O primeiro grande (e tímido) passo digital das HQs no Brasil | JUDAO.com.br

Mauricio de Sousa Produções lançou o app Caixa de Quadrinhos, com gibis digitais – um passo importante, mas ainda limitado para uma iniciativa que está atrasada no Brasil

Cinco anos e meio. É essa a diferença de tempo entre o lançamento do app para celulares e tablets do ComiXology, o principal na venda de HQs digitais nos EUA, e a primeira iniciativa do tipo no Brasil feita por uma grande editora/produtora de quadrinhos, a Caixa de Quadrinhos, aplicativo lançado esta semana pela Mauricio de Sousa Produções. Bom, antes tarde do que mais tarde, não é?

Diria que é quase isso.

O (ou seria “a”?) Caixa de Quadrinhos chega com mais de 500 revistas da Turma da Mônica, publicadas desde os anos 80. “A ideia é colocar os melhores títulos escolhidos pelo Mauricio, não há uma ordem de data, estão misturados”, conta Marcos Saraiva, gerente comercial da parte digital da MSP. Pra ter acesso a isso, o usuário precisa pagar uma assinatura mensal (que é US$5 no iOS, R$13,07 no Android) ou anual (US$ 40 e R$ 104,96, respectivamente).

O formato é parecido com o do Marvel Unlimited, que surgiu como uma ferramenta via web em 2006, mas que só chegou ao iOS em 2013. O caminho é basicamente o mesmo. No caso da Casa das Ideias, você baixa o app, paga uma assinatura (no caso, de US$ 9,99) e pronto, pode ler as HQs, que vão desde os anos 60 a até seis meses atrás.

A grande diferença é que justamente por ser um projeto bem mais antigo e consolidado, o Marvel Unlimited tem hoje mais de 15.000 revistas disponíveis. QUINZE MIL. E o principal: é UNLIMITED.

Enquanto isso, a Caixa de Quadrinhos tem uma grande limitação, que vai além do acervo ainda pequeno: você só pode ler 50 gibis por mês. “Há um limite de edições para justamente aguçar a curiosidade e a vontade do leitor”, explica Saraiva.

Aguçar a curiosidade? A tendência no mercado digital, indo desde as HQs até o streaming de vídeo, é justamente o contrário: uma oferta tão grande de títulos que prende o assinante pra ler mais e mais, inclusive seguidamente. No caso, limitar em 50 gibis por mês parece mais uma tentativa de evitar que o assinante leia tudo em poucas semanas e abandone o serviço.

“A ideia é que com o sucesso desse aplicativo voltado aos gibis, adicionaremos um catálogo maior de opções como as revistas e almanaques”, diz Saraiva. Mas é preciso ir além. No caso, seria melhor investir em um catálogo maior logo de cara, compensando o tempo perdido, e em gibis exclusivos para o aplicativo com alguma periodicidade, fidelizando o seu leitor.

Ao menos a MSP não tá perdendo o foco das novidades e está desenvolvendo uma nova parte do app, essa com a venda das HQs mensais avulsas, ao estilo ComiXology. O estúdio também não vê uma possível canibalização causada por isso. “A MSP acredita que o meio digital e físico não se cruzam por serem gostos diferentes: há quem prefira ter a revistinha em casa e quem goste de ler no tablet. Por isso, a ideia é estar presente nas duas plataformas e caminharem juntas buscando trazer inovação e produtos de qualidade”.

Mão na massa

Caixa de Quadrinhos pro iPad é limpo, prático e fácil de usar – ou seja, é tranquilo pras crianças e pros adultos, já que o foco da MSP é realmente nesses dois públicos, como nos garantiu Marcos Saraiva. Só que alguns problemas chamam a atenção.

O primeiro deles é a falta de classificação das revistas – elas estão lá de forma aleatória, apenas com a capa. Você só consegue ver um número de edição DEPOIS que abre o gibi. As crianças não vão se importar tanto com isso, mas, se a ideia é também pegar os adultos, é importante ter destaque para o número e a data de publicação logo de cara. PRINCIPALMENTE quando você tem um limite de 50 edições por mês – vai saber se você lembra que já leu aquela revistinha só depois de abrir, né?

Caixa de Quadrinhos

Na home do app surge outra questão: temos uma aba chamada LANÇAMENTOS. Mas, como você sabe, não há lançamentos na plataforma. Provavelmente estão se referindo ao que foi adicionado recentemente, então era só colocar... “Adicionados recentemente”. Assim não induz ninguém ao erro.

Outro detalhe que faz falta é a equipe criativa da cada edição. Existe aquela grande polêmica de bastidores sobre o fato das histórias da MSP (tirando as da Turma Jovem) não terem créditos dos autores, apenas a assinatura do Mauricio. Custaria nada ter uma ficha técnica agora, digital, preenchendo um pouco dessa lacuna.

Pra quem não quer assinar, o app ainda traz algumas histórias gratuitas, algo importante pra catequizar o público e todo mundo entender que HQs digitais podem ser BEM legais, sim. Outro ponto positivo é que você pode selecionar se quer ou não baixar as histórias em alta resolução – uma boa opção pra quem não liga pra qualidade da imagem tanto assim e precisa de espaço na memória interna, ou não tem um retina display da vida.

Porém, contudo, entretanto, todavia, toda vez que você quiser ler uma revista grátis que por acaso baixou, tem de enfrentar publicidade (aqui, em todas as vezes foram no mínimo 15segs obrigatórios de vídeo, além da necessidade de fechar, depois); ainda não é possível baixar nada em HD — e a qualidade é REALMENTE ruim. Mas o pior de tudo? Aquelas tirinhas do final de cada edição NÃO ESTÃO DISPONÍVEIS. :O

Caixa de Quadrinhos

No final temos um passo pequeno AND que demorou pra chegar. Mas foi um passo. Estamos falando de uma iniciativa de um grupo que detém, de acordo com números de 2010 (os mais recentes do tipo), 80% do mercado de HQs do Brasil. OITENTA. Isso faz da iniciativa algo que os outros 19,999% tão olhando e esperando um resultado positivo pra finalmente entrar no mesmo barco — enquanto os 0,0001% que já entraram na onda torcem pra dar certo. Mas tem também o outro lado: se a Caixa de Quadrinhos não funcionar, mesmo com um potencial desses, vai representar não apenas o começo dos quadrinhos digitais no Brasil, mas também o fim – ao menos quando falamos das grandes editoras.

Como diria o Mauricio lá dos EUA: grandes poderes trazem grandes responsabilidades...