O principal título da edição 2016 de Sundance lidera as bolsas de apostas para o Oscar do ano que vem
Falta aí quase um ano para o próximo Oscar, mas isso não impede que críticos e especialistas já façam suas apostas sobre quem serão os indicados na edição 2017. Um dos nomes que vem sendo mencionados com força é o do drama histórico The Birth of a Nation, sensação do Festival de Sundance este ano e também conhecido como “aquele que disse NÃO para o Netflix”.
Escrito, produzido, dirigido e estrelado por Nate Parker (cujo rosto é lembrado por seus papéis como ator em A Vida Secreta das Abelhas, A Negociação e Sem Escalas, entre outros), o filme é baseado na história real de Nat Turner, jovem escravo muito religioso e que, na América do século XIX, aprendeu a ler para poder estudar a Bíblia e então pregar para os outros escravos.
Mas, percebendo que poderia tirar proveito da situação, seu “dono” começou a levá-lo para outras regiões do país, numa espécie de “turnê de pregação”, da qual obviamente pudesse tirar lucro com outros donos de escravos. A religião poderia “acalmar” os escravos e torná-los mais servis, não? O caso é que, nestas viagens, Nat passou a ver a realidade de seu povo e logo se tornou um tipo diferente de líder, encabeçando uma sangrenta rebelião de escravos no condado de Southampton, na Virginia, em 1831.
No elenco estão nomes como Armie Hammer, Aja Naomi King, Jackie Earle Haley, Penelope Ann Miller e Gabrielle Union, que Parker só conseguiu trazer para o seu lado porque teve persistência para correr atrás de uma obsessão que começou ainda na faculdade, quando descobriu a história de Nat Turner em um curso de estudos afro-americanos na Universidade de Oklahoma – na qual entrou, aliás, por causa de uma bolsa como praticante de wrestling. “Imagine a minha surpresa ao descobrir que um dos maiores homens a caminhar pelo solo deste país viveu e lutou a menos de 100 milhas de onde eu cresci”, contou o diretor, em entrevista ao THR.
Formado em programação, lá foi ele se mudar para Los Angeles, em busca de sua carreira como ator, se sentindo frustrado com a maior parte dos papéis que lhe foram oferecidos. “Poucos tinham realmente algum tipo de integridade. Como um homem negro, você sai dos testes não esperando pegar o papel, mas sim se perguntando como você vai explicar para a sua família se aceitar”.
O roteiro da história de Nat Turner começaria a ser escrito em 2009. Parker enfiou as caras, obtendo feedbacks de medalhões como James Mangold e tendo que encarar comentários desencorajadores como “protagonistas negros não ajudam na performance internacional dos filmes”, “produções históricas com grandes cenas de batalha são muito caras”, “isso é violento demais”, “não vai funcionar se não tiver uma grande estrela no papel principal”, “Turner é um personagem controverso demais”.
O grande lance é que Nate Parker cagou pra tudo isso. Na verdade, poucos dias depois de acabar as filmagens do romance regado a R&B Nos Bastidores da Fama, em 2013, ele teve um encontro com seus agentes e disse que não iria mais atuar – não até que pudesse tirar a história de Nat Turner do papel e vivê-lo pessoalmente. “Eu estava disposto a manter a promessa e, se isso significasse que eu nunca mais ia atuar de novo, que fosse assim”. O fato é que ele passou MESMO dois anos sem topar qualquer papel, dedicando cada minuto ao projeto. Aliás, cada minuto e cada centavo, né, porque o cara tirou US$ 100.000 do próprio bolso para contratar um designer de produção e pagar pela análise das melhores locações de filmagens em Savannah, na Georgia.
Aí, Nate saiu voando pra tudo quanto é lugar do país, de Nova York a Los Angeles, em busca de investidores. Os primeiros homens da grana vieram, vejam vocês, do mundo do basquete: Michael Finley, jogador aposentado da NBA, e Tony Parker, estrela dos San Antonio Spurs. Conseguindo garantir pelo menos 60% dos US$ 10 milhões que precisava, ele contou com a ajuda de Aaron L. Gilbert, da Bron Studios (de I Saw The Light, com o Tom Hiddleston no papel do cantor country Hank Williams), que assumiu o papel de produtor e trouxe o que faltava de bufunfa. “O que eu esperava que fosse ser só uma reunião de 10 minutos com Nate, apenas para fazer uma cortesia com um agente, tornou-se uma reunião de horas, repleta de todos os tipos de emoções”, revela Gilbert. “Não tinha jeito de não fazer este filme”.
As gravações, que duraram apenas 27 dias, aconteceram em maio de 2015. Exibido em Sundance no dia 25 de janeiro deste ano, The Birth of a Nation saiu consagrado: ganhou o prêmio de escolha da audiência e ainda o grande prêmio como escolha do júri especializado como “filme dramático”. A crítica também amou o que viu: “um drama biográfico mergulhado igualmente na graça e no horror, ele te leva a um final brutal que vai causar profundas emoções e um desconforto inevitável”, afirmou a resenha da Variety, por exemplo.
A questão do título do filme, aliás, está bem longe de ter sido ocasional. Afinal, The Birth of a Nation também é o nome que batiza um filme de 1915, dirigido por D.W. Griffith e baseado no livro e na peça de teatro The Clansman, de Thomas Dixon. Muda e em P&B, a obra retrata a relação entre duas famílias durante a Guerra Civil dos EUA e ao longo do período da reconstrução. Verdadeiro sucesso comercial à época de seu lançamento, este primeiro The Birth of a Nation se envolveu em polêmica por retratar os homens negros (alguns deles interpretados por atores brancos com as caras pintadas, também conhecido como “blackface”) como ignorantes e sexualmente agressivos contra mulheres brancas – além de mostrar a Ku Klux Klan como uma espécie de força heroica e uma das bases para a identidade dos ianques.
Na verdade, historiadores afirmam que o longa de Griffith foi diretamente responsável pela inspiração da chamada “segunda era” da KKK, que aconteceria naquele mesmo ano, sendo usado inclusive internamente como incentivo para o recrutamento de novos membros.
“O filme de Griffith se baseou fortemente na propaganda racista para evocar o medo e o desespero como ferramentas de solidificação da supremacia branca no DNA dos Estados Unidos”, explica Nate, em entrevista para a revista Filmmaker. “Não apenas ajudou no crescimento dos terroristas da KKK e na carnificina contra os afro-americanos, como ajudou a criar as fundações da indústria cinematográfica que conhecemos hoje. Eu tomei este título e refiz o seu propósito como uma ferramenta para combater o racismo e a supremacia branca na América”.
Para o THR, o diretor reafirma ainda que o timing do filme, exatamente com este título, não poderia ser mais acertado, num país em que tivemos casos recentes de violência e intolerância racial como o de Michael Brown, o que gerou uma onda de distúrbios na cidade de Ferguson.
“A resistência está no ar neste exato momento. Qualquer um que for assistir a este filme deveria sair do cinema com vontade de ser um fator de mudança no que diz respeito às relações que estão se formando no país”, diz. “Mas, também, deveria se sentir orgulhoso de ser americano. Este país foi construindo com base na rebelião. Quando falamos de heróis americanos, pessoas que lutaram contra forças opressoras, acho que é fato que Nat Turner deve existir nesta conversa”.