Um filme de horror com supermodelos agindo como vampiros famintos, recorrendo a expedientes extremos como “vudu e canibalismo” para manter a sua beleza – resultando no que o responsável pela trilha sonora definiu como sendo uma mistura de O Vale das Bonecas (filme de 1967 sobre três mulheres lutando nos bastidores do show business) e O Massacre da Serra Elétrica.

Nicolas Winding Refn, de Drive (2011) e Apenas Deus Perdoa (2013), dirige. Um cineasta com um estilo próprio, único, que sabe unir a estética com a adrenalina, cujo DALTONISMO acabou criando uma fotografia de cores fortes, explosivas, com muitos contrastes e poucas sutilezas.

Refn não trouxe, mais uma vez, para a frente das câmeras nem o ator-fetiche Ryan Gosling e nem o conterrâneo e amigo de longa data Mads Mikkelsen (que ele ajudou a lançar no mercado internacional, aliás). A sua protagonista aqui em The Neon Demon é a aparentemente doce Elle Fanning.

Elle vive Jesse, uma aspirante a modelo que se muda para Los Angeles em busca de seu sonho. E ela tem algo que milhares de outras jovens buscando o mesmo objetivo aparentemente não tem. “Algumas garotas simplesmente desmontam com a pressão”, diz a personagem de Christina Hendricks, que parece ser uma caçadora de talentos. “Você. Você vai ser grande”. Mas esta indústria da moda é muito competitiva, cheia de pessoas obcecadas pelo sucesso, pelo glamour e pela beleza. E estas mulheres estão preparadas para se alimentar (literalmente, pelo que dá pra entender do trailer) de sua beleza e juventude. Mas ela é, como diz sua mãe, “perigosa”.

“Uma manhã, eu acordei e percebi que estava cercado e dominado por mulheres. Estranhamente, me surgiu uma vontade de fazer um filme de horror baseado nesta busca perversa pela beleza que envolve o universo feminino”, afirmou o cineasta, em entrevista ao THR.

Já num Q&A durante a exibição de um de seus filmes em Londres e registrado pelo Screen Rant, ele completa dizendo que já tinha feito filmes demais estrelados por homens. “Eu queria agora um filme que praticamente só tem mulheres”, explica. “Depois de gravar o Drive em LA e me apaixonar pela eletricidade da cidade, senti que tinha que voltar para lá e contar a história de The Neon Demon”.

Para a revista Dazed, a esposa do diretor, a atriz Liv Corfixen, conta que a história teve inspiração em ninguém menos do que Elizabeth Báthory de Ecsed, notória condessa húngara do século 16 conhecida como uma das maiores assassinas da história, aquela mesma que tinha o hábito de torturar e matar jovens mulheres para depois se banhar em seu sangue, em busca de sua beleza e juventude.

Mas, embora afirme que não dá para chamar o filme de outra coisa que não seja “terror”, o compositor da trilha, Cliff Martinez, revela que não dá exatamente para dizer que seja um filme de horror tradicional. “A primeira metade do filme tem uma pegada até meio romântica, eu usei música mais leve e sutil. Mas então chega uma coisa bem mais tensa, pra congelar o sangue, e a parada pode ficar bem arrepiante”, diz, para a Vice.

Um dos principais responsáveis pelo sonho de produzir um filme de terror enfim sair do campo dos sonhos de Refn – que já afirmou, inclusive, que justamente O Massacre da Serra Elétrica foi o responsável por tê-lo transformado em profissional do mundo do cinema – foi Alejandro Jodorowsky, cineasta e quadrinista chileno conhecido pela brilhante parceria com o mestre Moebius em Incal. E que, pelo que parece, tem uma outra habilidade pouco divulgada. “Ele [Refn] estava de mau humor, bem frustrado”, conta a esposa, a respeito do processo criativo do marido. “Aí, ele teve uma longa conversa com Alejandro por telefone, acho que tirando tarô. E depois Nicolas ficou bastante feliz. Estava deprimido e depois ficou mais confiante, se sentiu motivado”.

A primeira exibição de The Neon Demon vai rolar no Festival de Cannes, que começa nesta quarta-feira, dia 11. Da mesma forma que aconteceu com Drive e Apenas Deus Perdoa, o filme fará parte da competição oficial e vai concorrer à Palma de Ouro. O que torna este momento diferente dos outros é que finalmente Cannes, o último BASTIÃO do cinema tradicional, está se rendendo aos filmes financiados por serviços de streaming. Afinal, The Neon Demon é distribuído pela Amazon Studios, comprado em um dos acordos financeiros mais vantajosos da edição 2015 do American Film Market.

Depois de entrar com os dois pés no peito na produção de séries de TV (incluindo a premiada Transparent, vencedora do Globo de Ouro, e The Man in the High Castle, elogiada adaptação da obra clássica de Philip K. Dick), a Amazon Studios agora tem uma estratégia agressiva para filmes, adquirindo e produzindo originais com orçamento de US$ 5 a US$ 25 milhões. A ideia é lançar pelo menos 12 destes títulos por ano, sempre primeiro no cinema e, cerca de quatro a oito semanas depois, indo parar direto no seu Prime Instant Video – obviamente desafiando a questão das janelas que ainda é tão importante para a indústria cinematográfica.

Além de The Neon Demon, outras produções da Amazon Studios terão destaque em Cannes, como
Café Society (o novo de Woody Allen), Paterson (de Jim Jarmusch), The Handmaiden (do coreano Park Chan-wook, de Oldboy) e o documentário Gimme Danger, sobre o Iggy Pop. “A Amazon comprou os direitos destes filmes, mas eles serão lançados nos cinemas primeiro”, tentou justificar Thierry Fremaux, diretor do Festival de Cannes, falando com o THR. “As pessoas que cuidam da área de cinema da Amazon, as pessoas que compraram filmes de Woody Allen e do Nicholas Winding Refn, são verdadeiros fanáticos por cinema”. Se isso servisse de justificativa para os exibidores de cinema também, mais da metade do problema tava resolvido. ;)

Enfim, o elenco de The Neon Demon traz, além de Elle Fanning e Christina Hendricks, nomes como Jena Malone, Keanu Reeves e Desmond Harrington, entre outros. A Amazon Studios planeja lançar o filme em território americano dia 24 de Junho – enquanto aqui no Brasil a previsão de chegada é 18 de Agosto, via California Filmes.