Shonda Rhimes e a morte de um sonho | JUDAO.com.br

Muito antes de The Walking Dead ou Game of Thrones, uma das produtoras e showrunners mais badaladas da TV americana já se dedicava à arte da matança de personagens – e ela fez de novo!

No final da semana passada, enquanto as redes sociais começavam a se inflamar pela estreia de Vingadores: Era de Ultron, uma notícia caiu como uma bomba no twitter, Facebook e afins: a morte de um sujeito chamado Derek pelas implacáveis mãos da dona Shonda.

“Mas escuta, quem é esta tal de Shonda e o que ela fez pro Derek, cacete?”, me perguntou, aos risos, um camarada via inbox do Facebook. “Tem um monte de gente falando sobre isso e não entendi nada”.

Shonda é ninguém menos do que Shonda Rhimes, uma das mulheres mais poderosas da indústria do entretenimento nos EUA, criadora e showrunner de algumas das séries de maior audiência por lá. E Derek é o personagem Derek Shepherd, médico bonitão de Grey’s Anatomy – que acabou morrendo no recém-exibido episódio How To Save a Life, da 11a temporada do programa, em capítulo escrito pela própria criadora.

Shonda Rhimes e Patrick Dempsey, em alguma premiação que rolou em 2006

Shonda Rhimes e Patrick Dempsey, em alguma premiação que rolou em 2006

Derek, o neurocirurgião vivido pelo eterno “Loverboy: o Garoto de Programa” Patrick Dempsey, era uma espécie de “namorado perfeito” – como me confidenciaram três amigas e dois amigos, todos chorosos com o destino trágico do personagem. Um romântico incurável, conhecido pelo apelido de McDreamy, superou tudo para viver um relacionamento inicialmente turbulento e tumultuado com Meredith, a Grey do título da série, sua colega de hospital. Deu uma nova chance à irmã Amelia, trazida do abismo das drogas. Era um pai incrível, que adotou uma pequena garotinha e não se importava de colocar uma coroa de princesa na cabeça enquanto ela lhe servia chá imaginário. E usou post-its para dar forma a um casamento lindo, divertido e memorável.

Em resumo: ele era uma espécie de co-protagonista. Um dos personagens mais importantes da trama. E morreu de maneira heroica, ao salvar as vítimas de um acidente de trânsito e ter seu próprio carro atingido por um caminhão – preso à uma cama de hospital sem qualquer chance de recuperação, coube a Meredith a decisão de desligar os aparelhos. E milhares de lágrimas rolaram.

Mas, na real, não é a primeira vez que dona Shonda faz uma parada destas, para ser franco. Aliás, qualquer um que acompanha as suas séries (Scandal, How To Get Away With Murder e mesmo o finado e subestimado spinoff de Grey’s Anatomy, Private Practice) sabe que a mulher é a rainha das tragédias. Ela não tem dó nem piedade de lançar toda uma série de catástrofes sobre seus personagens – matando quem achar necessário pelo bem da trama. Em Grey’s Anatomy, Shonda se supera. Já teve doença rara, já teve atirador invadindo o hospital, já teve uma queda de avião que exterminou metade dos passageiros e jogou o restante em uma ilha deserta.

Meio novelão mexicano melodramático, em algumas ocasiões. Um tanto fantasioso demais em muitas outras. Mas plenamente funcional em quase todas elas. Num certo ponto, tenho um profundo respeito por Shonda essencialmente por esta bravura. Se ela estivesse no lugar do Robert Kirkman, o Rick de The Walking Dead já teria ficado sem a mão como nos gibis – ou relegado a algum tipo de destino ainda pior. E vocês ainda têm coragem de dizer que o Martin é impiedoso em Game of Thrones? Diacho, aquilo é fantasia medieval, era de se esperar uma quantidade considerável de mortes. Mas Shonda Rhimes conta uma história que se passa dentro de um hospital, cara. E submete seus médicos a um nível de sadismo que ultrapassa qualquer história envolvendo zumbis ou disputas de espada pelo trono.

A família do McDreamy :/

A família do McDreamy :/

A gente já tinha falado aqui sobre como os fãs de gibis, aliás, estão mais do que acostumados e anestesiados com a morte — pessoal vê seus personagens morrerem nos dias de hoje e praticamente nem sente a dor da perda, porque sabe que, em algum momento, eles devem voltar.

Sabe quando a Alexandra DeWitt, a namorada do lanterna verde Kyle Rayner, foi morta, desmembrada e enfiada em pedaços dentro da geladeira? Agora imagina um treco deste rolando toda temporada? É isso que a Shonda faz. E faz fazendo sentido para a história, o que é ainda mais doloroso. Matar o Derek é o equivalente, nos dias de hoje, a matar, sei lá, a Lois Lane. A Mary Jane. E sem volta, não tem esta de “ah, daqui no máximo 1 ano ela retorna de um jeito mirabolante”. Nada disso. E ainda sem anúncio, sem propagandear, sem sair avisando aos quatro cantos que “alguém vai morrer nesta edição”. Você tá lá assistindo e, porrada na cara! Cai uma escavadeira em cima de um dos personagens principais, assim, sem mais, nem menos.

Neste caso em particular, cabe uma outra comparação ainda melhor e mais intensa: matar o Derek em Grey’s Anatomy foi o equivalente a matar a Gwen Stacy nas revistas do Homem-Aranha. Só que sem clones, cientistas loucos ou qualquer merda assim. E deixando para trás não apenas um casamento que tanto se esperou para ser consumado, mas também dois filhos e uma pesquisa científica brilhante, que poderia salvar milhares de vidas. Peter e Gwen eram um casal lindo. Mas gente... O que morreu aqui não foi só um cara. Foi uma família.

Porque é isso que a Shonda vem fazendo há 11 anos. E desta vez, ela fez justamente com o personagem que vinha trabalhando, lapidando e desenvolvendo ao longo de, bom, 11 anos. Desde o episódio número 1.

Você pode ter ficado puto da vida com a Shonda, sabe? Eu entendo. Foi, afinal, um velho amigo quem morreu. Uma amizade, um carinho, cultivado por mais de uma década. E daí que é a porra de um personagem de ficção? Eu chorei quando o Tio Ben morreu no primeiro filme do Homem-Aranha, do Sam Raimi. E chorei de novo quando ele morreu também no primeiro Espetacular Homem-Aranha. Dane-se. É um tipo de apego que a gente constrói depois de anos de “convivência”.

Mas uma coisa, meus amigos, é preciso admitir: esta mulher tem mais colhões do que muito marmanjo por aí. Pra fazer uma coisa destas, é preciso coragem. Tá bom, o The New York Post defende que foi uma reação às brigas que Shonda vinha tendo com um Dempsey cada vez mais estrela nos bastidores, a exemplo do que aconteceu em anos anteriores com Katherine Heigl e Isaiah Washington. Pode ser. Mas, ainda assim. é preciso bolas gigantescas para matar um personagem importante como Derek do jeito que ela fez, assim, à queima-roupa. Fazendo todo mundo do elenco sofrer. E a gente junto.

Kirkman e Martin: aprendam como se faz. ;)