O novo disco do Ozzy não é uma despedida e sim o começo de um novo ciclo | JUDAO.com.br

Melhor lançamento da discografia do Príncipe das Trevas em quase duas décadas, álbum é a prova de que o ícone do alto de seus 70 anos está mais disposto a se reinventar do que grande parte de seus fãs ~metaleiros

Quando Ozzy Osbourne anunciou a sua SEGUNDA turnê de aposentadoria, todo mundo desconfiou. Inclusive a gente. Porque o próprio comunicado oficial já tinha aquelas entrelinhas de “última turnê MUNDIAL”, o que deixa aberta a possibilidade de fazer uns shows esporádicos aqui e ali, enfim. Todos rimos, lembramos das promessas de pendurar as chuteiras que Kiss, Scorpions, Judas Priest e tantas outras bandas não cumpriram.

Mas aí veio o clipe do primeiro single de Ordinary Man, primeiro álbum de inéditas do Príncipe das Trevas em uma década. E eis que aquele vídeo para a poderosa e melancólica Under the Graveyard é uma porrada e tanto. Um soco no estômago contemplativo, quase como um pedido de desculpas do madman pra sua família, em especial pra esposa Sharon. Será que aquela canção poderia ser indicativo do tom do que viria pela frente? Afinal, estamos falando de um time bastante diferente do qual o roqueiro está acostumado, a começar pelo produtor e guitarrista que foi seu braço direito ao longo do processo, o mesmo Andrew Watt que é parceiro costumeiro do rapper Post Malone.

Então, antes mesmo que o disco fosse lançado, veio a revelação de que o roqueiro é portador de uma variação do Mal de Parkinson. A avalanche emocional do comunicado pegou os metaleiros acostumados às enérgicas performances do sujeito no palco e fez com que se carimbasse claramente: Ordinary Man é o disco de despedida de Ozzy Osbourne. Ele não está apenas se aposentando, mas sim está à beira da morte, dizendo adeus não apenas aos palcos mas também aos seus fãs. Todos choram.

Calma, gente. Menos.

Na verdade, é assim: Ordinary Man é SIM um disco MUITO diferente da porradaria de um Scream (2010), por exemplo, a cacetada metálica moderna e corpulenta que os batedores de cabeça tanto esperavam. A parada aqui vai pra outro extremo criativo. Apesar de ainda ter canções que te possibilitam pular, entrar no clima metaaaaal, a inspiração introspectiva naturalmente levou Ozzy para um caminho em que resolve abordar maturidade, redenção e olhar de maneira mais madura para os seus próprios muitos anos de abuso. O próprio músico diz que se trata do PRIMEIRO disco que ele gravou completamente sóbrio. Pensa no impacto que uma declaração destas tem.

Além de Watt, a gravação trouxe Ozzy fora de sua zona de conforto, trocando Zakk Wylde por Slash, Chad Smith (o batera do Red Hot Chili Peppers), Duff McKagan (baixista dos Guns ‘n Roses), Tom Morello (guitarrista do Rage Against The Machine), Elton John. Porra, Ozzy e Elton John, cara! Timaço.

Portanto, Ordinary Man é sim o melhor Ozzy solo em MUITOS anos, melhor até do que o Ozzy de Scream e Black Rain. Porque não é uma despedida. De fato, o cara tá doente, mas é impossível parar Mr.Osbourne. Este aqui é apenas o Ozzy pisando o pé no freio. Vou fazer show quando eu quiser e puder. Melhor assim. E vou gravar quando eu quiser, com quem eu quiser e COMO eu quiser. Chega de precisar ser sempre a porra do Ozzy Osbourne from hell. Aos 70 e poucos anos de idade, John Michael Osbourne enfim sacou que não deve nada pra ninguém.

Isso pode, aliás, ter emputecido uns metaleiros por aí. Eu já esperava. Possivelmente o Ozzy também. Mas da mesma forma que ele tá cagando pra isso e se dando ao direito de experimentar a esta altura da vida, eu enquanto ouvinte tô igualmente pouco me fodendo.

Tá bom, Ordinary Man abre lá em cima, na porradeira Straight to Hell. Mas você percebe o cenário que se desenha quando, em determinado momento da letra, ele diz “Something is missing / And you don’t know why”. Tem realmente algo faltando nesta missão eterna de guiar todos os cabeludos pelos portões do inferno, né verdade? Pois corta pra All My Life, que vem logo na sequência. É rock, mas beeeeeeeeeeeeem mais palatável, do tipo que qualquer rádio “adulta” toparia tranquilamente veicular em sua programação, praticamente uma power ballad e que traz um refrão significativo: “For all my life / I’ve been livin’ in yesterday / All my life / A dollar short and a day too late”. Uma vida inteira presa ao ontem e sem pensar no amanhã.

No fim, claro, Ozzy se permite ser muitos Ozzy diferentes aqui. Desde aquele que dá um metafórico adeus na corpulenta e pesadona Goodbye, sobre aquelas memórias sombrias que ainda mantém o vocalista acordado durante a noite até de fato fazer uma espécie de “testamento” depois de uma vida completamente loka na bela baladinha Holy for Tonight, com direito a coral e tudo...

Por que não, por exemplo, fazer uma música de tons quase apocalípticos como Today is The End, sobre o sol ficando preto e o céu vermelho, mas sem precisar entrar numa vibe meio Slayer? Na real, o refrão pode ser quaaaaaaaaaaaaase pop, não? Ué, e por que não, então, apelar para uma pegada bem rockão anos 1970 em Scary Little Green Men, sobre pequenos homenzinhos verdes que poderiam tanto ser alienígenas quanto uns amiguinhos incômodos que existem apenas dentro da sua cabeça? Mano do céu, dá até pra brincar e ser feliz na modernosa e divertida It’s a Raid, acelerada e quase uma improvável misturinha de rap (?) com pop-punk (??).

E aí tem a faixa-título, né. Que, porra, é covardia. Tem os vocais do Elton John mas, principalmente, tem o PIANO do Elton John. Numa canção delicada, doce, melancólica, sobre um homem que fez de tudo, a vida inteira, para não ser um homem comum. Que sacrificou tudo. E que fez por VOCÊ. É, você que tá lendo aí. E por mim também. “When the lights go down, it’s just an empty stage”, diz ele. E vem o pedido: “Don’t forget me as the colors fade”. Porra, sem sacanagem, Ozzy. Aí tu me faz chorar. Toda vez que ouço esta música — uma das mais lindas composições do ano, eu diria. Dá o play no clipe lá no começo da matéria pra sentir o clima...

Ozzy Osbourne não está morrendo e tampouco tá aposentado. Só que com Ordinary Man, ele traça uma linha na areia sobre o que está ou não no barato de fazer, saca? Ao lado de Watt, com quem já disse que quer reeditar a parceria, o eterno frontman do Black Sabbath, godfather of heavy metal, não precisa pensar em gravar o próximo Iron Man ou Paranoid. Tudo que ele quer é continuar fazendo música. E música, minha gente, tá longe de ser eterna repetição de fórmulas.

Longa vida ao Príncipe das Trevas. Até que ele ainda tenha paciência pra nos aturar.