E quem disse que super-herói é gênero de alguma coisa, ô? | JUDAO.com.br

Drama, comédia, policial, aventura, ação, ficção científica – sim, isso são gêneros cinematográficos. Super-herói, gente, é OUTRA coisa. :)

Na semana passada, quando a internet foi tomada de assalto pelo trailer da série do Demolidor, para a Netflix, o que não faltaram foram elogios. Uma enxurrada deles. Praticamente uma unanimidade, pode se dizer assim, o que é coisa rara hoje em dia.

Estabelecendo qual será o clima da série, o vídeo é algo mais sombrio, escuro, noturno, de um jeito que a Marvel ainda não tinha experimentado nem nas telonas e muito menos nas telinhas. É essencialmente urbano. É um noir contemporâneo totalmente inspirado na fase do personagem escrita por Frank Miller. É frio, é sério, é mais violento. É sobre um justiceiro, um vigilante que prefere ficar nas sombras dos becos e vielas, quase tão bandido quanto a bandidagem que surra.

Tem sangue.

Se você não visse o logo da Marvel na cartela final e não soubesse que o Daredevil é o Demolidor, menino, então nem desconfiaria de que tem alguma coisa de super-herói ali no meio. Está claro, claríssimo, que estamos diante de uma série policial, com sabor de anos 70, conforme prometeu o showrunner Steven S. DeKnight. Uma série que tivesse um jeitão de filmes como Operação França (1971), Um Dia de Cão (1975) ou Taxi Driver (1976).

Você percebeu o que eu disse, fiel leitor? Demolidor é uma série policial. E não uma série de super-heróis. Porque, gente, de uma vez por todas: não, não e não. Super-herói não é gênero de porra nenhuma.

“Eu acho que filmes de super-heróis são idiotas”, afirmou o diretor David Fincher para a revista Playboy. Seu xará, David Cronenberg, fez coro, dizendo que eram “coisas para crianças”. E o que não faltam são cinéfilos e críticos mais, digamos, tradicionais, com argumentos pouco elogiosos para os “filmes de super-heróis”.

Eu, honestamente, acho que todos eles estão, na realidade, querendo dirigir suas críticas para os blockbusters, para o mainstream como um todo, para tudo que é pop. E como vivemos num mundo em que a Marvel se tornou uma potência cinematográfica e a Warner tá no barato de tentar fazer a mesma coisa com os personagens da DC...

Se não tivessem fazendo filmes monstruosos de orçamento bilionário sobre os Vingadores, estariam fazendo filmes monstruosos de orçamento bilionário sobre qualquer outra coisa. Como faziam antes. E sempre fizeram, desde que o conceito de “filme monstruoso de orçamento bilionário” se tornou possível.

O meu ponto é que misturar tudo e tratar todos os filmes que têm super-heróis como se fossem uma coisa só é, além de uma preguiça extrema, uma injustiça sem tamanho.

Não existem “filmes DE super-heróis”. Existe comédia, drama, suspense, terror, ficção científica, faroeste, estas coisas todas das quais você deve se lembrar das prateleiras das locadoras (se é que você ainda se lembra o que raios é isso). Independente do fato de você gostar ou não de qualquer um destes títulos, mas você conseguiria dizer que Motoqueiro Fantasma, Capitão América 2 e Guardiões da Galáxia são apenas “filmes de super-heróis”? Não, vai. Não força. Motoqueiro Fantasma é um filme de terror (para alguns, LITERALMENTE isso). Capitão América 2 é um thriller de espionagem. E Guardiões da Galáxia é ficção científica. Entendeu onde eu quero chegar?

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Capitão América 2: espionagem com uniforme de super-herói

Seguindo nesta pegada, existem também as “séries COM super-heróis”, com exemplos tão díspares entre eles como Arrow e Flash, por exemplo. Arrow é ação com drama, é mais duro, mais tenso, mais sombrio. Flash é aventura com humor, é mais iluminado, cheio de gracejos e piadinhas. Agora me diga: são dois super-heróis da DC Comics. Isso significa que dá pra colocar as duas séries no mesmo balaio de gato e dizer “ah, são séries de super-herói”? Não, querido, não dá.

Thor é um filme de fantasia. Homem de Ferro é um filme de ação. O Homem-Aranha do Sam Raimi é uma aventura (conceitualmente, mais leve e com mais humor juvenil do que um filme de ação, que a indústria do cinema sempre definiu como “tendo mais foco no público masculino”). Já o primeiro Homem-Aranha com Andrew Garfield carrega nas tintas dramáticas. E por aí vai. Lembra do Máskara, com o Jim Carrey, que também é baseado em um herói dos gibis? É claramente uma comédia. Assim como, muito possivelmente, vai ser o filme do Deadpool. O que não faltam são exemplos. Faça o exercício aí na sua cabeça.

Claro, todo espectador atento sabe que, não é de hoje, não só os cineastas mais alternativos, independentes, como mesmo alguns medalhões de Hollywood tentam desafiar estes rótulos, mesclando alguns deles em suas tramas, que se tornam mais difíceis de definir. Me responda rápido, sem pensar: Birdman, por exemplo. É uma comédia ou um drama? Um pouco dos dois, né? A tal da dramédia, que é um termo pavoroso que alguns executivos inventaram para tentar vender este tipo de produto para o cérebro do “americano médio”. E que tal exemplares como Duro de Matar, A Hora do Rush ou Um Tira da Pesada? Rapidamente, ganharam a alcunha de “comédias de ação”.

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Birdman: comédia ou drama? Pensa rápido!

Por vezes, nem existe necessidade de se ter rótulos, por mais que a gente saiba que eles ajudam na necessidade humana de organização. Mas “super-herói” não é, de longe, um deste gêneros. Super-herói é um arquétipo que se usa para contar uma história. É um tipo de personagem e não necessariamente um gênero em si. Um espião como James Bond, por exemplo. Para se contar uma trama de espionagem, não se precisa necessariamente ter um espião. Basta ter a ambientação certa, o clima de paranoia, de perseguição. Um faroeste, diabos, não precisa ter um caubói belo e faceiro. Posso tranquilamente contar uma história no Velho Oeste usando apenas os índios. Ou uma donzela em perigo. Porque um faroeste é tudo, é ambientação, é a busca pelo ouro, é o espírito do desbravador. Baião de Dois, a brilhante HQ de Danilo Beyruth, é tipicamente um western. Mas ambientado no Nordeste brasileiro e sem caubóis.

Assim como eu consigo fazer um filme de aventura, de ação, de suspense, de fantasia, sem precisar ter o diacho do super-herói. Ele não é um meio. Ele é só um arquétipo. “Que nos permite falar sobre o mundo usando a linguagem do simbolismo e da alegoria”, afirmou, em entrevista ao site The Big Issue in Scotland, o roteirista Grant Morrison. “Existem histórias de super-herói realistas, histórias de super-herói surreais, westerns de super-herói, histórias de guerra com super-herói, histórias de detetive com super-herói, histórias de horror com super-herói, romances com super-herói...”.

O escritor confessa que não tem certeza de que os super-heróis sejam de fato um gênero. “Ou se a ideia dos super-heróis pode ser uma espécie de pimenta especial que ajuda a energizar os outros gêneros. O mito do herói uniformizado sobrevive desde 1938, mudando constantemente de década em década para refletir os medos e necessidades do público”.

Por falar em público, aliás, os próprios representantes da indústria entendem claramente que esta tendência de tantos filmes com super-heróis se deve a um fator mais velho que andar pra frente e que dita os rumos de toda e qualquer produção cultural no planeta: o gosto do público. “O público gosta muito. Todos estes filmes, na verdade, estão saindo da grande indústria. Cinema é uma indústria e é uma arte. Hollywood entende muito bem a indústria. E encontraram um filão, como um mineiro encontra uma mina de ouro, e agora estão explorando”, nos contou o ator Antonio Banderas, em entrevista exclusiva (já viu?). “O público, parece que aguenta bem e pede mais deste tipo de filme e tal. Portanto, Hollywood vai seguir oferecendo até que o público diga chega, estamos cansados”.

O ator, no entanto, acredita que existe ainda um outro fator que tem bastante influência na atual obsessão super-heroistica hollywoodiana – o desenvolvimento de novas tecnologias. “Encontraram a possibilidade de criar um universo que antes custava muitíssimo dinheiro se quisesse fazê-lo”, afirma, lembrando de superpoderes, raios disparados pelos olhos e gente voando por aí. “Conforme vão passando os anos, a tecnologia vai se desenvolvendo e ficando mais barata também, e com isso se fazem mais destes filmes”.

Não tenho problemas com filmes que tenham super-heróis – ou que tenham caubóis, espiões, mergulhadores, astronautas, bailarinas ou tocadores de gaita de fole. Tanto faz. Tudo que eu quero é ver um filme bom. E divertido. Por enquanto, a atual safra de produções vindas da Marvel e afins está acertando na mosca neste aspecto, brincando com os mais diferentes gêneros.

Vamos aguardar o futuro. Até que, como disse o Banderas, a gente diga “chega, não aguento mais”. Pra mim, pelo menos por enquanto, ainda falta um bocado pra chegar nesta fase. :P