Scorsese não gosta dos filmes da Marvel, Robert Downey Jr. não quer indicação ao Oscar. E os fãs, ó... | JUDAO.com.br

Tony Stark em pessoa aceita as críticas de Scorsese, que nem são tão exageradas assim, enquanto deixa claro que a Disney não colocá-lo numa lista de gente que poderia receber indicação a Oscar foi uma escolha, olha só, dele mesmo. Sensatíssimo.

Primeiro veio um, e tudo bem. Dois era só uma consequência de sucesso. Três? Bem... Era hora de esses tais “filmes de super-herói” começarem a receber rótulos não muito agradáveis por uma boa parte da crítica, uma parcela do público e até mesmo da indústria. Não que esses rótulos tenham servido pra alguma coisa porque, anos depois, esses mesmos “filmes de super-herói” dominam o mercado, em grande parte por conta da Marvel Studios, um estúdio que nasceu modesto, mas tinha grandes ambições como sua empresa-mãe-adotiva Disney.

Exatamente por conta desse sucesso, os “filmes da Marvel”, quase uma subcategoria desse gênero que nem gênero é, conseguiram um lugar perpétuo nas notícias e dificilmente passamos mais do que alguns poucos dias sem abordar qualquer aspecto das suas produções e, enquanto boa parte da indústria quer colocar seus dedos em alguma futura produção do estúdio, recentemente o diretor Martin Scorsese deixou clara sua opinião sobre esses filmes. “Eu tentei, sabia? Mas isso não é cinema. Honestamente, o mais próximo que consigo pensar deles, e por mais bem feitos que sejam, com os atores fazendo o melhor que podem sob as circunstâncias, são os parques temáticos. Não é o cinema de seres humanos tentando transmitir experiências emocionais e psicológicas a outro ser humano”, afirmou o diretor.

Apesar de não concordar com a sua afirmação sobre os filmes não se conectarem com as pessoas – mesmo que boa parte dessas histórias realmente não se conectem comigo -, diversos arcos narrativos emocionaram uma quantidade considerável de pessoas que acompanharam essas histórias ao longo de mais de uma década. Mas suas declarações abrem espaço para discussões interessantes para o público e para a indústria.

Assim como boa parte das outras produções da Disney, o MCU foi claramente idealizado para criar um apelo universal que forme uma conexão com o público para criar uma base de fãs fiéis. Para que essa fórmula seja um sucesso, dificilmente os materiais nos tiram da zona de conforto e evitam afastar quem já se acostumou com esse universo narrativo. Nenhum filme do MCU deixará o público intencionalmente desconfortável com sua temática – a menos que você seja racista ou misógino — ou explorará questões mais profundas sobre moralidade, porque eles não foram feitos para isso.

Nesse ponto, o Scorsese não está errado em afirmar que o MCU é como um parque temático, onde tem diversão para todos os gostos e todos os públicos. Você sabe exatamente o que sentir quando vai em um parque de diversões e sabe exatamente o que sentir quando vê um filme da Marvel. A Disney tem um longo e bem sucedido histórico em dominar mercados ao atrair a maior quantidade de público possível para suas diversas fontes de entretenimento. Equilibre sequências de batalhas perfeitamente coreografadas, toques de humor em um roteiro minimamente organizado e um elenco recheado de nomes reconhecíveis, e você tem a fórmula dos filmes da Marvel.

Mas isso está longe de ser o tipo de cinema que Scorsese fez e apoiou durante toda sua vida. As experiências que seus filmes oferecerem são muito diferentes desse modelo Marvel que estamos tão acostumados hoje em dia. No lugar de uma história mais pasteurizada com o objetivo de agradar gregos e troianos, o diretor sempre entregou personagens moralmente dúbios que se aprofundam em caminhos bastante obscuros da nossa humanidade em uma estrutura narrativa muito própria. Geralmente, quando outros diretores se aventuram por esse caminho, suas obras ficam taxados de inspirações ou até mesmos cópias do seu jeito de fazer cinema – algumas críticas à Coringa, produzido por ele, entram nessa categoria.

A diferença que existe entre Scorsese e a Marvel é a simples definição do que o cinema deveria significar, afinal. Scorsese acredita que o cinema deve ir além de uma simples diversão temporária, exatamente como um parque de diversões. Essa abordagem sobre os filmes da Marvel não serem cinema entra na constante e histórica luta do diretor contra o famoso “content”, uma expressão que se tornou comum ao falar sobre cinema. Para o diretor, o uso da palavra content – o abrasileirado conteúdo – para descrever o cinema classifica a arte em apenas mais uma mercadoria em um enorme catálogo de outras mercadorias audiovisuais.

Pelo tom da sua declaração, Scorsese vê que a Marvel se enquadra nessa classificação por entregar um conteúdo que está constantemente ligado à outras coisas, como produtos licenciados e marketing pesadíssimo. E, inegavelmente, a Marvel utiliza muito esses dois elementos já comuns dos blockbusters de super-herói para incrementar o sucesso financeiro.

Com arrecadação histórica, a Marvel vem ganhando cada vez mais espaço na indústria e criando uma espécie de antipatia entre profissionais que não se interessam em trabalhar nesse tipo de filme. Em entrevista à Variety, Jennifer Aniston comentou que seu retorno para a TV foi motivado pela falta de propostas interessantes do cinema nesse momento, sendo uma parte da culpa disso a quantidade de filmes da Marvel nos cinemas. Para a atriz, as produções com melhor qualidade estão no streaming e ela não está realmente interessada em viver em uma tela verde.

Mas, afinal, o que essa dominância na indústria significa no Oscar, o verdadeiro consolidador de narrativas, tecnologias e técnicas cinematográficas? Obviamente, Vingadores: Ultimato se tornou um acontecimento sócio-cultural que modificou a indústria e deixou uma marca duradoura no cinema – que também deve ser debatida como sendo positiva ou não. Recentemente, o ator Robert Downey Jr. afirmou em entrevista ao Howard Stern Show que não vê problema em Scorsese não gostar do MCU, porque “precisamos de todas as diferentes perspectivas” e ainda revelou que se recusou a fazer campanha para ser indicado pelo seu trabalho como Tony Stark, explicando, portanto, o motivo pelo qual seu nome não está na lista de “Para Sua Consideração” da Disney — o que fez alguns fãs, como fãs que são, reclamarem com o Mickey sobre isso.

A Marvel Studios tem um histórico de indicações em categorias técnicas, como Efeitos Visuais. Em todos esses anos, apenas Pantera Negra ultrapassou essa barreira e conseguiu vencer. Esse histórico tem pouquíssima relação com qualquer tipo de preconceito contra filmes da Marvel ou até mesmo com os filmes não serem vistos como cinema. O arco narrativo de Stark pode ser emocionante, mas os votantes não escolhem os candidatos em categorias de atuação pelas arcos narrativos dos seus personagens.

Não é, definitivamente, como se o trabalho de Robert Downey Jr. fosse digno de alguma indicação a premiação mais técnica e, como podemos perceber, ele sabe bem disso.

Independente do Oscar ou da opinião de Scorsese e Aniston, você pode continuar gostando dessas histórias e se emocionando como quiser. A base primordial do cinema é fazer o espectador sentir alguma coisa e o diretor simplesmente não sentiu nada vendo esses filmes. Acontece, ninguém precisa ficar pessoalmente ofendido. Sair por aí queimando seus filmes e maldizendo seu nome não é exatamente a melhor abordagem para a opinião de outra pessoa. O MCU não precisa do Oscar e o Oscar só precisa do MCU para ter vários apresentadores e alavancar a audiência.

São jeitos diferentes de fazer e ver cinema e vida que segue.