Com base em tudo que ele andou escrevendo (e falando) nos últimos anos, definitivamente esta é a ÚLTIMA coisa que o Homem de Aço precisaria
Em 2014, durante uma sessão de perguntas e respostas para a revista Playboy, Frank Miller fez questão de deixar claro que não, não odiava o Superman, um papo que rolava nos bastidores do mundo das HQs desde o retrato quase fascista que fez do personagem em Cavaleiro das Trevas. “A HQ é contada sob o ponto de vista do Batman. Mas se você olhar para Cavaleiro das Trevas 2, verá um Superman mais sereno do que no primeiro. Batman e Superman são opostos absolutos. Eu adoro o Superman. Se eu amo mais o Batman? Eles não são pessoas, são só linhas numa folha de papel”.
Então, no ano passado, durante sua participação na New York Comic Con, ele bateu um papo com a Inverse e revelou que gostaria de levar o Superman de volta às suas origens, lá na Segunda Guerra Mundial. “O Superman precisa confrontar suas raízes judias e eu gostaria de escrever isso. Adoraria colocá-lo diante de um campo de concentração”. Criado pelos judeus Jerry Siegel e Joe Shuster em 1938, o Homem de Aço sempre foi considerado uma resposta direta à situação dos judeus na Alemanha durante o conflito, com paralelos tão aparentes que chegaram a fazer o próprio Joseph Goebbels se manifestar contra o personagem.
Aí, chegamos na Comic-Con de San Diego deste ano, quando Miller conta para os caras do Vulture que está escrevendo a sua versão para a origem do kryptoniano, do momento em que é descoberto pelos Kents em Smallville até a vida adulta. “Em Cavaleiro das Trevas, tive a chance de trabalhar com diversos personagens do panteão da DC, mas nunca tive a minha chance realmente significativa com o Superman”, explica. “No caso da DC Comics, que tem de longe a mitologia mais forte e mais rica, existem estes três pilares fundamentais que são Superman, Batman e Mulher-Maravilha. Todos os outros estão conectados a eles de alguma forma, o que é maravilhoso”.
A arte da publicação, em formato graphic novel com cerca de 100 páginas, será de John Romita Jr. Mas ainda não existe data prevista para o lançamento. O nome, no entanto, já tá confirmado pela DC: SUPERMAN – YEAR ONE. Tem até uma imagem teaser, olha aí.
Como o mundo dá voltas, não é? Se este anúncio fosse feito em uma outra época, daria pra dizer que era uma notícia FANTÁSTICA, estaríamos todos celebrando, é o autor de Batman – Ano Um agora fazendo Superman – Ano Um. Mas nos dias de hoje, NÃO, simplesmente NÃO, por favor NÃO. E isso por duas razões bem claras nesta equação: Superman e Frank Miller.
Vivemos num mundo estranho, em tempos sombrios. Um mundo no qual um BASTIÃO de luz e esperança faz uma falta tremenda. Um mundo no qual um personagem como o Superman é mais do que nunca a mensagem de união e superação que ele representa há décadas na cultura pop. Ou, bem, DEVERIA representar. Porque, se nos quadrinhos o papel do Homem de Aço está pouquíssimo claro desde que a DC Comics fez uma baita confusão em todos os seus reboots/renascimentos desde 2011, a situação nos cinemas não poderia ser pior, justamente porque o Superman de Henry Cavill não podia estar mais distante deste herói admirável, um ícone de altruísmo e otimismo. Tudo que vimos até agora é um Kal-El amargurado, sofrido, cara fechada, um Super bem pouco Super e bem mais sombrio. Bem mais... Batman. A promessa de Geoff Johns, teoricamente com mais poderes agora no que concerne aos DC Filmes, é trazer de volta esta faceta cheia de vida e de cor para o super-herói primordial. Ainda estamos esperando, no entanto, pós-incidente Martha.
Talvez o único Superman que se parece atualmente com o que o Superman REALMENTE devia parecer, sorridente, bem-humorado, iluminado, é a versão de Clark Kent na série da Supergirl — por mais que o sujeito tenha aparecido apenas alguns minutos no começo e depois no finzinho da última temporada. Mas, cá entre nós, como falamos assim que este segundo ano começou, a verdade é que a Kara de Melissa Benoist ainda faz muito mais para honrar o bom nome da casa El do que seu priminho famoso atualmente.
E, aí, entra nessa conta um cara como o Frank Miller, disposto a dar a sua visão pra origem do Supinho. E sabe lá o todo-poderoso Rao como diabos a DC encaixaria isso na cronologia, se é algo paralelo, se vão assumir como a nova versão oficial a la John Byrne com seu Homem de Aço lá em 1986. O ponto é que, não, levando em conta tudo que Miller escreveu e/ou falou de bosta nos últimos anos, este não é nem de longe o cara ideal para trazer o Superman que a cultura pop anda precisando de volta.
A gente chegou a comentar a respeito disso três anos atrás, quando o próprio Miller manifestou interesse em escrever uma HQ do Capitão América. Portanto, retomo minhas próprias palavras, que acho que ainda explicam bem a situação: “O sujeito tem um passado brilhante, criou obras memoráveis e, ao lado de Neil Gaiman e Alan Moore, se inseriu no panteão sagrado dos quadrinistas contemporâneos. Mas evoluiu bem mal, envelheceu porcamente. Não importa se Miller é um gênio ou apenas a sombra de um gênio. O que importa é que ele é um conservador assumido. E isso é um pé no saco. Vamos deixar uma coisa clara aqui: quando digo que Miller é um conservador, entenda que isso é bem mais grave do que dizer, como a geração de questionadores de sofá das redes sociais ama, que ele é um ‘coxinha’, um ‘quadradão’, um ‘reaça’. Esqueça os posts engraçadinhos do Facebook. A postura de Miller chega a ser assustadora”.
Tamos falando de um cara que diz que os jovens do movimento Occupy, que tomaram o centro financeiro de Wall Street para protestar contra a situação social e econômica do país, deveriam estar no exército, combatendo a Al-Qaeda e o islamismo (!!!). Não sei vocês, mas eu não tenho qualquer interesse em ver um cara destes apresentando ao mundo a sua versão do Superman, colocando ele diante de um campo de concentração ou qualquer coisa do gênero. Se você leu Holy Terror e ficou aterrorizado com o maniqueísmo babaca da trama, já imagina o quão apavorante é sequer imaginar esta situação com o Homem de Aço no papel principal.
Há quem defenda que, nos últimos anos, depois de tudo que APARENTEMENTE aconteceu com ele (porque, apesar de jamais ter tocado no assunto publicamente, a degradação da aparência física de Miller é mostra clara pra qualquer um de que o cara passou ou ainda passa por algum problema gravíssimo de saúde), ele teria mudado. A ficha teria caído.
“Certa vez, brinquei com o Alan Moore. Eu fiz Cavaleiro das Trevas, ele fez Watchmen, e logo depois começaram a fazer este monte de heróis sombrios”, disse ele, em entrevista publicada durante a Comic-Con, semana passada, pelo Deadline, depois de se derreter em elogios aos filmes da Mulher-Maravilha e do Homem-Aranha. “Eu disse ‘Alan, a gente arruinou tudo. Ninguém mais está se divertindo’. E ele disse ‘você tá certo, Frank’. Meu sentimento agora é que o cinismo puro é um refúgio, um lugar para onde os covardes vão. Você tem que repelir isso com idealismo e propósito. O trabalho que estou planejando pro futuro... as pessoas podem ficar desapontadas com o qual não cínico ele é”.
Estaria Miller já se referindo ao ano um do Superman? Gostaria, de coração, que isso fosse real, acredito que as pessoas podem evoluir, escutar, aprender. E eu, sendo bem franco, amaria dar esta segunda chance pra ele, pensando principalmente em tudo que o camarada escreveu de genial na vida. Tenho o meu lado Poliana. Maaaaaaaas HOJE, neste momento específico, tenho os dois pés atrás com tudo que ele disse nos últimos anos. E o que escreveu. E o que colocou na rua. E isso não é nada bonito. É muito mais letal para o legado kryptoniano do que qualquer kryptonita verde. Ou vermelha. Ou azul.
Se um novo Frank Miller assumir o passado do Superman, OK, lindo, vamos aí ver no que vai dar. Mas se estamos falando do Frank Miller que andou mostrando a face mais escrota possível nos recônditos obscuros e nojentos da cultura pop, obrigado, eu dispenso. Fico aqui com o Legado das Estrelas do Mark Waid e já tá ótimo pra mim.
No fim, agora o cínico sou eu.