O estudo, divulgado pelo Citigroup, revela que, do considerável bolo de US$ 43 bilhões, só algo em torno de US$ 5 bi ficou pra quem REALMENTE faz música
Imagina só um filme, sei lá, tipo Missão: Impossível. Baita sucessão de bilheteria, ganhando dinheiro aos tubos, aquela coisa toda. Aí chega a hora de distribuir as verdinhas e adivinha quem fica com a MENOR parte do bolo? O Tom Cruise. Ele ganha menos do que o diretor, todos os coadjuvantes, o assessor de imprensa e até o próprio empresário dele. Não é bizarro? Faz sentido? Então. É exatamente isso que tá acontecendo no mundo da música.
De acordo com um extenso estudo / relatório chamado Putting The Band Back Together divulgado esta semana pelo Citi Global Perspectives & Solutions (GPS), divisão de análise dos mais diferentes mercados da instituição financeira, dos US$ 43 bilhões de receita que o mercado fonográfico dos EUA rendeu em 2017, apenas 12% foram para artistas/bandas. Caso você seja ruim de matemática (tipo nóis), isso significa cerca de US$ 5 bilhões deste total.
Pera. Mas então pra onde foram estas outras 38 milhas grandes, cê deve estar se perguntando? O Citi GPS te responde: para as plataformas de distribuição (entenda aí os mais diferentes tipos de rádios tradicionais AND serviços de streaming) e, claro, para as gravadoras. E quer saber o mais bizarro disso tudo? Este número, apesar de pequeno, vem CRESCENDO nos últimos anos, já que o dito cujo representava por volta de 7% no ano 2000.
Parte deste crescimento, ainda que pequeno, muito provavelmente se deu por conta do vertiginoso crescimento dos serviços de streaming — o mais recente relatório da RIAA (Recording Industry Association of America), organização americana que representa principalmente as gravadoras, mostra que 2017 representou o melhor ano para a indústria desde 2008 e, adivinha só, Spotify, Deezer e CORRELATOS corresponderam a 65% deste mercado aí.
No entanto, o estudo do Citi aponta que não apenas estas plataformas de assinatura musical como também os inúmeros facilitadores digitais fizeram com que boa parte dos artistas entendesse que consegue controlar o processo todo em mãos e não necessariamente precisa da figura monolítica das gravadoras, deixando os punks de outrora bastante orgulhosos. Outro ponto é que, sacando bem que o mundo mudou e o consumo de música também, os artistas tão tendo que compensar a brutal queda na receita das vendas de discos físicos com cada vez mais shows. Agendas sempre lotadas, se enfiando em qualquer buraco pra garantir mais um troco. É hora de investir de fato na vida na estrada, que é a plataforma na qual gravadora nenhuma mete a mão.
Tá bom, vamos ser brutalmente honestos aqui, não é como se, na época dos vinis/CDs, os músicos ganhassem uma fortuna por unidade vendida. Os números diferem bastante de artista pra artista porque, afinal, sabemos que uma Beyoncé da vida tem muito mais poder de barganha pra discutir o valor de seus royalties do que o Carnal Desire, pequena banda independente bibelô da tradicional família roqueira caiçara. Especialistas falam em algo que pode girar, no caso de contratos com artistas tradicionais, em torno de 10% ou 15% do valor de cada unidade vendida — mas no caso de novas bandas, isso pode chegar a no máximo 5%. “Ah, se um CD novo custa lá seus R$ 30 e a banda vende 1 milhão de unidades, então eles levam pra casa belos R$ 1.500.000? Que foda, hein?”.
Claro, amiguinho. Mas qual banda/artista solo você conhece que anda vendendo 1 milhão de unidades atualmente? Agora desconte do valor, que provavelmente vai ser MUITO menor que este, toda a estrutura que é preciso manter pra que a banda aconteça, incluindo técnicos, roadies, uma turma que rala pra caralho especialmente neste dia a dia de shows. No fim, dá pra entender os tais 12%, né?
Se formos considerar apenas e tão somente os números pagos POR STREAM das plataformas digitais, motivo de discórdia de pequenos, médios e até grandes como Taylor Swift e os caras do Radiohead, a situação não difere muito. Como sempre faz anualmente, a galera do Digital Music News teve acesso aos dados de uma gravadora independente de bom tamanho, mas que prefere manter o anonimato. Então, o site analisou um catálogo de mais de 200 álbuns que geram, em média, cerca de 200 milhões de streams em todas as principais plataformas — claro, este estudo é apenas e tão somente representativo porque, da mesma forma que os discos físicos, talvez existam acordos diferentes com artistas maiores e mais “representativos”, mas, de qualquer forma, já dá pra tirar algumas conclusões. Dentro desta análise, o Tidal pagou em média US$ 0,01284 por execução de cada faixa, enquanto Apple Music bancou US$ 0,00783, o Deezer ficou em US$ 0,00624, o Google Play Music cerca de US$ 0,00611 e o Spotify se manteve na faixa de US$ 0,00397, crescendo um pouquinho se comparado ao mesmo período do ano passado.
Quando a gente publicou ESTA matéria, na época em que o Spotify tava chegando no Brasil, reproduzimos uma frase do cantor Marcelo Jeneci, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que era “a música digital ainda nem faz cócega no meu bolso”. Mas ele explicava, dizendo que “no momento que alguém compra uma música, o dinheiro passa por muitos bolsos até chegar no bolso do artista”. Pois é.
Ainda mantendo a música digital no centro da discussão, a revista Rolling Stone gringa explicou um pouquinho deste processo no mercado ianque mas que, de certa forma, também pode ser aplicado por aqui.
Lá, uma empresa como o Spotify, que se orgulha em lembrar que já pagou mais de US$ 10 bilhões em royalties pra artistas e gravadoras, tem que pagar os chamados “direitos de performance” para as chamadas editoras musicais — empresas cuja função basicamente é representar os compositores musicais e controlar/cobrar a receita que suas obras geraram. Por meio de empresas como BMI e ASCAP, as plataformas de streaming têm que bancar uma licença de performance pública, necessária quando uma canção é tocada em público (DÃ), o que se entende que acontece quando ela toca em rádio, na TV... e até nos seus fones de ouvido.
Esta decisão é semelhante àquela tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece o streaming como execução pública e, portanto, passível de cobrança pelo ECAD (Escritório Central de Arrecadação de Direitos).
E aí, claro, além do que é pago aos artistas, também é preciso pagar às gravadoras e aos compositores. Vejamos uma canção como I Will Always Love You. Interpretada pela Whitney Houston, a gravação original da canção é da Arista Records, divisão da Sony Music Entertainment, e composta originalmente pela Dolly Parton. Como o Jeneci falou, antes da grana ir pra quem cuida do espólio da Whitney, tem um percentual descontado pela gravadora, pela editora musical e pelo compositor. Isso quando não tem ainda um serviço especializado em distribuição digital como TuneCore, ONErpm ou CD Baby no meio do caminho — que ajudam um bocado um monte de artistas independentes mas que, claro, também são empresas e precisam ser remuneradas.
Resultado? Se não vamos ficar ricos com elas, vambora usar as plataformas de streaming como um jeito de mostrar nossa música pra maior quantidade de gente possível e aproveitar a popularidade pra fazer show atrás de show, ganhando dinheiro como nunca. Perfeito, né? Mas será que alguém aí lembra que ARTISTA TAMBÉM É GENTE? E que cansa? Que fica esgotado de dormir uma noite em cada cidade, com poucas horas de descanso e muito perrengue? Afinal, nem todo músico do planeta tem sei jatinho próprio e fica hospedado sempre em hotel cinco estrelas...
Conversando com o Consequence of Sound, o músico e produtor James Blake (que já trabalhou com medalhões como Kendrick Lamar e Frank Ocean) falou abertamente sobre como a rotina pesada e desgastante de turnês o fez sofrer com depressão e ter pesadelos suicidas. Para Michael Angelakos, frontman do Passion Pit, estes são riscos palpáveis e possíveis de uma indústria que basicamente força seus artistas a viverem na estrada. “As questões associadas com ser um artista comercializado e embarcar naquele típico looping de um lançamento de álbum, com turnês intermináveis e eventos de promoção sem fim, quase me mataram”, afirma.
Como tentar, portanto, ajudar a dar o próximo passo nesta indústria em metamorfose, tornando esta relação toda mais saudável? O próprio estudo da Citi tenta apontar três diferentes caminhos. O primeiro seria uma integração VERTICAL: ou seja, um promotor de shows que, de alguma forma, poderia se “fundir” a uma plataforma de distribuição (talvez um Deezer da vida sendo o responsável por seus próprios festivais, por exemplo). Aí, eles falam de uma potencial integração HORIZONTAL, considerando que as tais plataformas de distribuição digital como o CD Baby se profissionalizem ainda mais e possam oferecer mais serviços, “cortando” outros intermediários do caminho.
E tem a sugestão que talvez esteja mais próxima de acontecer, de fato, que é o que eles chamam de formas “orgânicas” de integração vertical: as plataformas de streaming começarem a se tornar gravadoras/selos musicais por conta própria, abrindo espaço para artistas mais jovens, trabalhando acordos diferentes para artistas já estabelecidos e oferecendo toda a estrutura para criar o equivalente ao “conteúdo original” de um Netflix da vida.
E aí? Quem tá disposto a comprar esta briga e vai dar o primeiro passo? ;)