Jay-Z junta a sua galera (de Madonna a Beyoncé, passando por Coldplay, Rihanna, Arcade Fire e a porra toda) e lança um novo serviço de streaming, que promete “colocar os artistas no controle”. Sei…
O terceiro round da batalha da música digital está para começar. No primeiro momento, o Napster surgiu, meteu um soco na cara da indústria fonográfica, dividiu os artistas e deu início a um movimento que mudou para sempre o jeito que as novas gerações iriam consumir música. Mas os advogados da tal da indústria, ah, estes danados, passaram uma rasteira no Napster e boom!, adversário jogado para fora do ringue.
O segundo round aconteceu quando surgiu um poderoso guerreiro lá da Suécia, que atende pelo nome de Spotify. Erguendo-se muitos degraus acima de similares como Deezer e Rdio, o serviço de streaming de origem escandinava conquistou a simpatia das gravadoras e do público e reuniu um impressionante acervo de 30 milhões de faixas, com mais de 60 milhões de usuários em todo o mundo, que podem ouvir músicas tanto no formato gratuito quanto pagando (e recebendo aí vantagens como sumiço das intervenções de propaganda e tal).
Só que os artistas, rapaz, não estavam plenamente satisfeitos com esta história. Pelo menos, boa parte deles. Porque muitos ainda questionam o modelo de remuneração das plataformas de streaming e os valores considerados ínfimos recebidos por execução de cada faixa. E aí, bingo, surge do outro lado do ringue, de dentes cerrados e louco pra aplicar um cruzado de esquerda, o rapper Jay-Z. E seu novo serviço de música por streaming, o Tidal.
Havia quem acreditasse, na verdade, que o grande desafiante do Spotify pelo posto de gigante da música digital fosse ser o Beats – iniciativa similar da Apple sendo desenvolvida em parceria com a empresa de fones de ouvido de alta fidelidade adquirida pela empresa da maçã. Por trás do projeto que deve substituir o iTunes Radio estão Dr.Dre, o veterano executivo de gravadoras Jimmy Iovine e ainda Trent Reznor, a mente por trás do Nine Inch Nails e ex-executivo do Beats.
Impressionante? Ah, você não viu nada.
O anúncio oficial de lançamento do Tidal, realizado nesta segunda-feira (30), uau, este sim foi uma demonstração de força que deve ter feito Sean Parker, ex-Napster e ex-Facebook, atual membro do conselho do Spotify, tremer na base. Adquirido recentemente por Jay-Z como parte da negociação pela empresa sueca Aspiro, o Tidal era uma plataforma com meros 17 mil usuários pagantes. Só que, mais do que músico renomado, Z é um homem de negócios que não dá ponto sem nó.
Poderoso e influente, ele reuniu em uma coletiva de imprensa nada menos do que Coldplay, Rihanna, Kanye West, Daft Punk, Alicia Keys, Calvin Harris, Jack White, Madonna, Usher, Nicki Minaj, Arcade Fire, Deadmau5 e a patroa Beyoncé para dar mais detalhes sobre a nova fase do Tidal. Todos assinaram uma carta compromisso e entraram com ações e dinheiro para fazer a coisa crescer. Ou seja, foram todos anunciados oficialmente como sócios. Um serviço de streaming controlado pelos artistas. É esta a mensagem que Godfather Z quis passar para o mercado: “Agora é a gente que manda nesta parada”.
O Tidal chega prometendo acesso ilimitado a mais de 25 milhões de faixas, 75 mil vídeos musicais, um serviço de reconhecimento musical parecido com o Shazam e até artigos e entrevistas exclusivos com artistas. A aposta para vencer a luta contra Spotify e afins vai estar, essencialmente, na exclusividade de conteúdo. Discos inteiros lançados antes no Tidal e que ficarão lá disponíveis durante algum tempo antes de serem liberados para a concorrência – se é que serão, em alguns casos. Se alguém aí pensou no formato do Netflix e em seus conteúdos originais, bingo, a ideia é esta. Alguém, no entanto, poderia lembrar ao Jayzão que uma busca por House of Cards em qualquer site de torrents retorna dezenas de resultados positivos... ;)
A coisa toda começa com dois planos de assinatura, tanto para web quanto para iOS e Android: US$ 9,99 pela qualidade standard de áudio ou US$ 19,99 pelo som de alta fidelidade. O que eles querem dizer com “alta fidelidade”? A intenção é oferecer as canções no chamado formato LossLess, “sem perdas”, que promete manter a configuração original do áudio mesmo depois que o dito cujo passa pelo processo de compressão que o transforma em arquivo digital. Isso significa que não vai haver perda de qualidade – o site oficial afirma que o áudio pode chegar até impressionantes 1411 Kbps, enquanto no Spotify o limite máximo é de 320 Kbps. “Você vai curtir a música do jeito que os artistas queriam que ela fosse curtida”, diz o comunicado oficial no site. #ChupaMP3, diriam eles se pudessem (aliás, cadê o Lars Ulrich nesta brincadeira toda?).
E sim, você entendeu bem. Não vai existir versão gratuita, meu caro. Esqueça. No máximo, você pode conseguir um trial de 30 dias. E isso se você morar em algum dos 31 países nos quais o serviço está inicialmente disponível, o que não inclui o Brasil neste momento. E ainda assim, tudo só rola com um convite especial, por enquanto. Lembra daqueles primeiros dias de Orkut? Prepare-se para as pessoas disputando na base do tapa – mas sem derrubar a bebida que pisca – oportunidades VIP de entrar nesta onda do barulho.
Outra carta na manga que o Tidal tira logo de cara pra esfregar na fuça do Spotify é a presença do catálogo de ninguém menos do que Taylor Swift, atual queridinha da América e líder dos rankings de vendas de CDs na terra do Tio Sam. No final do ano passado, ela arrumou um barraco com o Spotify: depois de lançar seu single Shake It Off por lá e chegar ao topo das músicas mais tocadas, ouvida por cerca de 16 milhões de usuários e fazendo parte de mais de 19 milhões de playlists, a obra da moça sumiu. Nem sinal.
Embora nunca se tenha confirmado oficialmente, tudo indica que a cantora não gostou de ter sido “pressionada” a colocar o vindouro disco de inéditas no serviço, na íntegra. “Não estou disposta a contribuir com a obra da minha vida para um experimento que, a meu ver, não compensa os escritores, produtores, artistas e autores musicais”, afirmou Taylor ao Yahoo. Scott Borchetta, presidente do selo Big Machine Label Group, que produz os discos da cantora, foi mais longe: “Não tem como o serviço ser grátis para sempre. Dê um teste de 30 dias sem cobrar e depois faça o usuário converter automaticamente para o modelo pago”. Parece que tem alguém feliz agora, não? ;)
Quem segue Rihanna, Kanye ou Beyoncé no Twitter deve ter visto que, ao longo da segunda de lançamento, além de usarem a hashtag #TIDALForALL em suas mensagens de apoio, os artistas trocaram suas fotinhos por quadrados na cor azul, em referência à cor do novo empreendimento. Não demorou, no entanto, pra surgir um movimento contrário, de gente com quadrados na cor vermelha e ostentando hashtags como #TidalforNone e #AntiTidal. O motivo? A música deveria ser livre, segundo eles. “Eu amo o fato de que eles estão tentando nos empurrar esta maluquice e não estamos entrando nesta”, solta uma. “Parabéns, vocês estão criando uma nova geração de piratas”, carimba outro.
“Nós não gostamos da direção que a música estava tomando e pensamos que talvez pudéssemos dar um sopro de ar, honestamente”, tenta se justificar Jay-Z, em entrevista para a Billboard. “Se o mínimo que a gente conseguir for fazer as pessoas acordarem e tentarem melhorar este sistema de grátis vs. pago e promoverem uma troca justa, então será uma vitória para nós de qualquer forma”.
Jay-Z, se você quer a minha opinião (ela é gratuita, não precisa pagar nada por mês), te digo apenas uma frase: este trem saiu da estação tem MUITO tempo. Entendo (e concordo) perfeitamente que os artistas tenham que ser dignamente remunerados por seu trabalho. Só que o comportamento de consumo de música mudou. Simples assim. Não adianta trocar o “comprar o CD” pelo “comprar a assinatura”, como se estivesse querendo replicar o mesmo modelo em outra plataforma. As coisas agora funcionam de outra forma, a solução tem que ser mista, teria que usar a seu favor as ferramentas que o próprio fã já usa e conhece – beijo pro Thom Yorke e sua brilhante ideia de uma parceria com o BitTorrent, saudações para um monte de artistas indie que dão um banho nos medalhões quando o assunto é “estratégia digital”. Até acho que faz sentido a miopia da indústria, ainda confusa, ainda tentando se adequar. Mas chega a ser engraçado que os próprios artistas, ou pelo menos parte deles, compartilhem da mesma visão turva.
A coisa MAIS engraçada, no entanto, é que o mercado fonográfico já vinha agitado há cerca de uma semana com uma boataria, suportada pelo confiável site Digital Music News, a respeito de um misterioso comprador que iria levar o Spotify para casa pelo valor astronômico de US$ 14 bilhões. A compra elevaria o sueco verdinho “a um outro nível”, numa negociação envolvendo a suspensão de seus serviços gratuitos e uma combinação com o YouTube para acabar com o acesso à íntegra de vídeos musicais não-autorizados, depois de muita pressão das gravadoras. O anúncio oficial seria realizado em uma matéria de capa do Wall Street Journal a ser publicada na próxima quarta-feira – que vem a ser, no caso, dia PRIMEIRO de abril. Se alguma coisa de verdadeira sair desta história, pode deixar que a gente vem aqui e atualiza este texto. :D
Ao mesmo tempo, falando sério e sem mentira, o Spotify abocanha mais uma fatia de mercado ao tornar o seu aplicativo disponível para Playstation 3 e 4, num acordo com a Sony que acaba com o Music Unlimited e permite ouvir, em segundo plano, as playlists do serviço enquanto você joga videogame.
E enquanto esta treta toda se desenrola justamente no ano em que a RIAA (Recording Industry Association of America) anuncia que as vendas de música em formato streaming ultrapassaram as vendas de álbuns físicos em território estadunidense pela primeira vez na história (US$ 1,87 bilhão contra US$ 1,85 bilhão), uma pergunta crucial permanece viva em nossas mentes e em nossos corações.
Por que caralhos o Justin Timberlake juntou uma galera e gastou US$ 35 milhões para comprar o MySpace, mesmo...?