Poucos segundos entre os milhões de minutos de uma série como Jessica Jones explicam direitinho a importância da representatividade e diversidade também atrás das câmeras
É uma fórmula: até mais ou menos a metade da temporada, as séries Marvel / Netflix seguem um caminho que, depois de uma surpresa ou plot twist, muda um bom tanto — sem esquecer aqueles três episódios a mais e um tempo de duração que parece eterno.
A segunda temporada de Jessica Jones não é diferente. Tudo o que eu falei aqui sobre a coisa mais detetive da personagem e sua parceria com a Trish vai pro saco no sexto episódio e, durante outros dois, quase que leva também a nossa paciência pro tal saco.
Essa fórmula já deu o que tinha que dar e mostra um defeito enorme de roteiros, que não conseguem nem ser objetivos o suficiente, nem espalhar por outros tantos episódios o que esses três a mais se focam tanto em mostrar.
A sorte é que Jessica Jones continua destoando dos seus amigos Defensores (que não mereceram nenhuma menção, ainda bem) ao seguir sendo uma série sobre abuso e, agora também, com traumas e todas as doenças mentais que acompanham ou causam, servindo tanto quanto gatilho quanto como, vamos dizer assim, terapia.
Mas não é disso que eu quero falar aqui dessa vez. Nem disso e nem do fato de terem desistido de uma vez de fazer a Krysten Ritter fingir que tem superpoderes, como supersalto e essas coisas.
É, olha só, sobre representatividade. (É aqui que você pode parar de ler e não ir lá no nosso Facebook dizer que estamos chatos, isso e aquilo)
Último episódio da segunda temporada, Parque de Diversões, dirigido por Uta Briesewitz, por volta dos 37mins. Não se preocupe que não se trata de spoiler nenhum: Jeri Hoggarth praticando yoga com uma jovem, e belíssima, professora, na sala de casa.
A advogada está imediatamente atrás da instrutora que, ao fazer movimentos como da prancha e do cachorro olhando pra cima, em um resumo bem explícito, deixa o que eu imagino que seja uma bela bunda bem na cara da Sra. Hoggarth que, vale lembrar, é lésbica.
Ela tem a mesma reação que eu ou você teríamos se nós dois tivéssemos atração por mulheres. A diferença é que o episódio, como todos os outros doze dessa temporada, é dirigido por uma mulher e, bom... eu disse que imagino que seja uma bela bunda porque nós não vemos o que a Jeri vê.
Eu fiquei esperando que rolasse o close da bunda da moça, de quatro ou fazendo a tal da posição do cachorro. Era o óbvio, naquele momento. Mas, quando o foco foi pra reação da Trinity, na hora me bateu não só o quanto esse tipo de coisa é desnecessário, quanto nada mais é do que o chamado eye candy pra quem assiste, tendo significado nenhum pra história — ao contrário da reação da Jeri, que parece PLENÍSSIMA com o que está vendo.
Entende o que representatividade significa? Entende a importância não só de uma mulher dirigindo uma história protagonizada por mulheres, como o olhar feminino sobre histórias — quaisquer que sejam?
Há uma outra cena, dois episódios antes (Três Vidas e Contando, dirigido por Jennifer Lynch) em que a Jessica tira a roupa. A câmera é distante, imóvel. Seu corpo e sua semi-nudez são usados apenas e tão somente pra mostrar o desespero da personagem em se ver livre de uma... (digamos assim, pelo bem de um texto spoiler free) sujeira, nada além disso.
Porque, é, não tem problema nenhum nudez em filmes e séries. Atores, literalmente, usam seus corpos pra contar histórias. Mas há uma enorme diferença de quando isso importa pra história ou está lá apenas e tão somente pra satisfazer alguém, dentro ou fora do set. ¯\_(ツ)_/¯
A segunda temporada de Jessica Jones não é tão impressionante quanto a primeira mas, tirando a enorme barriga adquirida com a tal fórmula maldita, continua sendo a principal série dessas Marvel / Netflix, na frente e atrás das câmeras.