Tim Seeley conta porque desistiu da filha do Blade na Marvel | JUDAO.com.br

A decisão do quadrinista, agora um artista exclusivo da DC, teve relação direta com OUTRA polêmica diferente na qual a Casa das Ideias se viu envolvida. E faz bastante sentido.

No nosso resumão do que rolou na San Diego Comic-Con do ano passado, a gente te contou que o Blade, o caçador de vampiros da Marvel, voltaria a ganhar um gibi pra chamar de seu, dessa vez estrelado por sua filhota — isso no dia 18 de Julho. Algumas semanas depois, no dia 8 de Agosto, a nossa PERECIDA coluna Página 8! revela que o projeto foi cancelado por tempo indeterminado. E é isso. Não tinha qualquer outra explicação.

O Bleeding Cool até chegou a arriscar que a decisão de interromper o projeto teria relação direta com o novo tratamento que o herói receberia para o cinema/TV, tendo que mantê-lo mais “fiel ao original” nos gibis. “Não poderia contradizer muito”. Olha só, se isso fosse servir de desculpa, por causa das produções Marvel Studios, a editora nunca poderia investir na Jane Foster como Thor e no Sam Wilson como Capitão América, não é mesmo? :D

Bom, ficamos nesse limbo de informações até o início dessa semana, quando saiu uma entrevista do roteirista Tim Seeley para o Newsarama, na qual, entre outros assuntos, o gibi que nunca chegou a nascer e atendeu durante pouco tempo pelo nome de Blade: The Hunter também veio à tona.

blade_1_seeley_variant-600x910“A versão curta da história é que eu saí”, disse Seeley. “A versão longa é que, quando a Marvel me contratou, eu tinha trabalhado durante dez anos escrevendo um gibi de horror com uma garota como protagonista. Então, parecia fazer sentido”. O autor se refere ao título Hack/Slash, publicado originalmente pela Devil’s Due Publishing e que trazia tanto roteiro quanto arte dele pra contar a história da jovem Cassie Hack chutando a bunda de monstrengos especializados em caçar adolescentes. “Aí, viemos com a ideia da filha do Blade. Mas quando a Marvel anunciou isso, estava no meio de uma situação bastante delicada por causa das suas capas homenageando discos clássicos do hip-hop”.

Não custa lembrar do que o Seeley está falando: a Marvel tava lançando a sua nova linha de quadrinhos, batizada de All-New, All-Different, com mais de cinquenta novos títulos. E para celebrar este momento, cada uma das edições de número 1 destas novas revistas teria uma capa variante – todas com um mesmo tema: reinterpretações (obviamente estreladas por seus personagens) de capas de alguns dos discos mais importantes e icônicos do hip-hop/rap de todos os tempos. Dr.Dre, Ol’ Dirty Bastard, Nas, Notorious B.I.G., Tupac Shakur, Public Enemy, Wu-Tang Clan...

Mas a principal crítica foi de que a editora estava usando a cultura negra para atrair os brancos. Afinal, a maioria dos artistas homenageados são negros, já que o hip-hop/rap é um movimento cultural típico da cultura negra e a maioria dos heróis/vilões retratados nas capas são brancos. E mais: a maioria das equipes criativas destes mais de cinquenta títulos era formada por brancos.

“Foi uma semana ruim. Aí, claro, um monte de gente olhou para esta HQ do Blade e já pensou ‘lá vem outro título protagonizado por negros e com um time criativo apenas de brancos’, sabe?”, diz ele. “E é um argumento bastante válido porque, sim, era este o caso. A crítica é bastante justificada”. Embora achasse que a porrada já era esperada dentro daquele contexto, Seeley conta que a editora ainda tentou encontrar com ele um caminho para seguir em frente. “Só que aí, depois de um tempo, eu senti que era eu que tava estragando tudo. Não dava pra deixar de sentir que uma mulher negra escreveria aquele material muito melhor do que eu”.

O exemplo que Tim Seeley usou para justificar que sua decisão estava correta foi o bem-sucedido lançamento da nova HQ do Pantera Negra, a primeira em muitos anos na qual tanto roteirista, Ta-Nehisi Coates, quanto desenhista, o veterano Brian Stelfreeze, são negros. “Eles podiam usar esta ideia do Blade para apresentar novos talentos ao mundo”, sugere. NÉ? ;)

Blade

O plano original do autor — que teria arte de Logan Faerber (Oh, Killstrike) — era ter Blade reavaliando a sua cruzada de vingança e, bom, a si mesmo também. “Depois de 50 anos caçando vampiros, ele começou a perder o foco”, explicou Seeley ao CBR, na época. “Blade já nem sabe mais porque odeia tanto vampiros, porque odeia tanto a si mesmo. E percebe que tem bem mais na vida do que isso. Tô indo pelo lado que sempre achei mais frustrante sobre o personagem e levando para uma outra direção. Ele é um meio-vampiro que pode andar durante o dia. Por que nunca passou algum tempo curtindo a luz do sul?”.

Eles podiam usar esta ideia do Blade para apresentar novos talentos ao mundo

E aí entraria Fallon Grey, de 16 anos, sua filha, que começaria a caçar não apenas vampiros, mas todos os tipos de monstros que ameaçassem a raça humana. “Eu a descrevo como uma ‘anti-Peter Parker’. Ela é popular na escola, querida, e todos ao seu redor acham que ela tem um futuro brilhante pela frente”, contou o roteirista. “Mas este tipo de expectativa tão alta que depositam nas costas dela também vem com sua dose de stress. Parte de sua história seria lidar com o que todos esperam que ela seja”. A graça do título seria colocar ela e o pai frente à frente, dois personagens absolutamente antagônicos mas com uma coisa em comum: “a teimosia em mudar ou enxergar novos pontos de vista”. Para o autor, seria divertido ver “um cara como Blade se tornando pai e uma garota como a Fallon tendo que lidar com ser uma filha”.

Atualmente, Tim Seeley é um artista exclusivo da DC Comics. Depois do elogiado título Grayson, a versão agente secreto do ex-Robin escrita ao lado do ex-agente da CIA Tom King, agora ele é responsável por Nightwing, título mensal que marca o retorno de Dick Grayson à identidade heroica de Asa Noturna. Mas nada impede que, em algum momento do futuro, ele volte a trampar com a Casa das Ideias. “Eu amo as pessoas que trabalham lá. Katie Kubert [atual editora dos títulos dos X-Men e dos Guardiões da Galáxia e, por acaso, prima de Andy e Adam] foi uma das minhas editoras na DC (na época em que era responsável pelas revistas do Batman) e eu amei trabalhar com ela. Aliás, foi ela uma das pessoas que me sugeriu pra Grayson“.