Ela pode ter sido a melhor coisa que já aconteceu para as Velhas Virgens | JUDAO.com.br

Ela se chama Juliana Kosso é uma cantora que diz que não tem frescuras, ego inflado e que é mais macho que muito homem — além de cantar pra caralho, em trocentas bandas.

Desde que surgiram oficialmente no mercado musical, em 1994, tornando-se uma verdadeira instituição do cenário do rock independente brasileiro, as Velhas Virgens enfrentam a acusação de serem uma banda sexista. As letras irreverentes, que misturam altos graus de bebedeiras com sexo descrito abertamente, de fato estão longe de ser, digamos, politicamente corretas – Abre Essas Pernas, seu maior hit, costuma ser usada como o maior exemplo por seus detratores.

Mas o lance é que, embora muita gente que não acompanha de fato o trabalho dos caras pareça não saber, eles têm historicamente dois vocalistas. E um deles, que divide os palcos com o desbocado e pouco sutil Paulão de Carvalho, é uma mulher. No caso, atualmente é Juliana Kosso, nascida e criada em Jundiaí, numa família que a fez beber numa fonte de referências à base de Led Zeppelin, Kiss e Black Sabbath.

Ela diz que não concorda com o rótulo da banda e afirma que rigorosamente nada a incomoda, enquanto mulher, no cotidiano da banda. “Não falamos só de sexo, do cara, da mina, mas de inúmeras situações. As Velhas falam na lata, sem rodeios”, afirma, em papo exclusivo com o JUDÃO. “É interessante enxergar a banda com os olhos cheios de humor, sem escudos, porque ela foi feita principalmente pra se divertir”.

Juliana diz que as pessoas já têm tanto problema com a vida e acredita que é bom ir pra um show e extravasar. “Mandar à merda, gritar, ser livre, xingar tudo que você vive engolindo no dia a dia”. Pra ela, cada artista tem que fazer da sua arte o que bem entender. “Trabalhar com arte é liberdade de expressão, fico bem sendo livre e sendo o que quiser no palco. (…) A putaria existe em qualquer parte, mas falar de putaria em verso e prosa mesmo que não seja com muita classe, mas com inteligência, é o nosso diferencial”, explica a cantora. “Não agradamos a todos e nem sempre podemos fazer parte de um almoço de domingo de família, com a galera ouvindo Velhas Virgens... Tudo tem o seu devido lugar”, brinca.

Integrante do grupo há cerca de sete anos, tornando-se oficialmente a vocalista feminina há mais tempo com os caras (antes dela, passaram pelo line-up Claudia Lino, Roberta Schwantes e Lili), Juliana já gravou cinco discos com a banda, entre álbuns de estúdio e registros ao vivo. Sua carreira musical começou cedo, na segunda formação do grupo infantil A Patotinha. Em 1997, ela deixaria a veia roqueira falar mais alto e se tornaria vocalista da banda chamada Coyote (depois renomeada para Unika). Foi neste projeto, que teve certa visibilidade graças ao apoio da Sony Music, que acabou esbarrando com Paulão, entre uma participação especial e outra – e foi dele que partiu o convite.

Foto: Aurélio Vinícius / Flickr

Foto: Aurélio Vinícius / Flickr

A chegada de Juliana nas Velhas deu à banda, digamos, uma roupagem diferente. A diferença fica nítida nas apresentações ao vivo. Mais do que a sensualidade de uma dançarina rebolativa sussurrando provocante, para delírio dos marmanjos meio bebuns, ela esbanja atitude. “Nunca fui uma pessoa que só usava a sensualidade em primeiro plano. Pra mim, isso é uma coisa que tem que ser natural da mulher, sem forçar a barra”. Ressaltando que cantar vem sempre em primeiro plano, ela diz que sofre uma verdadeira metamorfose no palco. “Na terceira música, já estou descabelada, sem batom...”, diverte-se, com a falta de glamour. Ela explica ainda que o lance de ser sensual faz parte da entrega às personagens de cada música. Sim: ela admite que interpreta não apenas uma, mas várias personagens ao longo do shows. “Não penso em ser sensual o tempo todo e sim fazer um bom trabalho, cantando”.

“Não penso em ser sensual o tempo todo e sim fazer um bom trabalho, cantando”

Com personalidade e senso de humor, ela assume o papel que outrora foi de Paulão em algumas canções, dando-lhes uma intenção diferente. Na balada de dor de cotovelo rasgada Não Vale Nada, ela canta com o coração na ponta do microfone, tirando aquela incômoda carga de “macho bêbado puto da vida porque tomou um pé na bunda”. Em B.U.C.E.T.A. ela mistura doçura, sedução e momentos de fuleiragem total e completa, deixando claro que as mulheres também gostam, como diz a própria letra, de foder (que os paulistanos dizem “fuder”).

E tem, claro, a questão de Abre Essas Pernas – dueto com Paulão que Juliana defende como uma música diferente do que as pessoas entendem, em especial por causa do final, quando a garota aceita sexo em troca de dinheiro. “Vejo a letra como o retrato de uma pessoa que esconde suas vontades e passa a vida enganando a si mesma”, diz. “Não vejo como algo extremo, pois já conheci muita cara de boneca sendo pior que o capeta e passando a perna em muitos por aí. Pessoas enganam bem, mas uma hora a máscara acaba caindo. Ali contamos uma história de um cara com tesão e a mina se fazendo de difícil...só que não! Isso acontece tanto por aí. É o famoso não julgue um livro pela capa”.

Juju e Paulão no histórico show de Porto Alegre

Juju e Paulão no histórico show de Porto Alegre

Quem escuta o disco ao vivo em Porto Alegre, lançado em 2012 para comemorar os 25 anos de atividade das Velhas, percebe que Juliana deu uma carga especial a esta faixa também. No final, ela reage aos tradicionais gritos de “Puta! Puta!”, xingando a plateia de todos os palavrões disponíveis no seu repertório... e arranca gritos delirantes dos homens e principalmente das mulheres, todos ao mesmo tempo empolgados e surpresos com o ataque de poder feminino, do tipo “eu faço o que eu quiser e foda-se”, como deveria ser sempre.

Ela ainda lembra de um discurso que o próprio Paulão fez neste mesmo show no Bar Opinião, na capital gaúcha. Em Siririca Baby, já completamente de porre, ele abre espaço para o seu stand-up comedy pessoal, incentivando os casais presentes a fazerem uma sessão conjunta de masturbação para satisfação dos respectivos parceiros. E a partir do direito que todos têm de sentir prazer, começa o discurso. “Homens, mulheres, viados, sapatões, samambaias, pouco me importa o que você faz para ser feliz. Aqui no Brasil, o cara vira senador e deputado para falar mal de negros e minorias. Eleitos pelo povo! Vamos nós todos parar com esta merda de preconceito e tratar todo mundo com igualdade”.

Além das Velhas, Juliana tem também pelo menos três projetos paralelos: uma banda em homenagem à Cássia Eller, um grupo tributo de clássicos do rock chamado Juliana Kosso Rock Band (que toca desde AC/DC até Scorpions) e a banda autoral Estranhos no Paraíso, junto com o guitarrista e fundador das Velhas, Ale Cavalo, e com seu produtor, o conceituado Paulo Anhaia (ex-MonsteR), no baixo – fazendo um som mais pop, mais delicado, mais sentimental.

O segredo pra tanta vitalidade e vontade de tocar? “Eu não tenho frescurite, não tenho ego inflado”, admite. “Tenho história de vida, fiz muita correria na minha vida como cantora e ainda faço. Creio que isso sejam atributos pra entender que pra fazer rock no nosso país tem que ter pau duro”, carimba, pra depois completar: “O meu é imaginário – e eu sou mais macho que muito homem”.

Rita Lee e Pagu aprovariam.