Pensa num filme ruim: é bem este aqui mesmo. Uma imensa zona que simplesmente não decide pra onde quer ir.
Quem minimamente acompanha meus textos aqui no JUDAO.com.br tá tão ligado que o Homem-Aranha é meu super-herói favorito dos gibis quanto que eu acho o Venom um vilão que nem de longe pode ser considerado o grande antagonista do Cabeça de Teia e que, quando muito, conseguiu ser estrela de duas ou três histórias relativamente aceitáveis (pra chamar de “boas” ainda precisaria comer muito feijão com arroz).
Mas eu até que tava de coração aberto pelo filme do Venom. Gosto do Tom Hardy e o diretor, o Ruben Fleischer de Zumbilândia, vinha falando do projeto de maneira tão apaixonada que eu juro que achei que poderia dar certo. Porque filme é filme e gibi é gibi, né? E se a Marvel conseguiu transformar um bando de heróis do seu segundo escalão nas estrelas daquele que é disparado meu filme favorito do estúdio, por que um cara talentoso não poderia dar outra roupagem ao sujeito da bocarra e da língua infinita?
Mas aí começaram a sair os trailers. E eis que alguma coisa passou a não cheirar bem. Já bateu aquela desconfiança. Tá legal, vai, podia ser só impressão, só vem que eu ainda tô de coração livre, leve e solto. Só que então eu fui lá assistir ao filme. E não é que se trata de uma parada meramente ruim...
É UMA PARADA RUIM PRA CARALHO.
Fleischer já tinha falado que a inspiração da produção iam ser basicamente duas séries do anti-herói lançadas nos anos 90. Isso tava longe de ser uma notícia empolgante, já que tanto Protetor Letal (1993) quanto Planeta dos Simbiontes (1995) são BEM merdentas. Mas apesar de carregar elementos narrativos de ambas, muito mais da primeira do que da segunda, o clima aqui é BEM mais anos 80 do que 90, pra ser honesto. Tal qual a horrível primeira temporada do Punho de Ferro pro Netflix, temos uma vibe meio filme de ação dos anos 80 de terceiro escalão. Daquele tipo que passava na Band.
Não, isso não é legal, antes que você tente defender. Porque não é “tão ruim que dá a volta”. É ruim do tipo que te causa uma sensação incômoda de vergonha alheia, que te faz remexer na cadeira e querer que tudo acabe o quanto antes. É ruim do tipo que você vai esquecer em muito breve, do tipo “hey, eu nem lembrava que já teve um filme do Venom”, seguido de um “não, nem teve, ele só apareceu em Homem-Aranha 3 mesmo”.
A história, uma correria sem fim que tenta enfiar um monte de elementos sem te dar chance de respirar ou se importar ainda que por um segundo com qualquer personagem que seja (nem a Michelle Williams se salva, tadinha), usa o expediente do simbionte vindo do espaço numa nave terrestre, recurso que os roteiristas da série animada do Homem-Aranha dos anos 90 inventaram pra ter que evitar falar de Guerras Secretas, para conectá-lo com a tal da Fundação Vida e suas experiências inescrupulosas em busca da salvação da humanidade.
O que incomoda, pra ser honesto, é que Venom fica no meio do caminho. Quando fica tentando se levar a sério, meio que querendo soar como um apavorante filme de terror, derrapa principalmente pela obviedade de tudo que se desenrola na tela. Você já sabe o que vai acontecer na cena seguinte (eu falei A MESMA COISA da segunda temporada do Punho de Ferro, vejam vocês), porque a câmera ressalta tanto determinados detalhes, se foca neles com tanta força e por tanto tempo, que é impossível não ficar com “aí tem” na cabeça. E sempre tem.
Você sabe o que vai acontecer com o vizinho metaleiro do Eddie Brock, com o cara da lojinha de bairro, com o cachorrinho no hospital. Eu nem preciso dizer porque, ao ver o filme, você VAI SABER. De imediato.
Já no começo da projeção você SABE exatamente quem é o grande vilão e como ele vai se tornar uma espécie de clone malvado do Venom para a tal luta final, no melhor esquema Marvel Studios de “vamos usar como antagonista uma cópia do personagem principal”. É o Riot e, honestamente, FODA-SE, né? Quem diabos é o Riot na fila do pão?
E a profusão de frases de efeito? Uma verdadeira competição entre protagonistas e coadjuvantes pra ver quem é o maior BADASS em tela. Tudo tem som de slogan, de declaração que poderia ir parar no pôster do filme. Ninguém conversa normalmente. A ideia é sempre tentar causar impacto, com uma música incidental aumentando de volume depois de cada ponto final.
Mas o filme tem lá seus momentos em que parte pro clima de pura zoeira — e é aí que está o seu principal erro. Porque deveria ter deixado a aura de “mamãe quero ser o Freddy Krueger” de lado e embarcado de vez na galhofa, teria funcionado melhor. Mas ATÉ AÍ Venom é meia-bomba porque não consegue se assumir sem escalas no lado humor. O coitado do Tom Hardy até que tenta, se esforça um bocado e, quando ELE liga de vez o foda-se e começa a fazer um monte de caretas, confesso que tive até um pouco de esperança. Tinha um cheiro de agora vai. Mas não foi. Porque ao fazer graça pero no mucho, não dá pra sentir nada além de uma imensa vontade de gritar “parem com isso agora, porra!” quando o simbionte toma conta do corpo do jornalista e começam as conversas dentro da cabeça dele. Você simplesmente não compra a ideia.
Se Venom servir como indicativo do que a Sony tá preparando pra expansão do seu Spider-Universe, maluco, o sofrimento vai ser eterno
Pros leitores de quadrinhos, isso é sinal de vocês têm que esquecer Eddie lutando contra si mesmo, contra uma personalidade psicótica e sanguinária conspirando e influenciando sua personalidade. Rapidamente a fome do simbionte vira uma piada recorrente e sem graça — e ele e Eddie se tornam amiguinhos, tipo filme de buddy cop, “fica calmo, meu chapa, só pode devorar a cabeça dos malvados, hein?”. Os diálogos entre os dois beiram o ridículo mas, sendo honesto, um ridículo que daria pra tentar aceitar se aquela fosse a ideia desde o começo. Vambora fazer um Deadpool da vida? Vamo. Topo. Mas não. E aí a DR que os dois têm separados por um vidro, que poderia ser de comicidade pura se torna... um treco totalmente ridículo.
No fim, esquece este papo aí de anti-herói, porque o Venom vira assim, pá pum, um super-herói bem do tradicional, com a jornada completinha e tudo. Nada de ultraviolência e aquela história de “politicamente incorreto bwahahahahaha”. Apesar de meio idiota, este Eddie Brock é um cara de bom coração, com boas intenções, alguém preocupado com os fracos e oprimidos e que rapidamente aquece o coraçãozinho de seu simbionte. RAPIDAMENTE.
O filme tem duas cenas pós-créditos, é bom que se diga. A primeira delas, até interessante, já era esperada, na real. Por mais que você não tenha lido NENHUMA notícia sobre o filme (se leu, sabe claramente o que esperar), eles entregam o ouro pouco antes dos créditos começarem: ali a pista já tá dada e beleza. Pode significar uma melhora num potencial segundo filme? Não. Mas é um respiro, principalmente pelo talento das duas pessoas juntas em tela. E aí tem a SEGUNDA sequência que, vou te dizer aqui sem mentir, NADA tem a ver com o filme do Venom. Mas sim com OUTRO filme aracnídeo da Sony. É lindo. E talvez fosse o ÚNICO motivo que me levaria a ver este diacho deste filme de novo por conta própria.
Se Venom servir como indicativo do que o estúdio tá preparando pra expansão do seu Spider-Universe, maluco, o sofrimento vai ser eterno. Próxima parada? Morbius, o Vampiro Vivo. QUE DOR.