Ou: como os comentários de Rubens Ewald Filho refletem a indústria ultrapassada que os discursos de agradecimento do Oscar tanto querem derrubar
Vamos esquecer, por um momento, a performance questionável de Neil Patrick Harris como apresentador do Oscar deste ano – parte da culpa pode ser da qualidade do roteiro (que não é o próprio apresentador que escreve, é bom que se explique), parte da culpa pode ser do ritmo lento e modorrento da cerimônia (quando teve a chance de apresentar o Tony, que é bem mais ágil e direto, NPH foi incrível) ou ele simplesmente poderia não estar numa noite inspirada. Talvez, também é uma hipótese viável. Mas isso não é, honestamente, o mais importante.
Assim como não é importante a polarizada discussão que hoje toma conta das redes sociais, sobre Birdman ter saído como o grande vencedor da noite, deixando o hypado Boyhood comendo poeira. Ah, um merecia mais, o outro não tinha roteiro, um era Hollywood falando de si mesma, o outro teve interpretações pífias, um foi gravado durante 12 anos, o outro em uma única tomada sem cortes... Deixem este #mimimi de lado também. Por agora, pelo menos.
O que é relevante de fato, e deve MESMO ser levado em consideração como A coisa a ser lembrada nesta edição, foi a força dos seus discursos. Assim mesmo, no plural, reforçando a importância da pluralidade. Foi surpreendente. Foi representativo. Foi emocionante. Foi FODA.
Começou no tapete vermelho, com a Reese Whiterspoon falando da campanha do #AskHerMore, por perguntas para as mulheres do tapete vermelho que fujam do eterno looping de “quem é o estilista do seu vestido?” e variantes. Ganhou corpo quando a Patricia Arquette agradeceu o seu Oscar clamando pela equiparação salarial entre homens e mulheres na ensolarada Hollywood, fazendo Meryl Streep pirar e virar meme. Aí Common e John Legend entregaram uma performance tocante de Glory, canção do filme Selma, ganharam o prêmio por ela e traçaram um paralelo da situação dos negros da época de Martin Luther King e de hoje ([spoiler] Continua uma merda). Graham Moore, roteirista de O Jogo da Imitação, agradece emocionado falando sobre aceitação, sobre bullying, tentativa de suicídio e “stay different, stay weird”. E pra finalizar, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu vai receber o careca pelado de melhor filme e aproveita a piada sacana do amigo Sean Penn para pedir respeito e dignidade aos imigrantes. Chave de ouro.
Um sopro de esperança nesta indústria cinematográfica branquela e sexista? Pode ser. Deveria ser a regra, e não a exceção. Já é um começo. Lindo.
Menos para quem estava vendo o Oscar na TNT, é claro. Porque lá estava o eterno comentarista Rubens Ewald Filho. Entregando doses de algo que não fazia sentido para a cerimônia que se desenhava, que não faz mais qualquer sentido em lugar nenhum da indústria do entretenimento. Doses de um preconceito banal tratado como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Rubens é uma verdadeira enciclopédia viva do cinema. Isso não tem como negar. A gente respeita ele (e MUITO) por isso, pela carreira do cara. Mas o mínimo que ele poderia, minha gente, é ter também um pouco de respeito. O problema, honestamente, não são os erros, as confusões de nomes, títulos e afins que ele anda cometendo aos montes ao longo dos anos. Dane-se, tudo mundo erra. Isso não é a questão. O lance é quando a Patricia Arquette sobe no palco e ele resolve soltar um “ela é gordinha... não arrumou o dentinho dela... parece até gente”. Sério, Rubens? Como comentarista, você não encontrou nada mais interessante pra dizer sobre ela do que ISSO?
Vamos tentar, quem sabe, falar sobre cinema? Que é o que importa aqui?
Aliás, até quando resolveu falar sobre cinema, sua suposta especialidade, o Rubens (que parecia bastante entediado com tudo o que estava acontecendo, com uma postura bastante blasé) soltou suas groselhas. “Vai ser Disney ou arte?”, disse ele, depois do anúncio dos indicados ao prêmio de melhor animação. “Guardiões da Galáxia não é pra ser levado a sério”, diria em outro momento – no anúncio da categoria de efeitos visuais, “Levado a sério” e “efeitos visuais”, percebam.
Confesso, aliás, que estava torcendo pelo Michael Keaton como melhor ator, mas dei boas risadas quando Eddie Redmayne ganhou, logo depois do Rubão surrar o moleque, dizer que ele é fraquinho, que ainda tem muito o que aprender... Não deu 30 segundos e, pimba! Redmayne no palco e o filho do seu Rubens Ewald com cara de salame.
Salame.
Há quem defenda que o Rubens, conforme envelhece, vai ganhando tons de Silvio Santos, alguém cuja idade tira certos pudores, certas vergonhas, dando-lhe liberdade para dizer o que bem entende. Discordo. Ele sempre teve liberdade para dizer o que quer e quando quer, assim como cada um de nós. Sabe aquele velho papo sobre liberdade de expressão, Je Suis Charlie? Pois é.
Mas o que eu esperava de um sujeito inteligente como ele era, o mínimo que eu esperava, é que ele se atualizasse. Blockbuster não é arte? Bom cinema é apenas aquele de autor, independente, que pode “ser levado a sério”? Já falamos sobre isso aqui, né? Que preguiça. Na real, estas são discussões do século passado, meu povo. Hoje estamos na era em que milhares, milhões de comentaristas podem dar as suas opiniões sobre um evento em tempo real. E muitos deles de maneira mais assertiva do que certos jornalistas advindos de jornalões que optaram por manter suas opiniões congeladas no tempo, bem como seus preconceitos e cagadas de regra.
Faltou ao Rubens um mínimo de sensibilidade para perceber o tipo de situação que foi se desenhando, os aplausos, o calor que aquilo foi gerando, o sorriso que foi se formando no Twitter, no Facebook, em todos os cantos, conforme as pessoas foram se empolgando e sendo tocadas por estes discursos. Mas ele não deve se importar com nada disso. Porque nada disso é jornal impresso, não é revista semanal de grande circulação. Nada se compara à opinião soberana de quem assina a coluna de cinema, não é?
Lembrem-se, amigos de Atlanta, é pra isso serve o controle remoto – pra isso e, claro, para ativar a tecla SAP. Que, a não ser que muita coisa mude, vai ser recurso cada vez mais frequente e necessário nas transmissões da TNT. Que até vocês já estão oferecendo outros comentaristas na internet...
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