O anúncio do showrunner de Legion como roteirista e diretor do mais novo filme da saga é maravilhoso e deve ser celebrado — mas é uma pena que ele apague uma outra notícia ainda mais relevante para ESTA franquia em particular
Antes de qualquer coisa, importante esclarecer uma confusão que parece enrolada até mesmo pra nós: a história de que o diretor Quentin Tarantino quer e/ou vai dirigir um Star Trek continua de pé, até segunda ordem, embora sem datas. Rated R, aquela parada toda. Mas este filme deve ser um caso à parte, e não uma continuação da nova franquia, que teve os dois primeiros filmes dirigidos pelo J.J.Abrams e aquele último, Star Trek: Sem Fronteiras (2016), sob a batuta de Justin Lin. Entendido?
Sobre o QUARTO Star Trek, renovado e revigorado, finalmente temos informações concretas — e, bem, trata-se de uma notícia bastante interessante, ainda que com dois VIESES a serem analisados. Sabe o Noah Hawley, showrunner da maravilhosa série Legion? Muito que bem: enquanto aguarda todos os desdobramentos da compra da Fox pela Disney, pra saber se o tal filme do Doutor Destino que ele tava planejando vai mesmo acontecer, o cara foi trabalhar em Lucy in the Sky, seu PRIMEIRO longa, estrelado pela Natalie Portman e no qual ela vive uma astronauta que passa por uma experiência fora do comum no espaço e meio que se desconecta da realidade.
Pois parece que menino Hawley gostou desta coisa de contar histórias no espaço e, como você deve já ter imaginado ao ler até aqui e somar 2 + 2, topou a proposta da Paramount e vai escrever AND dirigir o tal do Star Trek 4. O filme será produzido pela 26 Keys, produtora do cineasta, ao lado da Bad Robot de Abrams. A expectativa, claro, é que Chris Pine retorne ao seu papel como o Capitão Kirk, assim como Zachary Quinto retome as orelhas de Spock e Zoe Saldana toda a fodacidade de Uhura, entre outros integrantes do elenco que assumiu as clássicas personas desde o reboot de 2009.
A Paramount tá tentando tirar esta parada do papel basicamente desde que o terceiro filme estreou. Rolou até uma sugestão de roteiro numa pegada meio viagem no tempo, no qual Kirk encontraria a versão mais jovem de seu pai, vivida pelo Deus do Trovão Chris Hemsworth. Mas, no ano passado, as negociações com os atores, principalmente os dois Chris, chegaram a um impasse. A ideia do estúdio era tentar conter os custos, mas os contratos com o elenco principal se encerraram, novas versões foram parar na mesa e, claro, os preços ficaram muito mais caros. Não se falou mais sobre isso até então e o projeto acabou engavetado.
E eis aí o SEGUNDO viés que é importante analisar nesta história toda.
Hawley é uma excelente escolha, não apenas como diretor mas principalmente como roteirista, por uma série de fatores: sabe lidar com tramas complexas sem subestimar a inteligência do espectador, tomando decisões difíceis narrativamente falando. Também é um contador de histórias que sabe se focar no desenvolvimento de personagens, amarrando muito bem elencos grandes e diversos (além de Legion, basta ver o que ele faz em Fargo). E, para completar, sabe escrever muito bem personagens femininas interessantes, o que é CRUCIAL para toda a herança progressista de Star Trek. E é aí que está o grande ponto.
Porque, em Abril de 2018, a Paramount Pictures anunciou que S.J. Clarkson, mais conhecida por seus trabalhos em seriados como Orange Is The New Black, Jessica Jones, Bates Motel, Dexter, Os Defensores e váááários outros, seria a diretora de Star Trek 4. Estaríamos falando da PRIMEIRÍSSIMA vez que a direção de um dos longas desse universo ficaria nas mãos de uma mulher.
Sabe aquela série derivada de Game of Thrones a prequel que teria a Naomi Watts no elenco e acabou cancelada? Pois então. A S.J. Clarkson foi convocada para dirigir o piloto e, somando isso a toda aquela indefinição envolvendo negociações salariais dos atores, o Deadline foi a primeira publicação a cravar que este quarto Star Trek tinha mesmo entrado no limbo. Clarkson topou a empreitada em Westeros justamente porque estaria disponível.
Muito que bem. Chegamos em 2019 e vem a notícia do Hawley. Mas... depois que o piloto desta nova GOT foi finalizado (sim, ele existe), Clarkson agora estava novamente disponível. Por que ela não voltou ao projeto? Tudo bem, existe uma série de negociações hollywoodianas que não ficam exatamente claras, assim, de imediato, ela pode estar com outro projeto na manga, a gente jura que entende. Mas é o que conversamos aqui internamente: “não tinha nenhuma OUTRA mulher disponível?”.
Star Trek sempre foi uma série que quebrou paradigmas. Em 1966, estava lá uma mulher negra no papel de uma tenente, parte indispensável da tripulação da USS Enterprise e que, mais tarde, protagonizou o primeiro beijo interracial da TV americana. E como diz Lady Sybylla, escritora e especialista em ficção científica (e Star Trek, em particular), a franquia que sempre teve mulheres em posição de comando ainda teve a coragem de lançar Star Trek: Voyager, uma série que trazia a Capitã Janeway no papel principal, controlando uma nave estelar. “É considerada uma das séries de TV mais feministas que já foram feitas”, diz ela, neste texto. “Temos não apenas uma capitã que é cientista, como mulheres em posição de destaque, que não precisam provar que são boas para estarem lá e que discutem sobre tudo”.
E eis que temos ainda a atual Star Trek: Discovery, consistente e excelente, com uma mulher negra liderando o elenco, uma humana que é meia-irmã de Spock, um dos mais icônicos personagens da saga. Pensa nisso.
Faltava apenas ultrapassar esta fronteira final. Depois de TREZE filmes nas telonas, finalmente trazer uma mulher para contar uma história de Star Trek numa plataforma de alcance tão amplo quanto o cinema. Seria a cereja do bolo.
A gente ama o Hawley. E tamos torcendo pra ele fazer um filme incrível. Mas o mundo em que vivemos precisava MESMO de Star Trek entrando em velocidade de dobra MAIS UMA VEZ. Quem sabe na próxima. ¯\_(ツ)_/¯