Netflix resolveu testar velocidades diferentes de exibição de séries e filmes e seus criadores não gostaram nada disso | JUDAO.com.br

Serviço de streaming de Los Gatos, assim como a Disney, parecem cagar e andar pra algumas das responsabilidades que seus poderes trouxeram.

Não faz muito tempo que as redes sociais Brasileiras mergulharam por algumas horas numa polêmica envolvendo a velocidade de reprodução de podcasts. De um lado, produtores que afirmavam que gastavam horas de edição e roteiro para que, do outro, o público “desrespeitasse” o trabalho feito, apertando o play e clicando naquele 1.5x ou até 2x.

É aquela coisa: o público consome as coisas do jeito que bem entender. O azar é dele, e só dele, se ele resolver ouvir aquela história em metade do tempo, já que tem outras tantas de outros tantos podcasts pra ouvir naquele mesmo dia. Ao mesmo tempo, isso pode ser de fato útil, especialmente em podcasts de conversa e entrevistas — a informação vai ser passada do exato mesmo jeito... só um pouco mais rápido.

Uma vez que se pode fazer quase que literalmente QUALQUER COISA em / com um podcast, todos os tocadores e agregadores tem uma função que permitem esse adianto. Talvez seja o caso de cada produtor deixar claro que aquele programa e/ou episódio funciona melhor na velocidade normal e tal. Lembra aquela história de “esse site é melhor visualizado em resolução 800×600 ou superior”? É mais ou menos por aí.

Há alguns tipos de conteúdo, porém, que isso é de fato um absurdo — e o “desrespeito” ao criador acaba sendo o de menos, já que a experiência pode acabar sendo completamente estragada. Música, por exemplo, um iTunes da vida, um Spotify, você não consegue dar play e aumentar a velocidade de reprodução. Um DJ consegue fazer isso, sim, mas um bom DJ faz de maneira que fique absolutamente imperceptível ou que não incomode os ouvidos, já que no fim das contas a ideia é dançar.

Num filme, numa série de TV, isso é absolutamente impensável de qualquer maneira, especialmente porque o tempo — e tudo o que faz ele durar aquele tanto — faz parte da narrativa. Pode ser ruim, pode ser bom. Pode ser muito rápido, pode ser muito lento, mas isso não é problema nosso, é erro / acerto de quem pensou aquilo pra ser daquele jeito e o fez deliberadamente, com roteiro, direção, edição.

É por isso que a história de que o Netflix — que, vamos sempre nos lembrar, antes de qualquer coisa é uma empresa de tecnologia que tem objetivos muito claros e a ideia de “arte” não está entre os principais — está testando uma opção de reprodução em velocidade diferente da original tem deixado tanta gente ENLOUQUECIDA.

Com razão.

“Não Netflix, não. Não me faça ligar pra todo diretor e criador de séries na Terra pra tretar com você sobre isso. Poupe meu tempo. Eu vou vencer, mas vai demorar um bom tempo”, jogou Judd Apatow em seu twitter. “Não foda com o nosso timing. Nós damos a vocês coisas legais, deixe-as da maneira que elas foram feitas pra serem vistas”.

Apatow ainda respondeu a alguém que afirmou que a maioria do conteúdo do Netflix não dá pra ser chamado de “arte” e por isso essa reação seria só coisa de ranzinza. “Não, não é assim que funciona”, respondeu o diretor e produtor. “Distribuidores não podem mudar a maneira como nosso conteúdo é apresentado. Isso seria uma quebra de confiança e não seria tolerado por quem faz. Deixe as pessoas que não se preocupam com isso colocar nos seus contratos que não ligam. A maioria liga”.

Brad Bird, que você talvez conheça por ser o diretor de Os Incríveis, Ratatouille e O Gigante de Ferro, disse que essa é mais uma “espetacular ideia ruim, mais um corte à já sangrenta experiência cinematográfica. Por que apoiar e financiar as visões dos cineastas de um lado e depois trabalhar pra destruir a apresentação desses filmes em outro?”.

Recentemente um grande ENTUSIASTA do serviço de streaming por conta de El Camino e BoJack Horseman, Aaron Paul também não curtiu a ideia. “Parem. (...) Não há maneira de que o Netflix continue com isso. Isso significaria que eles estão assumindo o controle da arte das outras pessoas e destruindo-as. Netflix é muito melhor que isso. Certo, Netflix?”

À Variety, um porta-voz do serviço de streaming afirmou que “estamos sempre procurando novas maneiras de ajudar nossos fãs a curtir o conteúdo que eles amam, então nós estamos testando as velocidades de playback em aparelhos mobile. Nossos testes geralmente variam em quanto tempo eles duram e em quais países acontecem e podem ou não se tornar permanentes no nosso serviço”.

Não foi o suficiente. Keela Robinson, vice-presidente de produtos do Netflix, precisou publicar no blog oficial da companhia um post explicando como funciona a história (é possível diminuir a velocidade para 0.5x e 0.75x, e aumentar para 1.25x e 1.5x), justificando a ideia na existência dessa mesma função em DVD Players e o pedido frequente de seus usuários.

Os mesmos usuários que acham realmente legal a ideia de assistir a toda uma temporada de série num fim de semana, que são fãs da empresa e que, bem, em momento algum se preocupam de fato com a qualidade cinematográfica do que estão assistindo — Adam Sandler que os diga.

“Nós entendemos muito bem as preocupações dos criadores e não incluímos [a função] em telas maiores, em particular TVs, nesse teste”, afirmou Robinson. “Nós também automaticamente corrigimos o tom do áudio em velocidades maiores e menores. Além disso, os usuários precisam selecionar a velocidade sempre que assistem a algo novo, ao invés do Netflix manter suas configurações baseadas na última escolha”.

“Não temos planos pra expandir esses testes no curto prazo. E introduzir essas funções pra todo mundo em algum momento vai depender do feedback que a gente receber”, encerrou.

Não é de hoje que a indústria reclama do “tratamento Netflix”. Alex Garland, diretor de Aniquilação — filme que, internacionalmente, é considerado um ORIGINAL NETFLIX, ficou realmente chateado com a decisão da Paramount de distribuir seu filme por lá. “Nós fizemos o filme para a tela grande”, disse o diretor ao Metro. “Há muita coisa que eu poderia ter feito diferente. Teria filmado literalmente de outra maneira, um outro processo, se era isso que estavam querendo”.

Steven Spielberg também começou uma “guerra” com o serviço de streaming, ao afirmar — com uma razão que, nesse momento, parece imbatível — que seus filmes não deveriam concorrer ao Oscar. E ainda tem toda a treta com o Festival de Cannes...

Pra muitos, reclamar do Netflix (ou dos “Filmes Marvel”) é uma questão de seres antigos com ideias antiquadas. Em alguns casos, sim, é exatamente isso. Mas em outros, há só uma ideia de defesa de uma experiência que tem sido deixada de lado. Uma indústria que se preocupa INFINITAMENTE mais com números do que com o conteúdo. Veja: preocupação com bilheterias e orçamentos e lucros não é novidade nenhuma; o problema é quando apenas e tão somente isso importa, quando o ato de fazer um filme se torna o que as agências de publicidade chamam de PASTELARIA.

Netflix tem um grande QUINHÃO de culpa nessa história, como podemos perceber; mas não supera, e provavelmente jamais vai conseguir superar, a Disney que, recentemente, resolveu não liberar filmes clássicos da Fox para serem exibidos em sessões especiais de alguns cinemas dos EUA — fazendo exatamente o que já fazem com os seus próprios. Isso limita não só o conhecimento, como a experiência e garante que, quando eles quiserem que aquilo seja visto, eles possam controlar o lançamento.

Aqui no Brasil, com praticamente todos os cinemas sendo os tais Multiplexes, controlados por algumas poucas (e gigantescas) empresas, esse tipo de coisa não é muito comum. Mas pra quem curte os Noitões do Belas Artes, até mesmo o tal do Open Air... Vai ficar um pouco mais difícil.

Ou só mais caro.

E aí eu te pergunto: tem como ser contra Martin Scorsese e Francis Ford Coppola?