A história (quase) secreta de Apollo Creed | JUDAO.com.br

O maior adversário de Rocky Balboa possui uma carreira na ficção que é tão grande quanto a dos grandes nomes do boxe da vida real

Creed: Nascido para Lutar é, ao mesmo tempo, a continuação da saga de Rocky Balboa e a história de Adonis Creed. O sobrenome, claro, você conhece. Donnie é filho de Apollo Creed, antagonista dos dois primeiros filmes do Rocky e, depois, parceiro do cara.

Ok, todo mundo sabe mais ou menos o que rola nos filmes: Apollo é aquele campeão mundial de boxe que resolve enfrentar o UNDERDOG Garanhão Italiano, “ganha mas não vence” e enfim.

Creed, o pai, foi um personagem criado pelo Sylvester Stallone – que assina o roteiro dos seis primeiros filmes da série – com clara inspiração num campeão mundial de boxe da vida real, Cassius Clay Jr ou, como ele preferiu ser chamado, Muhammad Ali. Como Creed, Ali foi campeão dos pesos-pesados nos anos 60 e 70, ficando famoso por seu estilo que, como ele mesmo definia, era de “flutue como uma borboleta, pique como uma abelha”. Seus reflexos eram rápidos, tinha grande velocidade com os punhos e um excelente trabalho de pernas.

Outra característica de Ali que não só influenciou Apollo, mas, de certa forma, todos os lutadores que vieram a seguir, é o chamado “trash talking”. O campeão ficou famoso por provocar e irritar seus adversários antes e até mesmo durante as lutas.

Rocky e Creed

Pouco se sabe sobre a origem do Apollo, mas ele começou em Los Angeles, treinando no Tough Gym, no centro da cidade. Ele entrou para o circuito local ainda no final da década 1960, como aponta o game Rocky Legends, considerado canônico. Uma dessas primeiras lutas é justamente contra Tony “Duke” Evers, o boxeador já em fim de carreira que, ao ser derrotado por Apollo, acaba se transformando em seu treinador.

Com o treinamento correto, Apollo começa a ir longe – e vai colecionando apelidos. Além de DOUTRINADOR na versão Brasileira, o lutador passa a ser chamado de nomes como The Dancing Destroyer, The Master of Disaster, The King of Sting e tantos outros.

Nos anos 1970, Apollo estava no auge. Ele passou a maior parte do início da década como Campeão Mundial dos Pesos-Pesados, reunindo os dois cinturões existentes na época (que, na vida real, eram do Conselho Mundial de Boxe, o WBC, e a Organização Mundial de Boxe, a WBO). Em 1975, ele já possuía um retrospecto invejável: 46 lutas, zero derrotas, todas as vitórias por KO. O que fazer pra continuar surpreendendo? Aí que veio a primeira grande ideia...

Em 1976 seriam comemorados os 200 anos da independência dos Estados Unidos. Apollo Creed percebeu que esse era o grande mote pra uma luta histórica, comemorando o bicentenário ao enfrentar o desafiante número um do ranking, Mac Lee Green, na Filadélfia – justamente a cidade na qual foi assinada a declaração de independência. Faltando cinco semanas pro confronto, que seria em 1º de janeiro (aproveitando o FERIADÃO), Green teve uma fratura e estava fora de combate. Com pouco tempo de preparação, nenhum dos outros lutadores do topo do ranking estava disponível ou queria se arriscar a enfrentar o campeão sem o preparo necessário. Cancelar a luta era algo fora de questão, já que o próprio Apollo tinha investido mais de US$ 1 milhão na divulgação. Foi aí que surgiu a segunda ideia genial do campeão: pegar um pugilista local, um underdog, pra reafirmar naquele bicentenário que a “América é a terra da oportunidade”. E assim foi.

Rocky foi escolhido pelo próprio Apollo não pela técnica ou pela qualidade, mas simplesmente por ser de origem italiana e ter o apelido de Garanhão Italiano. “Quem descobriu a América foi um Italiano, certo? Então vou enfrentar um de seus descendentes!”. Porém, o campeão não levou em consideração que Rocky era canhoto – o que sempre atrapalha para lutadores destros – e passou mais tempo se preocupando com a divulgação do confronto do que com os treinamentos.

Creed

De um lado, um campeão cheio de SOBERBA. Do outro, um lutador pouco conhecido, mas com bastante vontade e que treinou muito. Pela primeira vez, uma disputa de cinturão de campeão mundial da categoria chegava ao 15º e último round, com Apollo vencendo por decisão dividida dos juízes.

Isso nunca havia acontecido antes.

Foi o suficiente para Apollo perceber que tinha um adversário à altura. Se, antes da luta, ele falava brincando em aposentadoria (afinal, ele já tinha 33 anos), depois dela só conseguia pensar na revanche. Pra piorar, a opinião pública fica do lado de Rocky, acreditando que os juízes foram tendenciosos para o então campeão.

A nova luta entre os dois aconteceu em Rocky II, no Dia de Ação de Graças de 1976 — e recebeu o nome de The Superfight II. Dessa vez, Apollo levou o treinamento a sério, mas Balboa também teve mais tempo para se preparar. Isso incluiu uma nova estratégia do treinador dele, Mickey: lutar como um destro, confundindo o adversário e usando a mão esquerda apenas no final da luta. O combate mais uma vez chega aos 15 ASSALTOS, mas nem Rocky nem Apollo (que provavelmente venceria por pontos) queriam ver novamente a decisão nas mãos dos juízes. Ambos então trocam seus melhores socos e vão pra lona. Ao mesmo tempo. Rocky é o único que consegue levantar antes do fim da contagem, conseguindo o tão sonhado título mundial.

Rocky wins

Rocky wins

Apollo se aposentou com uma incrível marca de 46 vitórias e apenas uma derrota — ainda assim, como fica claro em Creed, Rocky não considera que o adversário tenha perdido — lembrando que, no boxe, empate é algo extremamente raro, que pode acontecer apenas quando os juízes atribuem o mesmo número de pontos quando uma luta atinge o tempo máximo de rounds.

Aposentado, Apollo passou a comentar lutas na televisão, inclusive estando presente quando Rocky perdeu para Cubber Lang. Com a morte de Mickey, Apollo em pessoa passa a treinar Balboa, incluindo aí o bordão que passa a ser a frase-chave de Rocky III, “Olhos de tigre”, embalado com a clássica música do Survivor. Claro que Rocky acaba vencendo Lang, recupera o título mundial e, pra encerrar toda e qualquer discussão, ambos terminam o terceiro filme numa nova luta, sem público, amigos, família ou imprensa. Apenas para os dois que, finalmente, eram amigos.

Apollo continuou fora dos ringues até 1985, quando o pugilista russo Ivan Drago foi até os Estados Unidos para promover a superioridade da União Soviética. Como Drago era amador – não existia esporte profissional na URSS –, foi organizada uma luta de exibição contra Apollo Creed.

Era pra ser uma disputa festiva em Las Vegas entre um amador contra um aposentado de 42 anos. Porém, enquanto o Rocky treinava socando carnes congeladas no açougue, Drago tinha ao seu lado o melhor da tecnologia na hora de treinar, além de usar anabolizantes. Era, de forma bem clara, uma crítica ao “amadorismo profissional” dos atletas da União Soviética, que dominava os Jogos Olímpicos.

Apollo 4

A luta acaba sendo um massacre. Rocky chega a pegar a toalha pra jogar e parar o combate, mas ao ouvir o grito de “não” do amigo, desiste. Apollo acaba morrendo, deixando a esposa Mary Anne e dois filhos, sendo que um terceiro, do qual ele nunca saberia da existência, estava pra nascer.

Eventualmente, Rocky iria pra União Soviética para enfrentar – e vencer – Drago. Essa foi a única derrota do russo: de acordo com o livro Rocky: The Ultimate Guide, Drago chegou a se profissionalizar após o fim da Cortina de Ferro, alcançando a marca de 31 KOs e nenhuma derrota.

De qualquer forma, nem Ivan Drago ou Rocky Balboa conseguiram repetir os feitos de Apollo Creed. Foram no total 47 lutas oficiais, com 46 vitórias, lutando como campeão mundial por cerca de cinco anos. Não é pouco.