Yesterday é tipo um abraço, um sorriso de um desconhecido na rua. Faz seu dia. Melhora um pouco as coisas, nem que seja por um par de horas. Ob-La-Di, Ob-La-Da.
A ideia de responder à pergunta sobre “como seria o mundo sem os Beatles?” é quase um exercício de engenharia reversa. Quer dizer, a gente pode super ficar FILOSOFANDO sobre como seriam as coisas, mas a gente pode também voltar lá pros anos 1960, olhar pra tudo o que eles fizeram — e que fizeram por conta deles — e tirar da frente.
Como exemplo, o clássico Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones, eternizado pelos Engenheiros do Hawaii, seria uma das coisas que não existiria, assim como uma das cenas mais icônicas da história do cinema em Curtindo a Vida Adoidado... E por aí vai.
Yesterday, dirigido por Danny Boyle, tem como premissa um mundo em que os Beatles não existem. Não chega a tentar responder à pergunta de como seriam as coisas sem os GAROTOS DE LIVERPOOL (no máximo afirma que “seria um mundo pior”), mas também se perde horrores na hora de definir a ideia de que, bem, a partir daquele momento os Beatles não fazem mais parte da história da humanidade — no máximo fazem parte da história de Jack Malik (Himesh Patel), um músico resignado com o seu INSUCESSO que, no exato momento em que uma apagão atinge o mundo todo por 12 segundos numa noite de um dia difícil, é atropelado por um ônibus.
É ainda dentro do hospital que ele começa a estranhar que suas referências aos FAB FOUR não encaixam nunca, acreditando até se tratar de uma PEGADINHA feita com a ajuda dos seus amigos. Mas, enquanto Jack não demora muito pra perceber o que tá acontecendo de fato (e se aproveitar disso), o filme entra numa longa e sinuosa estrada, se perdendo e se repetindo, relembrando a todos nós, espectadores, que “os Beatles não existem, olha só como as coisas seriam”. Demora pra engrenar e seguir seu rumo, o que é um tanto cansativo — pelo menos é ao som de diversas músicas que estão grudadas nos seus ouvidos e nos seus olhos, então alivia. ;)
Caso você esteja se perguntando, não, Yesterday não é um musical. Normalmente o que se ouve são trechos de músicas, enquanto Jack tenta lembrá-las pra botar num papel e, depois, gravá-las. Por mais que em algum momento eu tenha pensado “aw shit here we go again pra mais um filme do Queen”, Yesterday em determinado ponto segue o rumo da comédia romântica britânica, com algumas das músicas dos Beatles servindo como empurrão pra história. Nada como acontece em Rocketman, em que usa as canções como base; mas é perfeitamente possível ligar determinadas partes da história à músicas, algumas de maneira mais direta que outras — e isso é um exercício no mínimo divertido de se fazer.
Embrulhado naquela nada nova história do músico de cidade pequena, seja lá de qual país, que vai pra Hollywood gravar um álbum, precisando lidar com TUDO o que isso significa — dos empresários ao marketing — Yesterday acaba funcionando de verdade quando começa a olhar com mais carinho (literalmente, até) aos efeitos colaterais pessoais do tal do apagão, que pode servir como metáfora pro tanto de coisa maravilhosa que a gente acaba deixando pra lá em questão de segundos. Alguém diz “oi”, alguém diz “tchau” e cada coisinha muda completamente, pra sempre.
Com roteiro de Richard Curtis, responsável pelas mais importantes comédias românticas das últimas três décadas — Simplesmente Amor, O Diário de Bridget Jones, Um Lugar Chamado Notting Hill, Quatro Amigos e um Funeral, entre outras — Yesterday se revela quando assume ser uma história de amor. Uma história sobre como nem sempre tudo o que você precisa é o amor, sobre como não se pode comprar esse amor. Amor pela música, amor pelo que se faz, amor por amigos, amor romântico. Você pode fazer o que quer com amor... Mas só o amor, ah, isso não é suficiente. Nunca.
Até porque, por mais que se ame os Beatles (...e os Rolling Stones VOCÊ CANTOU ISSO QUE EU SEI!), até que ponto é certo pegar músicas que você não criou e assumir os créditos, ficando famoso e rico com isso? Ao mesmo tempo, como evitar que o sonho da sua vida se realize se você tem a possibilidade de fazer acontecer?
Se você tivesse aquele almanaque dos esportes de De Volta pro Futuro, o que você faria?
Incomoda um pouco o lance de friendzone? Incomoda, sim. Parece que é obrigação de um casal de amigos ficar juntos — o que Yesterday realmente faz com que a gente sinta, já que é impossível não se apaixonar por Ellie Appleton, vivida por Lily James. Conhecê-la é amá-la! É difícil entender como é que ela é só amiga e ~empresária do Jack e que eles não estão juntos como namorados. É até uma surpresa quando se ouve falar disso.
E podia ter sido pior, aliás: a personagem de Ana de Armas, Roxanne, foi completamente cortada da história — assim como cerca de 25% do roteiro original. Segundo Curtis, em entrevista ao Cinemablend, ela seria um “fator complicador” pra história de amor. OUTRO. Mas o resultado é real e infelizmente satisfatório. Só fica mesmo esse gosto um pouco agridoce de que as coisas podiam ACABAR diferentes, pelo menos uma vez. Não que desse pra esperar algo diferente vindo de Richard Curtis, também. :)
No final das contas, Yesterday é um filme extremamente leve, um alívio de 2h do mundo lá fora. É uma história de amor com personagens apaixonantes. Yesterday é, além do título, uma música dos Beatles em sua essência.
Tem Ed Sheeran, tem Robert Carlyle (sim, é ele), tem o tal do Rocky, vivido por Joel Fry, SIMPLESMENTE MARAVILHOSO. Tem Kate McKinnon. E tem você sorrindo e sussurrando as músicas quando elas aparecem.
Pode não ser a coisa mais inesquecível, nem mesmo uma prioridade na hora de decidir o que assistir no cinema. Mas Yesterday é tipo um abraço, um sorriso de um desconhecido na rua. Faz seu dia. Melhora um pouco as coisas, nem que seja por um par de horas. Ob-La-Di, Ob-La-Da. Um feel-good movie como há muito tempo eu não via. Só senta na poltrona e deixa o filme fazer sua mágica. :)