Não dá pra negar que Kanye West seja um imbecil. Mas também não dá pra negar as muitas qualidades de seu novo álbum de inéditas, The Life of Pablo.
Na última quinta-feira (11), o marido da Kim Kardashian, Kanye West, fez um puta evento em pleno Madison Square Garden para o lançamento de seu The Life of Pablo, sétimo disco solo de estúdio. Quer dizer... para lançar o disco e também a sua nova coleção de calçados e vestuário, Yeezy Season 3. E, vamos ser francos, a moda deu uma bela eclipsada no lado musical da coisa. Tava mais pra Fashion Week do que pra show de rap.
Na verdade, chega até a ser frustrante ver o espaço que o álbum teve na estratégia de um dos cantores mais midiáticos dos dias de hoje. Foram muitos “falsos lançamentos”, mudanças de títulos, singles disponibilizados para começar a fazer barulho e, na hora do vamos ver, foram os tênis cheios de firula e os agasalhos estilosos que ficaram com a maior parte dos holofotes. Mas, enquanto Kanye fica na sua tempestade de tweets, pedindo esmola para Mark Zuckerberg, a gente foi atrás do que realmente valia a pena: a música.
E sim, ela vale muito, mas MUITO a pena. Aquela legião que simplesmente não suporta Kanye West vai ser obrigada a dormir com este barulho, infelizmente. Este que vos escreve, inclusive. Porque seria muito mais fácil simplesmente dizer que o disco “daquele mala” é uma bosta, né? Mas o pior é que não é. Nem de longe.
Pra começar, se o som de Kanye West que você tinha na cabeça era aquele que pôde ser ouvido em Yeezus (2013), é melhor esquecer. Este The Life of Pablo é bem menos experimental. Em termos estruturais, de métrica e melodia, é um disco de hip hop bem mais “tradicional”, menos audacioso e mais “comercial”, com diversas canções com muito mais chances de irem parar nas paradas de sucesso. É mais pop, por assim dizer.
Mas, mesmo em seus momentos mais “tradicionais”, Kanye está longe de ser óbvio. E lá foi ele chamar uma porrada de colegas famosos para participações especiais: Chance the Rapper, Kid Cudi, Rihanna, Chris Brown, Ty Dolla $ign, The Weeknd, André 3000, Frank Ocean, Kendrick Lamar... A lista é uma verdadeira calçada da fama da atual música dos EUA. E gera momentos incríveis – da linda e emocionante pegada gospel de Ultralight Beam, que abre o disco, passando pelo refrão irresistível de 30 Hours, pela piração hipnótica e quase eletrônica de Waves e pelas rimas sufocantes e mal-educadas na batida de inspiração setentista de No More Parties in LA.
The Life of Pablo é hip hop, na essência. Tradicional, sim. Mas é hip hop bastante diverso também.
É possível sentir, em todo o disco, um tema bastante comum: a paternidade. Seja o próprio Kanye tendo que lidar com a fama para cuidar e curtir seus filhos, seja deixando seu passado de DEVASSIDÃO pra trás para ser um exemplo melhor ou ainda exorcizando seus demônios na relação com o pai, Ray West, ex-membro dos Panteras Negras que se tornou um talentoso e pioneiro fotojornalista. “Up in the morning, miss you bad / Sorry I ain’t called you back / The same problem that my father had”, diz ele na autobiográfica e contundente letra de Father Stretch My Hands, dividida em duas partes.
Mas existe um outro tema bastante comum ao longo de toda a obra: a porra da misoginia. Em um disco no qual ele questiona a fama e todo o interesse que os “sanguessugas” da imprensa de celebridades têm sua vida, lá está Kanye querendo cria factóides com os versos “For all my Southside niggas that know me best / I feel like me and Taylor might still have sex / Why? I made that bitch famous” de Famous.
Quer criticar a Taylor Swift? Seu direito. Mas faça isso com inteligência — já tirando do caminho essa pretensão de achar que ela é a queridinha da América só porque você acha que Single Ladies é um dos melhores clipes de todos os tempos (TODOS. OS. TEMPOS). Isso você tem de sobra.
Porra, escuta só a letra curtinha e, ainda assim, genial, de I Love Kanye, um verdadeiro ode à todas as críticas que ele escuta a seu respeito. Fantástico. Por que não zoar a Taylor, então, com a mesma classe? Não, precisa usar a porra da referência sexual DE NOVO.
The Life of Pablo é um puta disco. Mas podia tranquilamente passar não apenas sem esta referência a Taylor, pelo menos do jeito que foi apresentada, mas também sem o trecho “Whip that, bitch out / Tits out, oh shit / My dick out, can she suck it right now?” de Freestyle 4. Ou mesmo a referência a sua própria esposa como “bitch” em Highlights, na qual se compara de maneira infantil ao ex-namorado da moça, Ray J, que teria “comido” ela antes. “Mas acontece que eu sou mais rico”. E estes são apenas ALGUNS dos exemplos.
De novo: Kanye é muito mais inteligente do que isso. E um cara que desafiou as convenções musicais de seu próprio gênero como fez em Yeezus poderia ter culhões o suficiente para fugir DESTA obviedade em particular, não é mesmo? Mas aí ele fica puto com as críticas, diz que tem direito de fazer o que quiser, que é único e inimitável, que espera nada menos do que o Grammy de “melhor álbum do ano” em 2017...
No final das contas, The Life of Pablo só confirma uma coisa que todo mundo meio que já sabia: Kanye West é um excelente músico, talvez um dos melhores e mais inventivos do hip hop contemporâneo. Mas é um babaca. Um idiota. Alguém que não apenas é um maldito egocêntrico, o que seria natural no caso de um músico, mas que se convenceu de que é um GÊNIO. Para alguns, até que isso faz bem. No caso de Kanye, tá fazendo um mal danado.
Kanye é alguém que não apenas criou um personagem midiático, mas se convenceu de que ele é real e vive interpretando o dito cujo insuportavelmente a cada minuto de sua vida. No começo é engraçado. Mas depois cansa. Ele pode ser a sua própria musa inspiradora e achar que é Deus. Tá beleza. Mas que seja um Deus um pouco menos pentelho, né? Um que não fique, de preferência, querendo dizer que é bom ao dizer que os outros são uns merdas.
Talvez fosse o caso de se focar apenas na música, pra variar um pouco.