O problema dos vazamentos da Comic-Con vai além de pirataria | JUDAO.com.br

Não adianta os estúdios montarem uma força-tarefa pra combater a pirataria na San Diego Comic-Con. Jack Sparrow por lá, só cosplay. Quem vaza pensa que é o Robin Hood…

“A Warner Bros. Pictures e seu time antipirataria trabalharam sem parar nas últimas 48 horas, tentando conter os vídeos do Esquadrão Suicida pirateados do Hall H no sábado”, afirma Sue Kroll, presidente de marketing global e distribuição internacional da Warner, num comunicado oficial. “E fomos incapazes de atingir este objetivo. Então, lançamos o mesmo vídeo que está circulando ilegalmente, mas na forma que foi criado, numa qualidade alta que é como deveria ser desfrutado. Não gostamos desta decisão porque era nossa intenção manter esta experiência como única para o público da Comic-Con, mas não podíamos continuar deixando que o filme fosse representado pela qualidade horrível do vídeo pirateado da nossa apresentação”

Minha primeira vez na Comic-Con foi em 2007, quando um monte de coisa deu certo ao mesmo tempo e, faltando pouco menos de um mês pro evento, consegui minha credencial e fiz não só a minha primeira cobertura internacional como também a primeira viagem em que precisei me virar sozinho, em todos os sentidos.

Foi um dos poucos momentos dos quase 15 anos de vida do JUDÃO em que não tivemos um parceiro que segurasse nossa onda e, sendo responsável pelo editorial e pelo técnico, chorei sozinho no chão daquele hostel quando, por qualquer motivo, o banco de dados do site foi corrompido e ficou cheio de caracteres estranhos, tornando-o totalmente ilegível. Era o horror em San Diego e só não voltei de lá naquele dia e naquela hora porque, bom, não é assim que as coisas funcionam.

Ainda bem.

Eram outros tempos de Comic-Con, aqueles. Não necessariamente menos populoso — foram 124.999 pessoas, além de mim, enquanto no ano passado os números oficiais dizem que “mais de 130.000” pessoas estiveram por lá, durante os quatro dias e uma noite — mas talvez menos povoado. Era possível entrar em todo e qualquer painel, a todo e qualquer momento, sem se preocupar com fila. Vi Stan Lee, Robert Kirkman (sem saber que era ele), George A. Romero, Neil Gaiman, Rosario Dawson, o elenco reunido de Watchmen, os dois Spocks, Liv Tyler descendo pra gaiola de imprensa só pra falar do vestido que tava usando e por aí vai.

Se não fosse a Rosario Dawson, eu provavelmente JAMAIS mostraria essa foto pra alguém

Se não fosse a Rosario Dawson, eu provavelmente JAMAIS mostraria essa foto pra alguém

Naquele mesmo ano, a Paramount (então distribuidora dos filmes da Marvel) reservou a quinta-feira para o seu painel, com o sábado ficando para o primeiro painel da história da Marvel Studios. Vários filmes seriam apresentados ali, como Stardust, Beowulf, Cloverfield, Star Trek, Indiana Jones 4 entre outros, além de um “convite” para o que se veria de Homem de Ferro, dois dias depois.

No telão, Jon Favreau apareceu dentro de uma sala de edição recheada de estátuas e artes conceituais do filme, dizendo que não podia estar lá naquele dia, mas tinha um clipe exclusivo pra dividir com a galera... um trecho de The Marvel Super Heroes, o desenho de 1966. Era só uma piada, até que Black Sabbath começou a tocar e as luzes se acenderam novamente, mostrando Favreau no palco, com uma câmera na mão, dizendo que não queria ser o único a não colocar aquele momento no YouTube.

Foi a primeira vez que vi o Hall H vir abaixo.

Jon Favreau conversou com a galera, dizendo que as filmagens tinham acabado, os efeitos estavam indo bem, a ponto de ele poder ir mais cedo pra San Diego mostrar o que tinha pra mostrar, já preparando pro painel do sábado. “Alguém não vai estar lá?”, perguntou, pra ouvir um bom barulho em resposta. “Que merda. Talvez vocês vejam no YouTube! Mas eu também podia mostrar agora, né? Alright, let’s roll it!”

Foi a segunda vez que eu vi o Hall H vir abaixo. E o que aconteceu depois mudou a minha vida. Não só porque o Homem de Ferro se tornou o meu personagem favorito, não só porque toda essa coisa de Universo Marvel nos cinemas começou ali. Mas, quando o vídeo acabou, as 4000 pessoas estavam em ÊXTASE. Era um barulho ENSURDECEDOR que dominava o Hall H. Ver aquelas cenas, claro, tinha sido o gatilho, mas teria sido infinitamente diferente se aquela galera não estivesse ali, pensando a mesma coisa, ao mesmo tempo.

De lá pra cá eu vi aquele vídeo no Hall H umas duas ou três vezes, já estrearam três filmes solo, dois em equipe, fiz cinco viagens pra San Diego e o Hall H veio abaixo incontáveis vezes. Mas nunca mais a experiência de estar naquele dia 26 de Julho dentro daquele lugar se repetiu.

Robert Downey Jr

Entendo perfeitamente a ansiedade das pessoas por quererem ver o que é mostrado lá em San Diego, independente do tipo da qualidade ou do formato. Aliás, é bastante óbvia essa ansiedade, ainda mais quando se acompanha relatos direto do lugar, ao vivo, como o próprio o JUDÃO faz no twitter. Ao mesmo tempo, entendo perfeitamente a raiva que diretores, produtores e o pessoal do marketing sentem quando um conteúdo acaba caindo na internet numa qualidade bem próxima de um pedaço de cocô pisado por outro pedaço de cocô que usa vômito como perfume e toma banho de chorume.

Mas será que, em 2015, realmente faz sentido a exclusividade dos conteúdos apenas e tão somente pra quem estiver dentro daquele lugar, naquele dia específico?

Não concordo com a maioria das coisas que Jeff Sneider diz nesse artigo do The Wrap, mas uma coisa específica me fez pensar no assunto e querer escrever isso aqui – o que eu aliás tinha desencanado quando discutimos a pauta, entre nós no JUDÃO. “Ayer [David, diretor] escreveu no Twitter que o vazamento de Esquadrão Suicida foi ‘injusto com os fãs que esperaram na fila’. Bem, e a 7001ª pessoa na fila que gastou seu dinheiro suado pra ir até San Diego e não conseguir entrar no Hall H? Eles sacrificam inúmeras oportunidades e painéis, apenas pela chance de ver ‘Esquadrão Suicida’ e aí um membro da imprensa pode aparecer na última hora e roubar seu lugar?”

Bom, é complicado um “membro da imprensa aparecer na última hora” e roubar o lugar mas, de fato, a imprensa pode ficar na sua gaiola ao lado do palco ou, se for o caso, ficar em um dos assentos comuns. Existem muito poucos reservados, que dependem do estúdio e uma bagde especial pra serem utilizados — e eles são raríssimos. Ou seja, ou você é MUITO bem conectado, ou fica em pé, ou senta no meio de todo mundo.

O stress é real: em 2010, no dia em que o elenco de Os Vingadores apareceria junto pela primeira vez, duas pessoas brigaram por conta de um assento, com um deles enfiando uma caneta no olho do outro. A polícia então impediu que qualquer um entrasse ou saísse do Hall H, enquanto fazia seu trabalho, mas o show continuou com as apresentações de Paul e Cowboys & Aliens, que levou Harrison Ford pela primeira vez à San Diego Comic-Con, algemado.

Nesse dia o 7001º da fila era eu. Literalmente: não havia ninguém entre este que vos escreve e a porta de entrada do Hall H, além dos seguranças. Por sorte, consegui entrar a tempo do painel da Marvel Studios mas... E se eu não tivesse conseguido?

Bom, a resposta é bastante simples: eu não teria tido a experiência de acompanhar a primeira reunião dos Vingadores ali, com eles e outras milhares de pessoas. Porque assistir a ela é bem fácil...

O fato de estarmos em 2015 já deveria fazer com que a indústria do entretenimento começasse a olhar pra própria indústria do entretenimento de maneiras diferentes. A organização da San Diego Comic-Con é parte importante dessa indústria e se valer da “confiança” entre eles e os estúdios pra garantir conteúdos exclusivos e, assim, o público para a convenção, talvez não faça mais sentido.

Comic-Con não é o que você assiste no telão ou vê no YouTube. A Comic-Con é a experiência. É um estado de espírito.

Se os organizadores e os estúdios quiserem manter esse formato de exibir conteúdos exclusivamente para aquelas 7 mil (ou menos, dependendo da sala) pessoas, que reforcem a segurança, como a Disney faz na D23 Expo, revistando bolsas e exigindo que equipamentos eletrônicos sejam lacrados durante o tempo que se estiver lá dentro — e aí, se você não é da imprensa e está sentado num lugar diferenciado, não pode nem TUITAR lá de dentro da versão do Mickey para o Hall H. Detectores de metal, quem sabe? Câmeras em todas as fileiras de cadeira, com algum tipo de sensor, que detectasse esse tipo de equipamento, não sei.

A questão é: será que vale a pena?

A LucasFilm provou, esse ano, que não precisa segurar nada do público pra ser inesquecível. Primeiro, com eventos simultâneos a Star Wars Celebration ao redor do mundo, seguido da divulgação do primeiro trailer na internet; depois, liberando o painel online, bem como o vídeo de bastidores exibido na apresentação. Mas você não estava lá, em nenhum dos eventos. Se estivesse, imagem nenhuma conseguiria descrever a sensação, como bem escreveu a nossa Vivian Breda, a Vivz, que, sim, estava lá.

O trailer de Batman VS. Superman, liberado pro mundo no exato momento em que o painel do filme acabou, no último sábado, já tem mais de 20 milhões de visualizações no YouTube. Deadpool só conseguiu ser realizado porque imagens que deveriam ter sido vistas APENAS por executivos de estúdio caíram no gosto do público — o próprio Ryan Reynolds assumiu e agradeceu a galera por isso, também no sábado, 11.

E se só eles tivessem visto aquilo?

Nos últimos anos, mais e mais conteúdos têm sido liberados na internet assim que são exibidos por lá. Eu até já cheguei a cogitar a validade de uma cobertura tão dedicada se tudo o que reportamos as pessoas podem conferir deitadas no sofá, num telefone celular. Mas aí eu percebi que a Comic-Con é diversão. É sobre o que se sente, o que se ouve, o que se vê, com quem se sente, com se vê, de quem se ouve.

Não é o que se reporta, mas sim como se reporta.

É ridículo assistir a esses vídeos vazados, claro que é. Divulgar, então, putz. Só não é tão paunocu quanto gravar essas cenas mesmo quando se pede encarecidamente um milhão e meio de vezes pra que não se faça, por N motivos. Mas não dá pra combater como pirataria, é diferente. É outra coisa. Não é em benefício próprio, é pra alegria de outros milhões ao redor do mundo.

O cara que faz isso não é o Jack Sparrow, ele é o Robin Hood.

Talvez esteja na hora de a organização, estúdios e toda a ideia da San Diego Comic-Con parar de se importar com o que se vê, mas sim com o “como” se vê. Um vídeo pode ser visto em qualquer lugar, em qualquer aparelho.

Viver aquilo tudo, porém...