iQiyi, para o qual o Netflix inclusive licencia algumas de suas séries, criou um produto diferente que pode ser a solução para quem sempre quis ver determinadas produções numa telona — tipo um Aniquilação da vida
“A experiência compartilhada que o cinema proporciona é fora do comum. Você não consegue sentir a experiência completa, os sons, a explosão de cores [numa tela pequena]. Eu espero que isso nunca morra”. A frase poderia ter vindo de um cineasta como Steven Spielberg — que, na real, chegou até a dizer coisas semelhantes, conforme você vai poder conferir quando clicar aqui. Mas esta sentença, em particular, é do senhor das explosões ao pôr do sol Michael Bay, dita aqui mesmo no Brasil durante uma coletiva de imprensa, ao ser perguntado sobre esta coisa de streaming VS. sala de cinema.
Bay fez Transformers, todos os malditos cinco, a gente sabe, mas o sujeito tem um bom ponto aí. A gente já falou muito sobre isso quando defendemos que Aniquilação deveria ter estreado nos cinemas. Era filme pra tela grande, FEITO para este formato. “Tela grande e pequena são muito próximas, mas você enquadra as imagens de maneira diferente e lida com o som, música e efeitos de outra maneira”, afirmou o diretor, Alex Garland, em entrevista ao Times, nitidamente decepcionado com a decisão da Paramount em vender os direitos mundiais do filme para o Netflix.
Netflix é legal, Netflix é bacana, Netflix é confortável... Mas ver um filme no Netflix é de fato MUITO diferente da experiência de vê-lo no lugar para o qual ele foi originalmente criado. Tipo Roma. É um filme incrível, lindíssimo, fotografia deslumbrante. E, justamente por isso, tenho uma baita inveja da Julia, e de todos que conseguiram vê-lo numa telona enorme, DAQUELE jeito — aqui no Brasil o filme foi exibido em algumas salas de cinema de forma totalmente gratuita, além de encerrar a Mostra de SP.
Não dá pra entender se o pessoal de Los Gatos começou a entender isso de fato ou só resolveu ceder um pouco mais além das exigências pra concorrer a um Oscar (o filme precisa passar um tempo em salas de cinema nos EUA), já que eles realmente mandaram AQUELE ABRAÇO pra Cannes. Mas e se... sei lá... você pudesse reunir uns amigos, só aquela sua galera, pra ver um Aniquilação da vida numa sala de cinema só sua, digamos assim? Legal, né?
Por aqui, com raríssimas exceções recheadas de muito dinheiro, não dá. Nos EUA, a mesma coisa. Mas na China, rapaz, isso começou a se tornar realidade — cortesia do iQiyi. Não conhece? Pois trata-se do maior e mais reconhecido serviço de streaming do país, que tem o impressionante número de 420 milhões de usuários mensais, sendo que por volta de 125 milhões de pessoinhas acessam a plataforma diariamente (números recentes do TechCrunch). Tamos falando, se prepara aí, de cerca de 6 bilhões de horas gastas no serviço a cada mês. Tal qual o Spotify, eles têm um modelo grátis, que te impacta com propaganda no meio das transmissões. Mas em termos de assinantes, aqueles que pagam por volta de R$ 12 (US$ 3) mensalmente pra ver tudo sem anúncios, eles chegaram à marca de 60 milhões. É coisa PRA DEDÉU.
Pensa, por exemplo, que em Abril de 2018 o Netflix anunciou ter ultrapassado a faixa dos 110 milhões de assinantes pagantes (portanto, fora do período gratuito de 30 dias). Mas o Netflix está em 190 países em todo o mundo, enquanto o iQiyi tá basicamente na China (onde não existe Netflix) e em Taiwan, ainda que tenha planos de ampliação para outros territórios asiáticos.
Na edição 2018 da feira conhecida como CineAsia, o maior evento regional para distribuidores, exibidores e a indústria cinematográfica como um todo se reunirem e fecharem negócios, a galera do iQiyi apresentou seu mais novo experimento, uma tentativa de mesclar a experiência, sempre ela, dos cinemas com a praticidade da era do streaming. Coloque nesta brincadeira uma pitada da sensação de alugar seu filme numa locadora, aquele modelo de negócio que muitos XÓVENS nem devem fazer ideia do que se trata (fizemos um ASTERISCO inteiro sobre isso, vale ouvir), e bingo, você tem o que eles chamaram de “a primeira sala de cinema on-demand do mundo”.
O projeto já sendo testado na Província de Guangdong (aka Cantão, ao sul da China), funciona assim: você aluga por hora uma das mini-salas de cinema dos caras, com espaço que varia de dois a dez lugares, tudo equipado com tecnologia de ponta e certificação de som THX. E aí pode ver ali, na telona, todo e qualquer conteúdo que bem entender da vasta biblioteca de conteúdos, licenciados e originais, do iQiyi. “Apresentar o nosso conteúdo em cinemas offline on-demand é uma forma atrativa de pensarmos numa monetização futura para as nossas propriedades”, afirmou Yang Xianghua, vice-presidente sênior do iQiyi, em entrevista ao THR.
Ainda é cedo pra dizer se a estratégia vai ou não funcionar, mas uma coisa é fato: o iQiyi é um gigante que tem ambição (e dinheiro) suficiente para querer conquistar o mundo. Tanto é que, em Março de 2018, a empresa lançou oficialmente suas ações na NASDAQ, o mercado de ações americano conhecido por reunir as principais empresas de alta tecnologia do planeta. Levantando inicialmente a bolada de US$ 2,25 bilhões, com 125 milhões de ações vendidas ao preço unitário de 18 dólares, hoje cada ação dos caras varia entre US$ 15 e US$ 20.
Iniciativa lançada em abril de 2010 pelo Baidu, que é basicamente o Google chinês, o serviço teve um aporte inicial de capital do fundo de investimentos Providence Equity Partners, aquele mesmo que botou uma boa grana no Hulu. No entanto, o site começou a se tornar de fato popular quando adquiriu a licença de exibição, via streaming, de Transformers: O Lado Oculto da Lua. Foi neste momento que eles mostraram pro mercado que tavam falando sério e queriam jogar com os grandes. Três anos depois, eles fecharam uma parceria com o Festival de Veneza, tornando-se o serviço oficial de streaming para os filmes selecionados na mostra.
Entre suas produções originais de maior sucesso estão The Rap of China, uma espécie de American Idol chinês focado apenas no hip-hop; e a dobradinha Hot Blood Dance Crew e Street Dance of China, ambos realities sobre dança de rua. Além disso, também valem menção o drama criminal Burning Ice (baseado no livro The Untouched Crime, de Zijin Chen), com foco na investigação de um assassinato; e Tientsin Mystic, uma trama de investigação histórica ambientada na década de 30. Estas duas últimas, aliás, foram uma prévia das produções originais do iQiyi para o mercado ocidental, já que acabaram exibidas, vejam vocês, pelo próprio Netflix.
Aqui, vale um porém importante: no mercado chinês, os principais concorrentes do iQiyi são outros dois serviços locais, o Youku (do Alibaba) e o Tencent Video — sendo que Netflix, Amazon e afins são cartas fora do baralho. Por qual motivo? O governo chinês tem uma série de restrições com relação ao conteúdo audiovisual liberado para consumo da população do país — temas que envolvam relacionamentos LGBT, por exemplo, são um problema sério por lá. O mesmo vale para histórias que de alguma forma abordem ou sejam contrárias às tradições culturais e/ou religiosas chinesas. Existe até mesmo um guia da administradora estatal de mídia que deve ser seguido e, veja você, cada episódio deve ser submetido aos reguladores estatais antes de sua publicação, existindo a possibilidade de censura prévia.
Depois de uma série de tentativas para entrar num mercado consumidor gigantesco como é o chinês, o Netflix acabou desistindo... e encontrou justamente no iQiyi o seu parceiro ideal. Que já sabe como as coisas funcionam. Desta forma, o time de Los Gatos foi lá e negociou seu conteúdo original com os chineses, liberando títulos como Black Mirror, Bojack Horseman e Stranger Things para exibição via iQiyi. A tendência é que o intercâmbio de conteúdo se intensifique ao longo dos próximos anos.
O que isso quer dizer? Que, bom, caso a iniciativa do iQiyi para os seus cinemas on-demand funcione, se você estiver dando um rolê pela China, pode escolher AQUELE filme que foi parar direto e reto no streaming e merecia uma chance nas telonas, para ver junto com um grupo de amigos. ;)