A Piada Mortal: o problema não é o sexo, gente... | JUDAO.com.br

Brian Azzarello, roteirista da adaptação, fica puto, dá chilique, mas está longe de sacar qual é o X da questão

Uma cena em particular da adaptação de A Piada Mortal, a clássica graphic novel de Alan Moore e Brian Bolland, acabou tomando as redes sociais de assalto nos últimos dias, em meio a todo o turbilhão de informações da San Diego Comic-Con, onde rolou a estreia mundial do filme.

A sequência rola ANTES de entrar na história propriamente dita, no prólogo, quando o Batman ainda não ADENTROU os portões do Asilo Arkham para uma conversa definitiva com o Coringa. Enfurecida por ser tratada por Bruce como uma adolescente inconsequente, Barbara parte pra cima do mentor. Os dois brigam, ela joga o sujeito no chão, sobe por cima dele. Tá acompanhando?

E aí ela beija o Morcegão. Tira parte da roupa. E os dois transam. É, transam, trepam, fodem, fazem sexo. Simples assim.

“Não lembro exatamente de quem veio originalmente a ideia, mas nós três topamos de imediato, sabíamos que era por aí que tínhamos que seguir”, disse o animador Bruce Timm, responsável pela série clássica dos anos 90 e também produtor de A Piada Mortal, em entrevista ao Vulture. Quando fala “nós três”, Timm se refere a ele, ao co-produtor Alan Burnett e ao roteirista Brian Azzarello, trazido diretamente dos gibis para dar uma força na adaptação.

Tenho certeza de que ele estava crente de que fez uma Batgirl superforte e independente, só que criou uma heroína dependente emocionalmente e inconsequente, tudo que a Barbs não é

O produtor afirma que sabia que a sequência causaria controvérsia, ainda mais pela dinâmica original deles nos gibis, que está mais para uma relação entre pai e filho. Mas vale lembrar que o próprio Timm já tinha mostrado antes uma relação entre os dois em suas produções – como em The New Batman Adventures e em Batman Beyond, quando o Homem-Morcego do futuro, Terry McGinnis, conhece a comissária Barbara Gordon, que fala algo sobre uma tal relação entre os dois que não deu muito certo. “Era importante para nós mostrar que os dois podem cometer grandes erros”, explica Timm. “Talvez por nunca ter tido filhos, Batman não sabe que quando você diz para um jovem que não é para fazer algo, eles vão querer fazer mais e mais. E aí ela erra, ele exagera na reação aos erros dela, e ela exagera na reação à reação dele. É algo muito humano, uma história com a qual dá pra se relacionar bastante. É controverso porque é uma zona, porque relacionamentos algumas vezes são uma bagunça”.

Para o Comic Book Resources, Azzarello justifica ainda dizendo que a obra original já é, por conta própria, bastante polêmica. “Então, a gente colocou mais polêmica. Eu acho que ela é mais forte do que os homens da vida dela na história. Ela controla os homens da vida dela. Ela sai uma personagem ainda mais forte ao final daquele trecho da história”.

Então, queridos Timm e Azzarello, é bom que a gente não perca exatamente o foco da discussão aqui. O problema não é, mas nem de MUITO longe, a cena de sexo entre os dois. Estamos falando de uma animação adulta, que não é para crianças. E porque, como a gente SEMPRE diz, filme é filme, HQ é HQ, quer mudar o jeito que os dois se relacionam, beleza. Mas faça isso com um bom roteiro, né? “Sinceramente, independente de eles terem uma relação mais fraternal no gibi, (quase) todo mundo transa. Normal transar com amigos, normal transar com ex, normal transar casualmente, N-O-R-M-A-L”, diz a colorista de quadrinhos Fabi Marques, que assistiu ao filme nesta segunda (25). De acordo com ela, o problema de verdade aqui é que a animação caracteriza a heroína como uma “ex-namorada ressentida”, sendo tratada pelo Batman o tempo todo como uma garotinha mimada ou uma filha adolescente, generalizando a idéia de que mulheres são o “sexo sensível” e que, quando irritadas, são capazes de fazer coisas sem qualquer sentido. “O desenho chega até a um momento em que a Batgirl é obrigada a ouvir de seu stalker ‘estamos naquele período do mês, né?’. Neste momento, o cinema foi ao delírio e eu quase me retirei da sala”.

A Piada Mortal

Para a designer e pesquisadora Beatriz Blanco, uma das redatoras do site Minas Nerds, é nítido que o Azzarello, ciente das críticas clássicas ao fato da Barbara Gordon ser um mero objeto brutalizado na HQ, quis reverter a situação e fazer uma história focada nela. “Só que ele NÃO SOUBE FAZER. Você percebe o patético das tentativas pelo monte de clichê de ‘mulher forte’ que ele enfiou sem nenhum critério: ela brigar com o Batman, bater num namorado abusivo que agredia a parceira no meio da rua, espancar um vilão com violência após piada com TPM”, diz.

De acordo com ela, a ironia do negócio é justamente essa. “Tenho certeza de que ele estava crente de que fez uma Batgirl superforte e independente, só que criou uma heroína dependente emocionalmente e inconsequente, tudo que a Barbs não é. Você vê nitidamente que aquilo é um clichê de mulher supostamente forte totalmente fetichizado pra um cara. Um cara tão cego nos estereótipos que não consegue ver que está tudo errado”.

Além de não concordar com as críticas, Azzarello ficou meio até puto com elas e chegou a dar um chilique durante o Q&A que se seguiu à apresentação do filme, durante a SDCC. De acordo com reportagem do io9, um fã vestido de Coringa perguntou aos responsáveis pelo filme porque eles acabaram diminuindo ainda mais a personagem de Barbara Gordon, fazendo com que a história girasse ainda mais em torno dos homens ao invés de dar destaque a ela como deveria. O público aplaudiu. Azzarello tentou tentou defender: “mas ela continua sendo uma personagem forte”.

Então, o repórter do Bleeding Cool, Jeremy Konrad, não aguentou e gritou, do meio da plateia: “sim, usando sexo e depois implorando pela atenção do Bruce”. Aí a confusão estava formada, porque teve gente que aplaudiu, gente que vaiou... e então o Azzarello soltou a pérola: “fala isso de novo, seu bundão (em inglês, ele usou ‘pussy’, o que torna a coisa duplamente mais bizarra)”.

Pois é. Bem maduro assim MESMO.

Todo mundo bastante feliz durante o painel na San Diego Comic-Con

Todo mundo bastante feliz durante o painel na San Diego Comic-Con

“Ouvi dizer que essa animação empodera a mulher e mostra a Batgirl sendo uma super-heroína que arrebenta todo mundo”, explica Fabi. “Mas não vem tratar a personagem como uma criança o tempo todo e deixa ela quebrar a cara de dois carinhas pra falar que deu poder pra mulher. Não queremos migalhas”. Beatriz concorda. “Essa animação virou um exemplo ilustrado de que fazer boas personagens mulheres é muito mais do que distribuir pancada e bravata”. Colocar mais Batgirl no filme realmente era uma boa ideia. Mas do jeito que foi feito, não, não foi uma boa ideia. “Então para, fez errado, volta, faz de novo”, resume Fabi.

Mas, afinal de contas, o que diabos o próprio Alan Moore acha de tudo isso? Aliás, ele sequer faz ideia de que alguém transformou A Piada Mortal em animação? “Honestamente, assim como acontece com todos os meus trabalhos que não são meus de fato, não tenho qualquer interesse na HQ original ou na versão animada sobre a qual eu ouvi há cerca de uma semana”, explicou recentemente o próprio mago barbudo, durante uma sessão de perguntas e respostas do Goodreads.

Um erro da minha parte, do qual me arrependo

Ele reforça que pediu para o seu nome ser retirado dos créditos e orientou que qualquer grana dos direitos, por menor que fosse, deveria ser enviada para o artista. “Esta é a minha posição de sempre com relação a este típo de material. Mas, sobre A Piada Mortal em particular, eu nunca gostei muito dela como trabalho – embora, claro, eu me lembre da arte de Brian Bolland como sendo algo absolutamente incrível. Mas achei um tratamento violento e sexualizado demais para um personagem simplista como o Batman e um erro da minha parte, do qual me arrependo”.

Enquanto vocês ficam aí pensando nas palavras do velho Moore, tudo que eu tenho a dizer é: depois daquele trailer FODÍSSIMO da Mulher-Maravilha revelado durante a SDCC, fico rezando aos deuses da cultura pop para que as decisões criativas tomadas para este A Piada Mortal não reflitam os planos da DC para as suas propriedades futuras. Sabe aquela história de “putz, os desenhos animados da DC são foda, por que a DC dos cinemas não se inspira neles para fazer os seus filmes?”. Baseado neste exemplo... não, gente, por favor, não.