Vidro, de M. Night Shyamalan, encerra uma trilogia que, dezoito anos depois, podemos definir como a melhor, a principal desse tal gênero de super-heróis
Homem-Aranha 2, Batman: O Cavaleiro das Trevas, Kick-Ass, Homem de Ferro 3, Capitão América: Soldado Invernal, Mulher-Maravilha, Thor: Ragnarok, Logan... Não há qualquer filme do ~gênero SUPER-HERÓI que consiga entender tão bem o que é um super-herói e, principalmente, uma história em quadrinhos, tanto quanto Corpo Fechado.
Demora um tanto até você perceber isso — eu mesmo só consegui enxergar uns 16, 17 anos depois de assistir pela primeira vez, primeiro porque quando eu assisti lá na estreia eu imaginava que um dia teríamos um “gênero” de super-heróis e segundo porque a Marvel definiu TÃO BEM uma fórmula que fica difícil a gente olhar pra qualquer coisa além daquilo.
Depois de bom tempo rodeado por bombas (as que ele jogava no cinema e as que o povo jogava nele de volta), M. Night Shyamalan conseguiu ficar em paz depois de Fragmentado, um filme que além de um final surpreendente também conseguia surpreender pela qualidade. A história de um cara que sofreu abusos na infância e acabou desenvolvendo um milhão de personalidades por conta do TDI (transtorno dissociativo de identidade) é MUITO boa. No final vira aquela maluquice com um cara andando pelas paredes, o que é algo que poderia ser discutido se Bruce Willis não tivesse aparecido e feito todo mundo lembrar que Corpo Fechado existia.
Com o toque de midas de Jason Blum, Shyamalan conseguiu mais uma vez fazer com que a cultura pop prestasse atenção no que ele fazia. Fragmentado é um filme infinitamente mais maduro do que tudo que ele tinha produzido até então e o futuro, com a tão aguardada sequência de Corpo Fechado, era promissor.
Pois bem, esse filme é uma realidade. Se chama Vidro, estreia no Brasil no próximo dia 17 de Janeiro e é precisamente o que poderíamos esperar de uma sequência de Corpo Fechado dirigida por M. Night Shyamalan, da mão pesadíssima em firulas que não chegam a atrapalhar mas ficam extremamente artificiais, à sua participação especial, com fala porque ÓBVIO, passando pelo fato de que é, novamente, um ótimo filme baseado em histórias em quadrinhos.
Demora a engatar? Demora a engatar. Vidro passa mais da metade da sua duração ajeitando todas as peças no tabuleiro do Shyamalanverse, vindas de dois filmes completamente diferentes, para que uma história possa ser contada e faça sentido. Apesar de cansar inicialmente, quando estão todos nas suas posições e prontos pra atuarem juntos pela primeira vez, a gente até esquece toda essa construção, começa a se lembrar de detalhes tanto de Corpo Fechado quanto de Fragmentado e se diverte.
Dessa vez focada no Mr. Glass, caso o título não tenha deixado claro, a história, apesar de deixar algumas pontas soltas que poderiam ser continuadas em tantos outros filmes se a GANÂNCIA falar mais alto, se encerra em si. Acompanhamos, direta e indiretamente, tudo o que aquele supervilão faz pra colocar um ~capanga pra enfrentar seu nêmesis, numa história clássica de gibi de super-herói. O resultado, porém, é surpreendente — não naquele esquema “HÁÁÁÁ! PEGADINHA DO MALLÁN!” de plot twist que o Shyamalan nos acostumou, mas sim de uma maneira... madura. Adulta. Que te faz levantar as sobrancelhas, apontar pra tela e mandar um “Aaaaah, olha sóóóóó”...
Isso, é claro, se você não for aquela pessoa insuportável que no meio da história já tá criando suas próprias teorias com base em nada. :P
Samuel L. Jackson é um ator ridiculamente bom, o típico “character actor”, que raramente protagoniza uma história, tá longe dos prêmios, mas entrega sempre, sempre e SEMPRE uma atuação memorável de alguma maneira (é muito mais fácil, afinal, você se lembrar dos personagens que ele interpretou do que, sei lá, da Meryl Streep. Não me @.). Já James McAvoy não consegue entregar a mesma interpretação da Horda no primeiro filme — não sei se pela diminuição do personagem, justa inclusive, ou pelas infinitamente mais constantes trocas de personalidade. Elas fazem sentido na história, mas não tem o peso e profundidade que poderiam, e deveriam, ter.
A bem da verdade, é bom que se diga, Vidro não tem nem o peso e nem a profundidade dos outros filmes, em especial Fragmentado — o que não significa que seja ruim ou sequer menos importante. Como um clássico terceiro ato da jornada do herói, o que temos é o clímax, a grande treta, a resolução de tudo, com a diferença de que ela foi totalmente planejada por um dos maiores vilões que as histórias em quadrinhos nunca terão a chance de ver mas que, por sorte, o cinema teve a chance de testemunhar.
Mr. Glass é, definitivamente, um dos maiores vilões da cultura pop
Mr. Glass tem motivação, tem a falta de remorso e empatia, tem o coração completamente congelado e ainda consegue nos livrar de um Momento Martha™ que eu não podia acreditar que estava testemunhando. Mas eu devia ter me acalmado logo: M. Night Shyamalan entende super-heróis como muito pouca gente, né?
Vidro depende bastante tanto de Corpo Fechado quanto de Fragmentado pra existir e funcionar. Não é uma história fechada, única, apesar de se ENCERRAR EM SI, e o tanto de vezes que eu citei os dois aqui talvez já tivesse deixado isso claro. Sinceramente? Não dá pra considerar isso ruim. Vai incomodar muita gente que só resolveu assistir a um filme pra fugir do sol e do calor, já que vai ter um monte de coisa sem fazer sentido. Mas não dá pra reclamar de um filme bom que te faz assistir a dois outros filmes ótimos.
Tem coisas que só M. Night Shyamalan faz por você. E viva o cinema. :)