Diretor e elenco afirmam em San Diego que filme sobre vazamento de informações da NSA é melhor aproveitado por quem vai buscar informação além das duas horas de projeção
Olha, não que você ainda precisasse de prova a respeito, mas o fato de que um filme como Snowden teve um painel com toda a pompa e circunstância em pleno Hall H da San Diego Comic-Con, nesta quinta-feira (21), só reforça aquilo que a gente diz sempre: sim, política e cultura pop estão mais ligados do que você imagina.
A produção é mais uma sobre o tema para o currículo do cineasta Oliver Stone, que já tinha dirigido JFK (1991), Nixon (1995) e W. (2008). Agora, ao invés de mergulhar no universo dos presidentes americanos, ele vai para o outro lado, num thriller biográfico sobre Edward Joseph Snowden. Talvez você se lembre do nome dele dos noticiários atuais: um expert em informática, ex-empregado da CIA e responsável por vazar informações da NSA (National Security Agency) em 2013, revelando uma série de programas dos EUA para vigilância global em diversos países (incluindo o Brasil).
Depois de entregar centenas destes documentos para os jornalistas Glenn Greenwald, Laura Poitras e Ewen MacAskill, Snowden se tornou centro de atenção global. Obviamente, o Departamento de Justiça dos EUA ficou puto com o sujeito e, acusando-o de roubar propriedade governamental e ainda violar o chamado Espionage Act (lei de 1917 criada para punir atos de interferência com relações internacionais e que, desde então, vem sendo constantemente questionada por ser algo que poderia violar o princípio da liberdade de expressão), mandou prender o cara. Mas ele acabou conseguindo asilo político na Rússia, primeiramente por um ano e depois estendido por mais três.
Herói? Dissidente? Patriota? Traidor? São muitos os adjetivos que tem sido usados para descrevê-lo ao longo dos últimos anos, conforme o novo trailer revelado na SDCC dá conta.
O que rolou ainda na SDCC, apenas para convidados, foi aquela que dá pra chamar basicamente de segunda exibição pública do filme – que já tinha sido apresentado, há alguns meses, na antiga casa de Ernest Hemingway, em Sun Valley, para uma plateia selecionada. Outro que teve a chance de assistir ao filme foi Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cannes, que chegou a convidar Oliver Stone a competir oficialmente na edição 2016, “mas ele está de olho no Oscar, então uma estreia em Cannes pareceria muito prematura”. No entanto, Frémaux afirmou publicamente ter gostado demais da produção. “Ele ajuda a entender diversas coisas e complementa Citizenfour [documentário de Laura Poitras, que no filme é interpretada por Melissa Leo] perfeitamente”.
Quando Stone foi convidado para dirigir o filme, inicialmente ele teve dúvidas se deveria topar ou não. No momento, ele estava trabalhando em outro projeto controverso, um filme sobre os últimos dias da vida de Martin Luther King Jr. (e que inclusive teria Jamie Foxx no papel principal), e não queria meter as caras em mais um vespeiro. Mesmo depois de ser chamado por Greenwald, jornalista do Guardian hoje morando no Brasil, para conversar a respeito, Stone ainda estava querendo se afastar da polêmica. “Mas depois de me encontrar pessoalmente com Snowden umas três vezes em Moscou, então eu me convenci”, contou o diretor, durante o painel na SDCC. O roteiro foi escrito com base nos livros The Snowden Files, do jornalista inglês Luke Harding, e Time of the Octopus, escrito pelo advogado russo de Snowden, Anatoly Kucherena.
Em entrevista ao THR, Stone já tinha dito que sabia que ia ser difícil financiar a parada, tanto que a pré-produção foi bancada pessoalmente por ele e pelos produtores alemães, já que o filme foi todo rodado por lá, na cidade de Munique. “Eles dizem na América que temos liberdade de expressão; mas o pensamento é financiado, o pensamento é controlado, a mídia é controlada”, diz ele. “Certas coisas não dá pra criticar. Você pode fazer filmes sobre um líder dos direitos civis que esteja morto, mas não é fácil fazer um sobre um cara que está por aí, vivo”.
Um filme tem só duas horas, não é pra acreditar em tudo que está ali cegamente, é importante ir atrás de outros lados da história
Mesmo assim, nem Stone e nem o ator Joseph Gordon-Lewitt, que interpreta Edward Snowden, acham que a NSA estaria tentando barrar o filme – pelo menos foi o que apostaram ambos durante a apresentação em San Diego. “O problema não é o governo estar observando todo mundo”, diz Lewitt. “Mas o problema todo com isso foi eles mentirem. A constituição diz que temos liberdade e o direito à privacidade. E o governo mudou isso sem falar com ninguém”. Para Zachary Quinto, que vive Glenn Greenwald, é muito fácil sair por aí dizendo “ah, pode espionar, eu não tenho nada a temer, não devo nada”. Até a hora em que tiverem um histórico gigante de coisas a seu respeito e já for tarde demais. “Esta mentalidade não adianta nada”.
Todos parecem ter comprado a luta de Edward Snowden do lado de trás das câmeras. Tanto é que o próprio Joseph Gordon-Lewitt afirmou ter doado seu salário na produção para instituições como a ACLU (American Civil Liberties Union), que ajudam a “facilitar a conversação” entre tecnologia e democracia. Para o ator, apesar de Snowden ser conhecido como alguém que critica o lado mais sombrio da tecnologia, ele ainda é um apaixonado por gadgets e está longe de ser contra eles. “Ele acha que a tecnologia pode ser usada em favor da democracia. Basicamente, estamos falando de uma pessoa boa que tenta fazer o bem”, afirma Joseph. Em uma entrevista concedida ao Washington Post, há cerca de três anos, o próprio Snowden já tinha afirmado que, em termos de satisfação pessoal, sua missão já estava completa. “Eu já venci. Contanto que os jornalistas possam trabalhar, tudo pelo que eu vinha lutando foi validado. Porque, vejam, eu não quero mudar a sociedade. Eu quero dar à sociedade uma chance de determinar se ela deve mudar ou não”.
Joseph Gordon-Levitt, Shailene Woodley e Zachary Quinto respondendo se concordam que Edward Snowden é herói
No Hall H, Oliver Stone afirmou concordar com Snowden e disse que seu filme não tem um lado. “Quero que as pessoas assistam e tirem suas próprias conclusões. O próprio Snowden diz que pessoas ainda estão em cima do muro sobre este assunto, que ninguém tem muita opinião formada a respeito”. Hewitt completa dizendo que todo filme político tem, na verdade, algo bem maior do que se pode ver ao longo da projeção . “Um filme tem só duas horas, não é pra acreditar em tudo que está ali cegamente, é importante ir atrás de outros lados da história”.
Em tempo: enquanto começava a SDCC na qual Snowden é destaque por seu filme, o próprio Edward Snowden falava diretamente de território russo para um telão durante o MIT Media Lab, no qual apresentou um projeto ao lado do hacker Andrew Huang. Trata-se de um complemento para iPhone chamado “The Introspection Engine”, cujo objetivo é alertar o usuário quando os sinais de rádio do celular são acionados. Basicamente, uma forma de tentar evitar que o governo saiba a sua localização, usando o que ele chama de “aparelho de rastreamento perfeito”. O acessório será um case de bateria que se conecta com o iPhone e também fica ligado ao slot de SIM card do aparelho. Ainda no campo das ideias, the introspection engine deve ter um protótipo desenvolvido a partir do ano que vem, com tecnologia open source.
Herói? Dissidente? Patriota? Traidor? Conforme os próprios responsáveis pelo filme disseram, a decisão é sua. ;)
Com estreia prevista nos EUA para o dia 22 de Setembro, Snowden ainda não tem data para chegar aos cinemas do Brasil. No elenco, estão ainda Shailene Woodley, Tom Wilkinson, Scott Eastwood, Timothy Olyphant, Rhys Ifans e ninguém menos do que o muso dos memes Nicolas Cage como um ex-funcionário do serviço americano de inteligência.