O cinema e as faces do senhor dos Vampiros | JUDAO.com.br

O mais famoso chupador de sangue da história está de volta às telonas, sucedendo uma nobre linhagem de caninos afiados e tragédias anunciadas

Esta semana, o maior de todos os vampiros retorna aos cinemas com a superprodução Drácula: A História Nunca Contada – que traz Luke Evans (o humano arqueiro Bard, de O Hobbit) no papel principal. O tom da trama é definitivamente bastante diferente daquele ao qual se está acostumado quando se pensa no Conde da Transilvânia. Esqueça esta coisa de “filme de terror”. É tudo bastante épico, grandioso, quase super-heróico, com um quê de Senhor dos Anéis. Vlad Tepes, nome original do sujeito, é tratado como um homem que, para salvar seu povo e sua família, é obrigado a fazer uma escolha e abraçar as trevas, ganhando com a tal maldição também um pacote de “superpoderes” que incluem a capacidade de se transformar em uma nuvem de morcegos que o faz ter uma velocidade fora do comum (o efeito até que é bacana, mas acaba sendo usado à exaustão, o que cansa um pouco).

É fato que este novo Drácula é melhorzinho do que eu esperava assim que botei os olhos no trailer pela primeira vez (“Tragédia anunciada”, pensei, confesso). Mas ele também é prova incontestável de que a Universal tem planos maiores para o personagem. Conforme circula nos bastidores, a ambição seria seguir os passos da Marvel e criar um filme de grupo com seus principais monstros – Frankenstein, Múmia, Lobisomem – devidamente apresentados em suas películas solo, talvez com participações especiais de um nos filmes dos outros. A trama de A História Nunca Contada permite isso e deixa um enorme espaço para uma ou mais continuações, abrindo caminho para a tal franquia dos “Vingadores Monstruosos”.

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No entanto, é bom que se lembre que este lance do nobre guerreiro que outrora flertou com o seu lado sombrio e se redimiu por meio do amor, sendo forçado a tornar-se uma criatura sanguinária para ajudar aqueles que ama, está bem longe do conceito original do Drácula de Bram Stoker, publicado em 1897. O romancista irlandês tomou como base as frequentes lendas sobre vampiros ou criaturas semelhantes que podiam ser encontradas no antigo folclore da Europa Ocidental, variando de seres de aparência humana a cadáveres caminhantes com tom de zumbi... e misturou, claro, com a história real de um príncipe chamado Vlad III. Governante da província romena da Valáquia, situada ao norte do Rio Danúbio e ao sul dos Cárpatos, Vlad sentou no trono em três diferentes ocasiões, entre os anos de 1448 e 1476. Cavaleiro cristão reconhecido como herói na região por sua resistência ao avanço islâmico do Império Otomano (Turquia), uma de suas principais características era a crueldade e sanguinolência em batalha. Tanto é que logo ele ganharia o famoso apelido de Vlad, o Empalador.

Já o nome “Drácula” vem da sociedade cristã chamada Ordem do Dragão, uma reunião de nobres cavaleiros da região da Romênia criada para combater os turcos. Seu pai, Vlad II, fazia parte do grupo e era chamado de Dracul (dragão) – logo, Vlad III assumiu a alcunha de Draculea (filho do dragão). O caso é que “dracul” tem um segundo significado, “demônio”, fazendo com que o nobre príncipe passasse a ser chamado pelos inimigos mais supersticiosos de “filho do demônio”.

Gary Oldman, o Drácula de Bram Stoker

Gary Oldman, o Drácula de Bram Stoker

No fim das contas, o Drácula de Bram Stoker é apenas um homem misterioso com uma sede de sangue fora do comum, um sujeito excêntrico que viaja para a Inglaterra deixando mortes e destruição por onde passa em busca de Mina, a noiva de Jonathan Harker. Em sua versão cinematográfica, de 1992, o diretor Francis Ford Coppola expande este conceito. Mina (Winona Ryder, antes de começar a bater carteiras) se parece com o grande amor da vida de Vlad, em sua encarnação medieval. Isso bate. Mas o vampirão de Coppola (aqui vivido por Gary Oldman, simplesmente fantástico e absolutamente assustador) se torna uma criatura das trevas não porque se rende a um ser sinistro para salvar a família, mas sim porque perde a amada em circunstâncias trágicas e se revolta contra o Deus em nome do qual lutava em sua cruzada. O drama é muito mais intenso e sinistro, por assim dizer.

Embora dê para arriscar dizer que o Drácula interpretado por Oldman seja uma espécie de “versão definitiva”, ele não foi a primeira – e nem mesmo a mais icônica. O primeiro deles foi o Nosferatu, de 1922, obra-prima do cinema mudo alemão, ajudou a criar toda uma estética de luz e sombra que até hoje serve de referência para cineastas e fotógrafos de cinema que se interessam pelo gênero terror. Trata-se de uma releitura não-autorizada do livro, que acabou dando vazão a um dos monstros mais conhecidos e representativos da história da Sétima Arte, o vampirão Graf Orlok – interpretado magistralmente, todo olhares e gestos exagerados, por Max Schreck. Por culpa de seu amor obsessivo por Ellen Hutter (versão de Mina Harker), o monstruoso conde Orlok acaba destruindo para sempre a sua gloriosa não-vida repleta de muito sangue e sofrimentos alheios.

BOO!

BOO!

O primeiro Drácula “oficial”, no entanto, viria apenas em 1931, com a representativa estréia de Bela Lugosi na pele do personagem que ainda viveria muitas vezes no cinema, inclusive com nomes diferentes, mas sempre com a mesma capa. Adaptação da peça da Broadway estrelada pelo próprio Lugosi em 1927, o filme vale muito mais pela interpretação do astro húngaro, que deu todos os trejeitos típicos ao vampiro mais clássico do cinema, do que pela própria película em si, manjadíssima. O ator ficaria tão marcado pelo papel que em 1956, com a carreira já em nítido declínio e trabalhando para ninguém menos que Ed Wood (considerado o pior diretor da história), morreu de um súbito ataque do coração e acabou sendo enterrado com a sua própria capa de vampiro.

Em 1958, fomos brindados com outra versão igualmente lendária. Antes de Saruman e antes do Conde Dooku (ui!), o magistral Christopher Lee assumiu de maneira absolutamente macabra a capa e os dentões do sugador supremo de sangue num clássico da Hammer Studios, que levou a franquia em frente depois da passagem pela Universal. Lugosi pode ter sido o Drácula mais célebre, mas é fato que Lee é o mais cheio de estilo – com aquele jeitão de cafajeste sutil, meio cool, mas de olhar penetrante. Geraria pelo menos mais 8 filmes com o ator na pele de Drácula. É o tipo de produção que merece ser assistida especialmente pela química de tela entre Lee e seu eterno caçador, Abraham Van Helsing, aqui interpretado por outro ator igualmente assombroso: Peter Cushing.

Christopher Lee

Outros atores tiveram a chance de interpretar Drácula – desde Frank Langella (do filme de 1979) até Leslie Nielsen (no pavoroso Drácula: Morto Mas Feliz, que tem Mel Brooks sem a mínima graça e em um de seus piores momentos), passando por Gerard Butler (em Dracula 2000, releitura modernosa que garantiria facilmente um lugar no inferno para Wes Craven por simplesmente ousar produzir isso) e Dominic Purcell (no sonolento Blade: Trinity).

De carreira relativamente recente, o jovem Luke Evans, o mais novo deste legado de caninos afiados, vem há anos tentando encontrar a sua chance como protagonista. Esta é a sua chance. Até o momento, ele está mais para a ação desenfreada de Butler do que para o profano e inesquecível Oldman. Resta saber se o futuro reserva para ele o estilo de Lee ou a sátira de Nielsen. Porque para atingir o status de Lugosi, rapaz, o sujeito ainda vai ter que beber muito sangue.