Eu tenho duas más notícias pra quem finge que não é com ele.
Uma semana em que a gente tem que lidar com pedofilia, proibição da pílula do dia seguinte a vítimas de estupro e desmerecimento de abusos verbais e físicos no dia a dia não é uma boa semana. No entanto, é bom que a gente fale sobre isso, fale muito, afinal, o debate e a formação do discurso são as primeiras formas de luta. Em comum a todas essas pautas, a opressão da mulher desde a mais tenra idade e seu testemunho na idade adulta como forma de expurgar o mal, tendo em vista as gerações futuras.
Muitos vão dizer que protestar em rede social é preguiçoso, ineficaz, pouca merda, mas é isso que opressores e oprimidos condescendentes fazem: ridicularizam a vítima, tentam desacreditar seus argumentos e esvaziar o impacto da realidade estatelada na cara deles e das pessoas de sua convivência.
Fingir que não é com a gente é prática corrente em tempos de chorume do capitalismo selvagem, seja quando o assunto é aquecimento global, agrotóxicos nos alimentos, o trabalho escravo, a guerra civil na Síria, no Iraque e no Afeganistão, o ocaso do Haiti, a maré de refugiados, a contaminação da água, o absurdo da devastação causada pela produção em série de carne vermelha, a coisificação do ser humano e por aí vai.
Nessas, a maneira de lidar com a sexualização infantil, o machismo, o racismo, a homofobia e a pedofilia nossos de cada dia é a mesma, e pode ser resumida em uma frase: “você está exagerando”. Quem nunca ouviu isso ao abordar um tema polêmico?
A real é que estamos exagerando mesmo, falamos de tudo isso ao mesmo tempo, assumindo que não seremos mais parte passiva de uma engrenagem de moer gente que já deu o que tinha que dar. Seja a Jennifer Lawrence escrevendo uma carta aberta aos estúdios para falar do precipício salarial entre homens e mulheres, seja a Malala defendendo o direito das meninas aos estudos, seja a Emma Watson convidando os homens a serem parte de uma transformação mundial onde assumimos a repressão feminina e tentamos tirar os pés da lama juntos, seja o Think Olga pedindo pras mulheres contarem sobre a primeira vez que sofreram assédio na vida e conseguindo o resultado abaixo.
https://twitter.com/CarolittleCarol/status/657250695423377408
https://twitter.com/mercalita_/status/657250711433060352
https://twitter.com/mercalita_/status/657250711433060352
Os tweets acima são uma pequena amostra da infinidade de histórias que foram publicadas de forma corajosa por essas mulheres, que encaram a exposição em um espaço público a fim de mostrar a gravidade da cultura do estupro, que está na minha cabeça, na sua e na de todos os homens, porque crescemos achando que, se formos legais o suficiente, machos o suficiente, elogiosos o suficiente, protetores o suficiente, provedores o suficiente, comedores o suficiente, as mulheres terão obrigação de dar algum afeto, de preferência físico, pra gente, como retribuição.
Então, eu tenho duas más notícias pra quem finge que não é com ele. A primeira, é que elas não têm que dar nada pra gente. A segunda, muito mais aflitiva para os machões de plantão, é que, cada vez mais, elas sabem disso.