The Hope Six Demolition Project, novo trabalho de um dos nomes mais reverenciados do indie, segue numa fase mais política e menos introspectiva
Um álbum-reportagem. Um disco-documentário. Podemos tentar definir assim o último lançamento da britânica Polly Jean, a cantora PJ Harvey, batizado de The Hope Six Demolition Project e que chegou às lojas mundialmente no último dia 15.
O disco materializa um projeto antigo da artista que finalmente ganha vida: o de voltar seu trabalho mais para questões geossociopolíticas que a incomodam desde sempre e menos para histórias trágicas, pessoais ou ficcionais, marca característica de suas letras profundas e que acabaram conferindo à artista o título de “musa underground” juntamente com contemporâneas como Liz Phair, Tori Amos, Bjork, Cat Power e Ani di Franco.
Hope Six é uma reflexão musicada sobre as viagens que PJ fez, juntamente com o fotojornalista Seamus Murphy, a Washington, à base do Al-Qaeda no Afeganistão, à comunidades de refugiados em vários pontos da Europa e a Kosovo, querendo estudar o verdadeiro impacto e os diversos desdobramentos da guerra na vida dos civis ao redor do mundo. Também fazem parte do mesmo projeto um livro de poesias, The Hollow and the Hand, lançado em 2015 e um filme, que contém trechos de sessões de gravação do álbum e entrevistas com refugiados e vítimas da guerra.
A ideia surgiu com o lançamento de seu álbum Let England Shake de 2011, ganhador do Mercury de melhor álbum do ano, no qual a cantora também explora os efeitos da guerra, mas dessa vez da Primeira Grande Guerra como sendo a precursora de uma indústria de horrores sem fim — mais especificamente na Inglaterra, sua terra natal.
Já aqui o recorte recai sobre os EUA, “a polícia do mundo”, e critica suas centenas de bases militares espalhadas pelo globo, seu papel de fornecedor na retroalimentação do “mercado bélico” e a quantidade de dinheiro gasto na indústria da guerra, fazendo um contraponto direto com a pobreza e a carência de diversas comunidades em todos os cantos do planeta.
O título faz alusão ao projeto HOPE VI, do governo americano, que revitaliza áreas urbanas antes dominadas por criminosos, mas que tem gerado grande insatisfação nos moradores por conta do aumento exacerbado do custo de vida nesses locais, perpetuando a inviabilidade da permanência de seus moradores originais.
Hope Six é ousado e cru, exatamente como sua intérprete. Não espere grandes arranjos ultrassofisticados, naipes de cordas e metais, efeitos e produção com os melhores e mais modernos equipamentos do mercado. A britânica Polly Jean Harvey parece uma personagem saída de uma história de Scott Pilgrim: suas armas são seu discurso político e uma guitarra, algumas vezes seguida de um sax alto, palmas e uma divisão de vozes e é só. A realidade e a gravidade do tema falam por si. E raios de consciência atingem o ouvinte resultando em um nocaute.
O disco é bem firmado na sonoridade da música de raiz americana e flerta com o blues, o spiritual gospel, o folk e melodias marciais, lembrando cânticos de escolas dominicais de igrejas locais.
A música de abertura, Community of Hope fala justamente sobre as dificuldades do projeto Hope VI e sobre a força da comunidade dos arredores. Ministry of Defence é a mais agressiva do disco, com uma linha simples de guitarras pesadas mas com uma letra altamente crítica que fala sobre a inutilidade do cargo do então ministro da defesa. A Line in The Sand lembra bastante outros trabalhos da cantora, mais melódica e ritmada, na qual ela abusa dos agudos, dando um toque dramático, mas que também não deixa de ser uma marca sua.
Já a linda Key of Chains tem mais peso em matéria de música e letra. Conta a história de uma mulher em Kosovo, em um território que busca independência dentro da própria Sérvia e que foi, de certa forma, “esquecido pelo resto do mundo”, depois do fim da guerra.
Mas minha favorita é The Wheel, que discorre sobre o real e maior interesse que move a grande “roda do mundo”: o dinheiro que financia toda a matança e miséria provocados pela guerra, enriquecendo governantes e poderosos e causando a DANAÇÃO dos pobres. Apresenta estatísticas colhidas nos Estados Unidos e em Kosovo para falar sobre crianças mortas e desaparecidas em decorrência da guerra. Conta com uma linha de guitarras bem bonita e um naipe de cordas e sopros, o que empresta corpo necessário a uma música tão relevante. Lembra um pouco The Words The Maketh Murder, também de seu álbum anterior.
No resumo da ópera, The Hope Six Demolition Project é um bom álbum, mas eu não o colocaria entre os 10 melhores álbuns da PJ Harvey. Parece mais um apêndice de Let England Shake, parece automaticamente ter sua identidade atrelada a ele. Mas é um disco necessário e reflexivo. E representa os atuais interesses da cantora, depois de cinco anos de silêncio.
A questão que você deve estar se perguntando é: quem é essa PJ Harvey e por que diabos é tão importante uma resenha de um disco seu?
Bem, PJ Harvey foi referência de música underground independente nos anos 90. Veio dos confins da Grã-Bretanha e ganhou o mundo gravando com grandes nomes, GALGANDO uma ascensão meteórica, com aceitação e admiração de público e crítica pela qualidade de seu trabalho de composição, letras e interpretação. Foi uma das primeiras mulheres da época a falar sobre a dificuldade de manter um relacionamento com um parceiro depressivo, sendo ela também, uma mulher depressiva (a cantora namorou com Nick Cave e revela que esse relacionamento quase matou a ambos. A história pode ser “ouvida” em The Darker Days of Me and Him).
PJ também falou sobre abuso, falou sobre maternidade solo, falou sobre violência doméstica, falou sobre drogas, sobre lesbianismo, sobre religião, sobre a indústria da beleza – Polly Jean nunca foi considerada uma cantora “bonita” e já disse inúmeras vezes que estava cansada de ouvir o adjetivo “exótica”, devido à sua silhueta andrógina, característica que sempre explorou, usando muitas vezes roupas masculinas.
Se você não a conhecia, fica a dica de uma grande e intrigante e passional artista. E em uma outra oportunidade posso apresentar seus discos e parcerias marcantes, que tal? ;)
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