Captain America: Steve Rogers #1 traz uma escolha polêmica para o Bandeiroso… Mas, o que isso representa?
SPOILER! Quarta-feira, 25 de Maio de 2016. Na mesma madrugada na qual a DC começou com o seu Renascimento, a Marvel se movimentou. Lançou Captain America: Steve Rogers #1, com o retorno da versão mais clássica do herói, mas com um novo uniforme e escudo. Só que não foi só isso que mudou: em uma última página surpreendente, Steve revelou que é um membro da HYDRA. Que SEMPRE FOI.
Steve Rogers não era o Bandeiroso há algum tempo. Tudo começou quando o Soro do Super-Soldado foi neutralizado no corpo do herói, fazendo com que ele tivesse os 90 anos biológicos de seu corpo. Fora de combate, Steve foi substituído por Sam Wilson, o Falcão, como o novo Capitão América. Aí chegou a saga Avengers: Standoff!, na qual Kubik – a versão humanoide do Cubo Cósmico – restabeleceu a juventude e os poderes do personagem.
Com diversos vilões foragidos e a HYDRA reativada, Steve e Sam entraram num acordo: os DOIS continuariam a usar o nome de Capitão América, com ambos combatendo o mal à sua maneira. Nesse processo, o ex-Falcão ficou com o escudo clássico, enquanto Rogers passou a usar um novo uniforme e um novo escudo. E é assim que chegamos nesta primeira edição.
Independente do final, Captain America: Steve Rogers #1 é um ótimo gibi. Escrito por Nick Spencer, a história é totalmente atual, mostrando que o Capitão América é o herói mais político da Marvel. E a arte de Jesus Saiz tá linda, completando ainda mais o bom trabalho geral.
E por que esta é uma história atual? Porque ela traz um Caveira Vermelha reestabelecendo a HYDRA, reunindo pessoas muitas vezes simples e comuns a lutar contra quem apoia essa onda de refugiados que “assola” a Europa, que querem “roubar a nossa comida, o nosso abrigo, nossa forma de vida, e aí então pegar as nossas vidas”. Que as pessoas contra isso devem se unir, porque ninguém está “protegido”. E isso inclui lutar contra o próprio governo dos EUA, que é “transgressor” e que estamos num “cerco” em nome da “tolerância”.
Um discurso que funciona, a partir do qual ele consegue mais e mais seguidores. Acha impossível acreditar no Caveira Vermelha? Não ache: com algumas adaptações, o discurso dele não está muito longe ao do Donald Trump.
Sim, ele é Johann Schimdt, um alemão, antigo membro do governo nazista e tudo mais. Porém, o nazismo não existe mais como algo de um país. Há muito tempo é algo completamente diferente disso. Ele existe em discurso e como um símbolo de grupos radicais de direita, inclusive nos EUA. E é de onde vem o outro protagonista desta história.
O gibi gasta algum tempo contando quem é Robbie Dean Tomlin, o homem-bomba no trem que Steve está tentando impedir de agir. Ele cresceu num lar onde os pais brigavam. Pobre, não conseguiu ir pra faculdade e acabou roubando carros. Preso, sem escolha, se aliou a membros de uma supremacia branca, apenas para continuar vivo na cadeia. Ganhou uma suástica no braço, com a qual teve que lidar no trabalho que conseguiu após sair da cadeia em condicional. Veio a crise, perdeu o emprego, e também veio o vício. Houve tentativas de sair dessa vida por meio de grupos de ajuda e igrejas. Quando não tinha mais esperanças, apareceu o Caveira Vermelha.
Pra ele, que tinha passado por tanta coisa na vida, aquele discurso de ódio a alguém fazia sentido. Melhor culpar os outros pelo nosso fracasso do que nós mesmos. Ele precisava lutar não pro mundo ser melhor pra todos, mas que pelo menos fosse do jeito que ele achava (ou do qual foi convencido) que era melhor pra ele.
Uma história que também soa muito parecida, apesar dos atores e etnias diferentes, ao que acontece com quem se alista ao Estado Islâmico.
Steve sabe disso tudo. Mais do que conhecer a história de Robbie por uma ficha, o Capitão também teve problemas na infância, na adolescência, foi pobre e superou tudo isso pra ir até a Alemanha e lutar pelo que ele acreditava ser a liberdade. Deu a vida no processo.
Vale dizer que enredos assim já vinham sendo explorados em Captain America: Sam Wilson, que recebeu muitas críticas por ser um Bandeiroso que reclamava do racismo e de como os EUA lidavam com os imigrantes.
Outro acerto da edição é com a Sharon Carter. Você sabe, personagens de quadrinhos dificilmente envelhecem como nós. São sempre feitos ajustes para que, de alguma forma, eles continuem mais ou menos com a mesma idade, ou que não envelheçam mais do que uma idade considerada razoável. Só que pra Sharon o tempo passou. Vemos as marcas de expressão no rosto, e ela inclusive chega a brincar com o Steve sobre isso, de não ter pedido que ela também rejuvenescesse. Num mundo que só preza a juventude e a beleza – principalmente entre as mulheres – é ótimo poder ver esse tabu caindo com uma heroína tão representativa quando a Agente 13.
A edição também lida com o passado de Steve – e é aqui que as coisas vão ficando estranhas. Descobrimos que, em 1926, o futuro Bandeiroso e a mãe foram abordados por uma estranha mulher, que os ajudou a enfrentar um pai/marido agressivo e, no fim, convidou pra um encontro da HYDRA. Piora: no final da história, Steve aparece lutando contra o Barão Zemo – que quer retomar a organização para si – e acaba aparentemente matando o Jack Flag. Tudo pra terminar a história com um sonoro “Hail HYDRA”.
Ou seja, isso tudo quer dizer que o Capitão América SEMPRE foi um agente infiltrado da HYDRA? “ODEIO VOCÊS MARVEL COMO ASSIM EU AMO O STEVE S2!11!11!”
Calma, gente.
Primeiro que isso não combinaria com o histórico de 75 anos do personagem. Se ele era um operativo da HYDRA na Segunda Guerra Mundial, por que teria atrapalhado os planos do Caveira? Ou mesmo décadas e décadas depois, porque ele nunca agiu antes?
Um argumento que pode ser usado é que a HYDRA teve diversos líderes nesse tempo todo, e nem todos poderiam saber que poderiam controlar o Capitão. Mas hoje a HYDRA está nas mãos do Caveira Vermelha, o mesmo que “matou” (ou melhor, o prendeu num “ponto fixo do espaço-tempo”) após a Guerra Civil, por exemplo. Se eles eram amiguinhos, por que teria feito isso?
É provável que seja algo muito mais pontual do que isso, do que um simples retcon – talvez algo do passado no pequeno Steve, que só (re)descobriram agora, e ele tá sendo manipulado. Ou o próprio Capitão tá fazendo jogo duplo, ou, de alguma forma, acredita um pouco no que o Caveira tá defendendo. Há diversas alternativas. Mas clones, Skrulls ou controle mental não estão entre elas, disse o próprio Spencer pra Entertainment Weekly. “A segunda edição colocará diversas cartas na mesa em termos do novo status quo. [...] Esse é realmente o Steve Rogers, o Capitão América”.
“Isso tudo envolve derrubar o Universo Marvel, claro. Mas não é tão simples assim. Não é como se tivéssemos trocado o chapéu branco por um chapéu preto — é um chapéu verde”, disse o editor Tom Brevoort pro USA Today, fazendo referência aos termos White Hat e Black Hat, usado pra hackers empenhados em avisar sobre falhas de segurança e para aqueles que encontram essas falhas em benefício próprio, respectivamente — e o verde, claro, a cor da HYDRA.
Vamos dizer que jogadas temporárias assim, com o personagem, não são novidade. Até pouco tempo atrás ele era um idoso, por exemplo. Anos antes, tava perdido no tempo. Nos anos 90, ele ficou com o Soro problemático e teve que usar uma armadura feita pelo Tony Stark. Na mesma década, transformaram ele num lobisomem. Aliás, esses dois últimos fatos são relembrados no gibi desta semana...
O que Spencer está fazendo é tentando criar uma alegoria do momento atual da política, com a direita ganhando força em vários lugares, com ideais que eram combatidos no passado agora sendo repetidos por forças democráticas. Tá difícil, pras pessoas em geral, entender o que é certo ou errado, como vemos na própria HQ. Um mundo no qual, tristemente, o Capitão América bradar “Hail HYDRA” pode fazer algum sentido. “Nós chutamos certo ao ter isso rodando no meio desse processo estranhas e excêntrico de eleições presidenciais primárias — e tudo isso que tá acontecendo no mundo agora. Isso [o enredo] é mais relevante agora do que um ano atrás”, afirmou Brevoort.
Ao mesmo tempo, ver a reação de indignação que surgiu entre alguns leitores não é algo ruim. Demonstra que, quando colocado nessa alegoria, tem gente que não aceita estes ideais. Só que precisamos transportar esse pensamento pra vida, também.
No geral, não vamos crucificar tão cedo o que está sendo feito em Captain America: Steve Rogers. Quando todo o arco tiver concluído, vai dar pra ter uma análise melhor. Se for algo bom, relevante, guardamos na memória — e, quem sabe, aprendemos algumas lições. Se for ruim, será tão esquecível quanto o que foi lido nos anos 90.
E bola pra frente.