Pois é: as tretas pelo nebuloso mundo da música digital não param no MP3 e tampouco nas ferramentas de streaming
É engraçado como, nos últimos anos, parece que enfim as grandes gravadoras abriram os olhos para toda a complexa questão da música nos formatos digitais. Claro que demorou mas, porra, ia acontecer em algum momento. Não dava mais pra ficar naquela postura reativa de “ai, o MP3 é do mal, chamem nossos advogados para processar aquele moleque que baixou 2.000 músicas” para sempre. O comportamento do consumidor mudou. Ou o mercado entendia isso ou estava fadado a ser estrangulado.
Isso não significa, é claro, que a movimentação que as grandes gravadoras fizeram nos últimos anos para tentar entrar na roda da música digital tenha sido sempre a mais acertada, né? A palavra “grátis”, de uma forma ou de outra, ainda incomoda executivos e seus principais – e mais rentáveis – artistas. Vale lembrar, por exemplo, todas as ressalvas que nomes como Taylor Swift levantam contra os modos “sem pagamento, mas com propaganda” pelos quais é possível ouvir Spotify, Deezer e afins.
Scott Borchetta, presidente do selo Big Machine Label Group, que produz os discos da cantora, diz: “Não tem como o serviço ser grátis para sempre. Dê um teste de 30 dias sem cobrar e depois faça o usuário converter automaticamente para o modelo pago”. Para ele, este modelo é equivalente a deixar a galera baixar os seus MP3 livremente por aí.
Se a treta já é grande aí, o que dizer, então, da maior plataforma de vídeos do mundo? Aquela que, mesmo com a chegada dos serviços de música por streaming, ainda serve como um imenso serviço de rádio pra muita gente, que monta seus playlists e vai ouvindo centenas, milhares de faixas disponíveis, tanto separadas quanto reunidas em arquivos com discos inteiros?
Aquele mesmo que, de acordo com reportagem publicada pelo New York Post, está prestes a sofrer um duro golpe desferido pela indústria musical. Fontes das gravadoras Universal, Sony e Warner ouvidas pelo jornal afirmam não estar nem um pouco satisfeitas com o formato de “parceria” com o YouTube, que se baseia essencialmente em “o acesso é 100% livre e a gente te remunera pela propaganda que aparece nos seus vídeos”. A intenção seria arrancar seu material de lá, migrando esforços para apoiar iniciativas em outros players deste mercado, como o site de vídeos Vessel ou mesmo o aplicativo Snapchat.
“Eles [YouTube] não são sérios sobre monetizar a música em favor dos criadores e, como resultado, as empresas estão percebendo que têm que colocar um ponto final nesta relação atual”, afirmou um veterano da indústria para o NYP. “Quando você olha para como a música ganha dinheiro na internet, do mais baixo para o mais alto, o YouTube está sempre na parte de baixo”, afirmou outro executivo ouvido pela reportagem. Claro, as gravadoras sabem que este é um movimento radical e arriscado em uma plataforma na qual arrancar um vídeo significa que uma pessoa qualquer pode ir lá e subir em sua própria conta. Afinal, são mais um bilhão de usuários enviando 300 horas de vídeo por minuto.
E eles (assim como nós) sabem bem que as iniciativas de detecção de material protegido por direitos autorais do YouTube não são exatamente à prova de falhas, tanto de um lado quanto do outro. Por mais que o YouTube se orgulhe em dizer que “investimos dezenas de milhões de dólares em Content ID, nosso sistema de gerenciamento de direitos autorais. O resultado é que, desde 2007, pagamos mais de um bilhão para parceiros que optaram por gerar receita com as reivindicações deles por meio do uso do Content ID”.
A coisa pegou ainda mais fogo na última semana, quando o Google soltou um comunicado revelando que o tempo médio gasto vendo vídeos no YouTube tinha aumentado 60% no último trimestre, o maior crescimento nos últimos dois anos, e o tempo médio gasto vendo vídeos no YouTube em dispositivos mobile mais do que dobrou se comparado com o ano passado. Uma estimativa do banco especializado em investimentos Morgan Stanley afirma que os rendimentos do YouTube em 2015 chegarão a US$ 6,6 bilhões – um crescimento de 38% com relação a 2014.
E é este o calcanhar de Aquiles desta relação com as gravadoras – que afirmam não saber o quão vantajoso financeiramente foi um vídeo como Gangnam Style, do sul-coreano Psy, com seus mais de 2,4 bilhões de visualizações, neste modelo de remuneração por exibição de propaganda. A remuneração que o YouTube paga é no chamado esquema de CPM – custo por mil. Cada mil vezes que um banner (ou outra forma de propaganda, como os vídeos que aparecem antes dos vídeos, dando para pular ou não) aparecer em um vídeo, o anunciante paga uma determinada quantia. Desta quantia, uma parte é do YouTube e outra do dono do vídeo – desde que ele seja produtor de conteúdo original, como o canal oficial de uma gravadora ou de um músico, e faça uso do chamado AdSense do Google, que muitos já conhecem bem.
O valor desta “determinada quantia”, no entanto, pode variar bastante – porque ele vem da venda de publicidade feita pelo Google, que funciona num complicado esquema de leilão (quer entender mais? Clica aqui). No entanto, alguns parceiros de maior tamanho conseguem fechar contratos especiais com o Google/YouTube para negociar uma venda diferente de publicidade. É o caso, por exemplo, do Porta dos Fundos – que já afirmou algumas vezes que paga praticamente toda a sua operação apenas com a grana que ganha com publicidade no YouTube. Só que este não é um formato que anda agradando as gravadoras.
“Eles controlam tudo: a política de privacidade, o canal de vendas, os pagamentos”, diz um executivo da indústria musical. “Eles são um dos piores parceiros, e isso é uma grande fonte de frustração”.
O Google, claro, se defende – e afirma que o YouTube pagou “bilhões” de dólares para a mundo da música nos últimos anos e que a remuneração destes parceiros crescer 50% anualmente nos últimos três anos.
Os embates entre YouTube e as gravadoras não são de hoje. Em 2012, por exemplo, a plataforma acusou Sony, Universal e RCA de usarem “métodos” para inflar os números de visualizações de seus vídeos, ganhando destaque e ampliando a remuneração publicitária. Como os tais métodos eram considerados ilegais (“Caso as visualizações dos vídeos sejam consideradas artificialmente aumentadas, usando spam ou programas suspeitos, o vídeo e o canal podem ser suspensos”, diz o YouTube em seus termos de uso), o Google foi lá, passou o facão, e tirou das três grandes mais de 2 bilhões de visualizações.
Por outro lado, o YouTube faz de tudo para ajudar em iniciativas como o Vevo, canal de vídeos que funciona como uma joint venture de Universal, Sony e a Abu Dhabi Media, trazendo conteúdo musical e de entretenimento de outras gravadoras como a EMI e as integrantes da Disney Music Group. Desde que o perfil oficial do Vevo foi ao ar, em 2009, a promessa do YouTube era de que “todos as versões de vídeos do Vevo carregadas pelos usuários sem a permissão devida seriam censuradas e/ou excluídas”. Até então, pelo menos, a promessa parece estar sendo cumprida.
Recentemente, as gravadoras se uniram com a Apple e lançaram uma espécie de ofensiva contra os serviços que fazem uso deste expediente “gratuito” usado de maneira irrestrita, incluindo na mesma leva YouTube, Deezer e toda a galera. Era óbvio, no entanto, que a Apple vinha respaldada pelo lançamento do seu tão aguardado Apple Music – aquele mesmo que, ironia das ironias, meses depois levou umas cacetadas da mesma Taylor Swift por conta do período gratuito de testes que a Apple liberou para novos usuários.
Por falar nisso, aliás, o YouTube também tem o seu serviço de música por assinatura, sabiam? O Music Key, lançado em novembro do ano passado e ainda em formato beta, disponível apenas nos EUA. A promessa é das boas: música sem propaganda e ainda a possibilidade de ouvir suas faixas mesmo sem estar conectado à internet, quando mudar/travar a tela ou ainda quando começasse a usar outro aplicativo (no caso do celular). Tudo por US$ 7,99 mensais (valor promocional, que depois deve aumentar para US$ 9,99) e incluindo ainda uma assinatura no serviço Google Play Music.
Uma coisa é preciso dizer: a promessa é das boas, veja, para os usuários. Porque obviamente as gravadoras não parecem lá muito empolgadas com a brincadeira. Antes do lançamento, o Google esteve numa baita queda de braço com a agência Merlin, que representa mais de 2 mil selos independentes de música como XL Recordings, Epitaph e Domino. A Merlin não estava satisfeita com os termos de licença do novo serviço e queria ficar fora da brincadeira. Aí o YouTube usou seu lado “gigante de mídia” e bateu no peito: ameaçou bloquear os vídeos dos artistas representados pela Merlin, como Artic Monkeys e Adele. Logo todo mundo acabou chegando num acordo.
“O Music Key é uma farsa”, diz claramente um executivo, desconfiando deste tempo todo em que a ferramenta ainda está como beta. Novamente, o YouTube tenta se defender. “O lançamento oficial será ainda este ano e ficou este tempo todo em beta para melhorar o produto antes de sua estreia”. Hum. Sei.
Vamos esperar para ver o que a Taylor Swift tem a dizer sobre ele. ;)
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