Empolgadíssimo com os rumos que o novo filme da Marvel pode trazer para a cultura pop, o ator aproveitou a estreia para contar mais detalhes sobre a sua encarnação do herói T’challa que bateu na trave
“Empolgado definitivamente não é a palavra. Eu estou em êxtase”. É assim que Wesley Snipes descreve, em entrevista ao Slate, o seu sentimento com a chegada do filme do Pantera Negra aos cinemas. “Eu sei o que este filme vai fazer, o impacto que ele terá, não apenas na mente da comunidade, mas na indústria e nas mentes daqueles que são agora os novos guardiões do que será produzido ou não. Quando eles virem o dinheiro que vai dar, acabou. Fechou. É inevitável que ele acabe abrindo novas oportunidades. Vai crescer. Vai crescer”.
E quando isso vem de um dos mais representativos atores negros de sua geração, o cara que encarnou o caçador de vampiros da Marvel e, com isso, abriu a porteira de uma série de filmes baseados em heróis de quadrinhos, a declaração ganha ainda mais relevância histórica.
“O desenvolvimento digital abriu esta possibilidade toda”, arrisca ele. “O mundo ficou menor, a grana do marketing atinge lugares que não atingia antes. Então, eu mal posso imaginar como seria uma versão do Pantera Negra 20 anos atrás, considerando tudo que estamos falando”. No caso, esta tal versão que poderia ter rolado duas décadas antes não é uma CONJECTURA. Porque, sim, ela quase aconteceu mesmo. E o próprio Snipes, vejam vocês, seria o rei e herói de Wakanda. Muito antes de assumir o couro e as presas do Blade.
Estamos falando da metade dos anos 90. Snipes era um nome quentíssimo do cinema de ação em Hollywood, bombando graças a filmes como New Jack City – A Gangue Brutal (1991), Passageiro 57 (1992) e O Demolidor (1993). Em busca de um novo projeto, ele e seu agente, Doug Robertson, foram procurados pela Marvel para tentar dar vida à história do Pantera Negra. A ideia deixou o ator em POLVOROSA, enxergando naquilo mais do que como um blockbuster, mas sim uma espécie de “movimento cultural”. Em entrevista ao THR, ele diz que o personagem o atingiu no alvo por se tratar de alguém nobre, alguém longe dos estereótipos que a cultura pop usava para retratar os africanos.
“Ele tem um grande significado cultural e social. Era algo que tanto a comunidade negra quanto a branca nunca tinha visto no cinema”, explica. “Muitas pessoas não fazem ideia de que existiram períodos fantásticos e gloriosos dos impérios e da realeza africana. Isso era atraente demais — e eu amava a ideia da tecnologia avançada de Wakanda. Me parecia um pensamento bem para frente”.
Com a benção de Stan Lee e Snipes topando de imediato, restavam alguns desafios. O primeiro deles? Encontrar um estúdio disposto a bancar a produção — e, de preferência, um daqueles que fosse plenamente convencido de que se tratava de um filme sobre um super-herói e não sobre o movimento civil dos Panteras Negras. Vamos lembrar que, naquela época, a Casa das Ideias não apenas não tinha seu próprio estúdio como estava longe de ser este ARRASA-QUARTEIRÃO dos dias de hoje, principalmente nos cinemas.
À época, a lembrança que se tinha era do filme do Howard, o Pato, de 1986, e do Justiceiro com o Dolph Lundgren, de 1989. Isso sem comentar o filme do Quarteto Fantástico, de 1994, que jamais foi lançado oficialmente de tão ruim que ficou o resultado final. Não dava pra usar como argumento a tal da bilheteria desses filmes. E se a gente levar em conta que a empresa declarou falência em 1996, digamos que era meio complicado confiar na Marvel num momento como aquele.
Quando, enfim, conseguiram convencer a Columbia de que aquele era o projeto para despejar seu rico dinheiro, aí veio o desafio de selecionar roteiristas e o diretor. “Passamos por três roteiros diferentes – e algumas escolhas bem interessantes de cineastas”, revela Snipes. “A ideia era encontrar jovens diretores negros que estivessem começando a se destacar”. Além de Mario Van Peebles (que já tinha dirigido Snipes em New Jack City e, coincidentemente, fez um filme em 1995 sobre o partido dos Panteras Negras), um cara bastante considerado para o cargo era um tal John Singleton, que do alto de seus 23 anos tinha feito um baita barulho com Os Donos da Rua (Boyz n the Hood), de 1991.
“Eu sentei pra conversar com John e apresentei minha visão, próxima do que temos hoje, a história do país africano como uma sociedade tecnologicamente avançada e escondida do restante do mundo, o Vibranium, enfim”, conta o ator, que ainda reforça que muita gente sequer imagina que grandes guerreiros africanos foram para a China, ensinar a eles o que hoje é conhecido como kung fu e as grandes artes marciais Shaolin. Tudo isso era parte do que Wesley pensava para o Pantera Negra. Mas...
“E ele veio com ‘não, não, não’. E aí enfiou a ideia de que o protagonista tinha o espírito do Pantera Negra, mas que queria fazer com que o filho de juntasse à organização de direitos civis de mesmo nome. E aí ele e o filho têm uma treta, porque ele tentava ser politicamente correto e seu filho era um encrenqueiro, cabeça dura”. E na hora, Snipes se preocupou, obviamente, com o aspecto comercial da coisa, com o mercado internacional e, obviamente, com os produtos licenciados. “Cara, mas e os bonequinhos? E os discos da trilha sonora? Eles são muito avançados e seria demais ver a África sendo retratada de um jeito diferente do que acontece sempre, a glória e a beleza...”.
No fim, os dois não entraram num acordo. “Ainda bem. Eu amo o John, mas esta teria sido a coisa errada a se fazer com um projeto tão rico”.
Tom DeFalco, na época editor da Marvel, relembra outra ideia potencial para a história, apresentada para ele e mais uma galera de figurões da editora pelos executivos da Columbia e também pelo roteirista Terry Hayes (de Mad Max – Além da Cúpula do Trovão). “Começaria com uma batalha em Wakanda, e então o T’Challa seria colocado em uma cesta e jogado no rio para ser salvo. Anos depois, T’Challa é um homem adulto, vivendo em outro lugar, tocando a vida. E aí é atacado em um elevador, numa coreografia muito bem elaborada. E a trama segue daí. Eu lembro da descrição empolgada do roteirista, consegui imaginar nitidamente aquilo na minha cabeça. Era uma visão incrível para o personagem, para a ambientação, para a história, tudo mesmo”.
Mas, apesar de todos os esforços, principalmente de Wesley Snipes (que tinha até concordado em usar uma roupa apertadinha, exatamente como nos gibis), nunca saiu do papel. “Na verdade, nunca encontramos uma combinação adequada do roteiro com o diretor certo. Além disso, estávamos muito longe da tecnologia que eles já tinham retratado nos quadrinhos”.
E, então, veio Blade, o que ele mesmo chamou de “progressão natural”, que fez com que ele aplicasse tudo que aprendeu no processo de tentar fazer o Pantera Negra acontecer. “Ambos são nobres, ambos são guerreiros. Então, eu pensei, bom, se não podemos fazer o Rei de Wakanda, o Vibranium, o reino escondido na África, vamos com um vampiro negro”, conta Snipes, gargalhando.
Mesmo depois de relembrar tudo isso, no entanto, Snipes deixa claro que está feliz com os rumos que as coisas tomaram, ainda que sem a sua participação. “É o filme certo, na hora certa. Não tenho uma sensação de ter perdido alguma coisa, nenhuma. Estou feliz, porque eu sei o que vai acontecer a partir de agora. Eu sei que caminho vai seguir. Lembrem-se, eu estava lá 20 anos atrás. Vai melhorar. Eu sei”.
Snipes, rapaz, precisamos te contar que queremos DEMAIS acreditar nisso. Porque é desta mudança que precisamos, cada vez mais.