles vencem o vilão e aí vai cada um pra um canto, como se nada tivesse acontecido”. Mais do que um GRANDE ENCONTRO, o que aconteceu foi um imenso chacoalhão coletivo. Neles e na gente. Ainda bem.